A viagem que virou uma saga

por Luis Borges 5 de setembro de 2023   Pensata

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, Saga é uma sequência de acontecimentos fecunda em incidentes, conforme um dos seus verbetes. Foi o que aconteceu com um mineiro de 64 anos, residente em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, que possui uma propriedade rural de grande porte no Sul do Estado de Goiás. O seu negócio é a soja, destinada à exportação. Tudo é feito em conformidade com a sustentabilidade ambiental.

A cada 30 dias, o proprietário vai à sede do seu empreendimento onde permanece em torno de 7 dias verificando a conformidade da gestão dos processos operacionais, o andamento das metas e as ações corretivas que se fizerem necessárias. Ele faz também contatos com fornecedores, clientes e outros proprietários de empreendimentos na região.

Desde que entrou nesse negócio, tem sido bem complicada a logística para ir até a propriedade e retornar a Nova Lima. Exemplificam bem isso os acontecimentos da visita ocorrida em meados do mês de julho.

Tudo começou na ida de Belo Horizonte para Goiânia, quando foi marcado um voo para as 17h30. Ele saiu de casa em Nova Lima um pouco antes das 15h, com a meta de chegar ao aeroporto de Confins com 1h15 de antecedência em relação à decolagem da aeronave. Afinal de contas, a empresa aérea só recebe as malas para quem paga pelo despacho de bagagem até 60 minutos antes da hora marcada para o início da viagem. Entretanto, foi surpreendido no guichê ao ser informado do cancelamento do seu voo e a sua inclusão no próximo, previsto para 21h50. Um detalhe: a passagem de ida, com o despacho de uma mala custando R$ 1.800,00 e a de volta, 10 dias depois, ao preço de R$ 1.300,00.

Quando o avião pousou em Goiânia no meio da pista do aeroporto, bem distante do local clássico de desembarque, quase todos os passageiros se levantaram para sair rapidamente da aeronave. Imediatamente, o comandante solicitou pelo alto-falante que todos os passageiros deveriam ficar sentados em seus lugares. Isso porque agentes da Polícia Federal entrariam na aeronave para identificar dois passageiros que estavam sendo procurados. Os nomes foram anunciados no autofalante com o pedido para que se apresentassem espontaneamente. Como ninguém se manifestou, dois agentes começaram a verificar o documento de identidade de todos que estavam a bordo, até que na 8ª fila uma passageira se identificou e já ficou detida.

Os passageiros que não faziam parte do alvo da operação começaram a desembarcar enquanto os agentes avançavam pela aeronave até encontrar o outro procurado.

Após chegar no saguão do aeroporto, poucos minutos antes da meia-noite, o fazendeiro foi buscar o veículo reservado na locadora e teve mais uma pedra inesperada no caminhar do dia. A sua reserva havia caído no sistema e não havia disponibilidade do modelo de veículo de sua preferência. O jeito foi pegar e aceitar o que tinha lá e partir imediatamente para o sul de Goiás e chegar ao município onde fica sua propriedade por volta das 5 horas da madrugada. Foi a conta de se preparar para o primeiro compromisso de sua jornada marcada às 9h daquela manhã.

Como podemos ver, essa viagem tornou-se uma saga mesmo com todo o planejamento. O que prevalece é o desrespeito ao cliente da empresa aérea que, além de cobrar altos preços, ainda não cumpre do que foi combinado com os passageiros, a começar pelo cancelamento de um voo, por exemplo.

E você, caro leitor, já passou por perrengues desse tipo? Reclama ou fica por isso mesmo?

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A Linha caiu

por Luis Borges 22 de agosto de 2023   Pensata

Por volta das 8 horas e 20 minutos da terça-feira, 15 de agosto, feriado municipal em Araxá, Belo Horizonte e Belém, teve início um apagão no sistema integrado de energia elétrica do Brasil. Após 6 horas, todas as partes tinham voltado à normalidade.

Estima-se que 30 milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica em 25 estados e no Distrito Federal. O estado de Roraima não foi afetado por estar fora do sistema integrado nacional. Agora, o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e o Ministério de Minas e Energia – MME buscam as causas das falhas que levaram o sistema a se proteger com a redução de 25% da carga.

Quantas vezes algo semelhante aconteceu em diferentes magnitudes nos últimos 25 anos? Um ponto para reflexão que esse último apagão da energia elétrica nos enseja é sobre a confiabilidade dos variados sistemas a que estamos submetidos no dia a dia.

Partindo da premissa de que sistema é um conjunto de partes interligadas, cada qual com inúmeros processos, atividades e tarefas, o que e como fazer quando a linha cai e ficamos fora do ar?

Imediatamente só nos resta constatar que o sistema caiu deixando a expectativa esperançosa de que ele poderia voltar a qualquer momento, de preferência o quanto antes. Mas nada impede a geração de uma enorme ansiedade entre os usuários em decorrência da falha acontecida. Isso não impede que alguns digam que a tecnologia só é boa quando funciona e que outros comecem a discursar sobre a inteligência artificial, por exemplo.

O fato é que, quando a linha e o sistema caem, só nos resta saber que a tecnologia não funciona infinitamente por si só. Ela também precisa de gestão estruturada e planos alternativos para enfrentar os apagões de qualquer natureza. Vale lembrar que a gestão do risco faz parte do jogo e que devemos estar preparados para fazer a análise do modo e efeito de falhas. Como escreveu Guimarães Rosa “viver é perigoso ” e o ditado popular afirma que “a vida é um risco”.

Para ilustrar, podemos nos lembrar do caso de uma empresa aérea, cujo piloto sentiu-se mal no trajeto de um voo de Miami para Santiago do Chile, dia 14 de agosto, com 271 passageiros a bordo. Mas diante da emergência o piloto foi autorizado a entrar no espaço aéreo do Panamá e conseguiu pousar no Aeroporto Internacional do país. Imediatamente, teve início o atendimento ao piloto que morreu pouco tempo depois. Pensemos na finitude.

Cada um de nós tem muitos exemplos e casos para mostrar algo que não funcionou, a solução que foi dada e em quanto tempo. Sempre aparece alguém para dizer que “o que não tem remédio, remediado está”. Conformados ou inconformados, acabamos ficando numa encruzilhada e precisando tomar uma decisão perante as falhas que surgem mesmo diante das altíssimas tecnologias. Imaginemos o caso do telefone celular, esse dispositivo tecnológico que se tornou uma extensão, apêndice do corpo humano. Se o WhatsApp apresenta instabilidade ou até sai do ar por algum tempo, como ficam as vidas associadas a ele. E no sistema bancário, no bloco cirúrgico de um hospital, no transporte por metrô, no trânsito das cidades…?

Enfim, o jeito é prosseguir pensando que a confiabilidade não é absoluta, que probabilidades existem e que a tecnologia deve ser usada de maneira equilibrada…

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De vez em quando é bom dar uma parada no tempo presente, que caminha indelével, e buscar na parede da memória algo marcante de um determinado momento.

Foi assim que passei o dia 5 de agosto, com a lembrança viva do mesmo dia, há 50 anos, portanto em 1973, quando cheguei num domingo a Belo Horizonte para morar, estudar, trabalhar, viver.

Eu estava com 18 anos e já tinha vivido 16 anos em Araxá – querida terra natal – e dois anos em Uberaba.

Após enfrentar as perdas irreversíveis decorrentes de um erro médico que me levaram a um glaucoma cortisônico em ambos os olhos, o ponto de inflexão resultou na decisão de prosseguir a vida em Belo Horizonte, de comum acordo com meus pais e apoio deles em todas as dimensões, inclusive a financeira.

Agora que estou a relembrar a chegada a BH, a memória registra mais um dos anos de Chumbo da Ditadura Militar com todos os seus horrores – prisões arbitrárias, torturas, mortes, desaparecimentos de pessoas… A imprensa estava sob censura prévia, bem como os bens culturais produzidos. O milagre econômico brasileiro estava no ápice naquele ano com o Produto Interno Bruto – PIB crescendo 14% e a inflação a 15,6% ao ano.

Meu ponto aqui é lembrar que cada época tem a sua sonoridade musical, e por isso mesmo vou citar 4 músicas, que fizeram muito sucesso em 1973, em meio a tantas outras, que ouvi muito e ainda ouço até hoje, mesmo após 50 anos do surgimento delas. A primeira é Comportamento Geral, música de Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, dizendo que “Você deve notar que não tem mais tutu /E dizer que não está preocupado / Você deve lutar pela xepa da feira / E dizer que está recompensado/ Você deve estampar sempre um ar de alegria / E dizer: tudo tem melhorado / Você deve rezar pelo bem do patrão / E esquecer que está desempregado / Você merece, você merece / Tudo vai bem, tudo legal / Cerveja, samba, e amanhã, Seu Zé / Se acabarem teu carnaval?… Você deve aprender a baixar a cabeça / E dizer sempre muito obrigado / São palavras que ainda te deixam dizer / Por ser homem bem disciplinado”.

 

Também é sempre marcante a música Ouro de Tolo de Raul Seixas, considerada de estilo inovador no panorama da música popular brasileira – MPB. Raulzito instigava as mentes cantando ” É você olhar no espelho / Se sentir um grandessíssimo idiota / Saber que é humano, ridículo, limitado / Que só usa 10% de sua cabeça animal / E você ainda acredita / Que é um doutor, padre ou policial / Que está contribuindo com sua parte / Para o nosso belo quadro social / Eu é que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada, cheia de dentes / Esperando a morte chegar / Porque longe das cercas embandeiradas / Que separam quintais / No cume calmo do meu olho que vê / Assenta a sombra sonora dum disco voador”.

 

Duas músicas do grupo Secos e Molhados, cantadas por Ney Matogrosso, completam minha lista. Uma é Sangue latino, música de Joao Ricardo e Paulo Roberto dizendo que “Jurei mentiras e sigo sozinho / Assumo os pecados / Os ventos do norte não movem moinhos… Rompi tratados, traí os ritos / Quebrei a lança, lancei no espaço / Um grito, um desabafo / E o que me importa é não estar vencido / Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos / Meu sangue latino / Minh’alma cativa”.

 

A outra é Rosa de Hiroshima de Gerson Conrad e Vinícius de Moraes entoando que “Pensem nas crianças mudas, telepáticas / Pensem nas meninas cegas, inexatas / Pensem nas mulheres, rotas alteradas / Pensem nas feridas como rosas cálidas / Mas, oh, não se esqueçam da rosa, da rosa / Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária / A rosa radioativa, estúpida e inválida / A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica / Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada” e assim vou mantendo um pequeníssimo registro na parede da memória musical que já tem 50 anos (1973 – 2023…) em Belo Horizonte.

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Lutar por uma moradia digna, dela cuidar e buscar a melhoria contínua do “nosso cantinho” faz parte, ou deveria fazer, de nossos sonhos, propósitos, objetivos e metas. Atingir uma meta estabelecida de maneira fundamentada, sem delírios, é sempre um grande desafio, porém possível de ser alcançada.

Nesse sentido, vejamos o caso de um casal de operadores do mercado financeiro que vive junto há 15 anos. Ao longo desse período eles residiram num apartamento com área de 100 m² no último andar de um edifício de três andares (4 unidades por andar) num bairro da zona sul de Belo Horizonte. O detalhe é que o acesso aos apartamentos só é feito por escadas e nem todos eles têm direito a uma vaga de garagem, inclusive o deles.

Após 5 anos morando no local, o casal começou a sentir o desafio de subir e descer escadas todos os dias, quase sempre carregando alguma coisa, além de uma bolsa ou um dispositivo tecnológico. Eles já estavam na metade da faixa dos 50 anos de idade e já pensando sobre como fazer diante do avanço dos anos num futuro cada dia mais próximo.

Então estabeleceram a meta e as medidas de um plano de ação para viabilizar um apartamento com elevadores de acesso e tendo duas vagas de garagem num horizonte de 10 anos.

A meta foi atingida no final do ano passado, numa operação que envolveu a venda do imóvel em que moravam e que deveria ser entregue ao comprador no fim de março deste ano.

Como o apartamento adquirido foi construído há mais tempo, tornou-se necessário fazer uma reforma abrangendo uma nova configuração do espaço existente, mudança dos pisos, alterações no sistema hidráulico-sanitário, instalação de ar condicionado nas salas, quartos e escritório, bem como uma pintura geral, troca na pedraria da cozinha e banheiros, além de substituição da fiação elétrica.

O planejamento feito previa a contratação de um profissional da arquitetura para fazer um projeto com as modificações desejadas e outro da engenharia civil para a implementação. Coube a ele contratar a mão de obra necessária e comprar os materiais e insumos utilizados.

A partir daí começaram os problemas de cada dia. O profissional de arquitetura não entregou o projeto no prazo estabelecido e sempre tinha uma justificativa para o atraso, inclusive falta de tempo devido à carga horária na empresa em que é empregado. Na prática, o projeto era apenas um “bico” para ele, ainda mais que recebeu adiantadamente parte dos honorários ao fazer um contrato verbal com os seus clientes.

O jeito foi começar a obra no início de fevereiro com a previsão de conclusão no fim de abril, ou seja, em três meses.

Na linha do “cada dia com sua agonia” aconteceu um pouco de tudo, a começar pela mão de obra, geralmente precisando de mais capacitação técnica e desistindo do trabalho diante de qualquer pequeno conflito ou contrariedade. Problemas também com a assiduidade e pontualidade das pessoas, desperdício de materiais e insumos por incapacidade técnica ou meros descuidos, pouco zelo com a limpeza de ferramentas, utensílios e do próprio local de trabalho…

Resumindo a história, a obra atrasou em dois meses, com o custo ficando 40% acima do previsto, o projetista entregou o projeto com um atraso de um mês e erro na medição do espaço para a máquina de lavar roupa, pois não considerou a altura dos pés do equipamento.

A perfuração de uma tubulação de água num dos banheiros causou vazamento no andar de baixo durante todo um final de semana, o que obviamente, gerou conflitos com os moradores atingidos.

Exaustos, desgastados e morando a dois meses num apart hotel e com os móveis e utensílios guardados num depósito, o casal decidiu paralisar a obra deixando para fazer depois uma série de acabamentos, inclusive a instalação de armários.

Finalmente eles conseguiram se mudar no último fim de semana de junho para usufruir da meta atingida, ou seja, morar num edifício com 2 elevadores e 2 vagas de garagem. Mas já tiveram que corrigir alguns defeitos nesse quase um mês e meio morando no “novo cantinho”.

Você já passou por algo semelhante ao reformar sua moradia?
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A Organização das Nações Unidas (ONU) criou em 2006 o dia mundial de conscientização sobre a violência praticada contra os idosos. Ao mesmo tempo estabeleceu o Junho Violeta ou Roxo para chamar a atenção sobre o problema ao longo dos 30 dias corridos.

Entretanto, o mês de junho se encerrou e agora já caminhamos para o final de julho, mas devemos nos lembrar que o problema persiste e exige atitudes das pessoas e dos governantes a partir de políticas públicas respeitosas. Estas políticas devem ser de Estado e não de governos temporários – com mandatos de quatro anos. Isso ganha mais relevância e foco nas prioridades para a solução de problemas num país de alta desigualdade social com extrema concentração de renda.

Sem ter a pretensão de esgotar o assunto aqui, nem de apresentar soluções para tantas situações indesejáveis que acontecem no cotidiano, o que quero é lembrar alguns aspectos que considero importantes para ajudar na nossa melhor compreensão do problema.

É fundamental saber que a lei estabelece que são consideradas idosas as pessoas com a idade a partir de 60 anos e vários são os direitos definidos no Estatuto da Pessoa Idosa através da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Inegavelmente, é chocante o grau da violência física, mental, emocional, financeira… praticada contra os idosos. Os fatos narrados mostram que a maior incidência está dentro de casa – e olha que a subnotificação é uma realidade que nos faz pensar em algo maior. Podemos também pensar em idosos que moram sozinhos, com familiares, em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), em abrigos, nas ruas e nos hospitais em que muitos foram abandonados.

É importante também lembrar que 22 milhões de pessoas aposentadas pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) recebem um salário mínimo de R$ 1.320,00 mensais, e a maioria absoluta desse contingente é de idosos. Como a renda é curta, surge a necessidade de procurar – e cada vez menos encontrar – um trabalho em busca de um complemento para a sobrevivência. Fica visível a violência sutil trazida pelo idadismo ou etarismo – mais ismos – que discrimina pessoas acima dos 60 anos em relação a oportunidades no mercado de trabalho.

Quem ainda está a caminho dos 60 anos de idade deve se conscientizar dessa realidade que o aguarda, principalmente diante da inércia natural de tanta gente.

Outro aspecto importante aparece nos dados do recenseamento de 2022 do IBGE. A população brasileira se reduziu em relação às últimas estimativas, a taxa de natalidade caiu para 1,65 filhos por mulher e a população idosa foi a que mais cresceu atingindo o número de 34 milhões. Por outro lado, as projeções indicam que em 2050 teremos 68 milhões de idosos, ou seja, o dobro da atual.

Como podemos ver pelos dados disponíveis, mais cedo do que se pensa irá surgir uma nova proposta para a Reforma da Previdência Social do setor privado – mais uma violência – devido ao aumento do número de idosos e ao baixo crescimento populacional.

Ah! No setor público é diferente, e sempre se dá um jeito, com ou sem reforma administrativa e tributária. Mais uma violência que precisa ser lembrada é a dos planos de saúde, que promovem um aumento real nas mensalidades quando a pessoa completa 59 anos. E ainda existem aqueles que chamam a fase idosa da vida de “melhor idade” e simplesmente se esquecem de mostrar as restrições advindas da perda de autonomia, independência, condições funcionais, amigos…

E você, caro leitor, o que pensa sobre os aspectos aqui abordados?

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Desde 1994 que a Reforma Tributária aparece nas análises de conjuntura e cenários de quem faz planejamento e reposicionamento estratégico estruturado para seus negócios, como ameaça para alguns segmentos da economia e como oportunidade para outros.

Apesar de sempre citada como uma necessidade premente e vendida como mais uma panaceia para quase todos os males existentes no país, o fato é que só nos últimos três anos chegaram ao Congresso Nacional propostas mais estruturadas para início das discussões sobre um tema tão complexo e impactante.

Entretanto, alguns aspectos precisam ser mais bem observados e compreendidos para que se faça algo consistente e compatível com a realidade lastreada pelo conhecimento, fatos e dados. Não dá para aprovar nada a toque de caixa, empurrando goela abaixo algo tão estratégico. Aliás, melhor seria fazer antes uma reforma administrativa para se conhecer o tamanho do Estado – União, estados e municípios – buscando dimensionar uma suportável capacidade de se pagar tributos por parte da sociedade. Algumas premissas fundamentais são a austeridade nos gastos do Estado, teto para a remuneração das castas de servidores públicos, nada de mordomias, gestão pela qualidade dos serviços prestados e nenhum aumento da alta carga tributária atual, por exemplo. É importante lembrar que em 1993 a carga tributária brasileira equivalia a 22% do Produto Interno Bruto (PIB) e atualmente, 30 anos depois, está em torno de 35% do PIB.

Fico me lembrando da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, que foi vendida como uma grande saída para o crescimento do nível de emprego e deu no que deu. Seria possível hoje uma contrarreforma? Também me lembro agora da reforma da Previdência Social do setor privado, aprovada em 2019, com crescimento dos requisitos para a aposentadoria a começar pelo aumento da idade mínima de homens (65 anos) e de mulheres (62 anos), e tempo de contribuição de todo o período trabalhado e não mais de 80% das maiores contribuições, deixando de fora do cálculo as 20% mais baixas.

No momento, a Câmara dos Deputados fala em aprovar o texto da Reforma Tributária até 15 de julho, visando uma simplificação do processo de cobrança de tributos – impostos, contribuições e taxas, mas deixando de fora, para análise no segundo semestre, o imposto sobre a renda e o patrimônio. O que está sendo proposto é o Impostos Sobre Bens e Serviços – IBS , sendo um para o plano Federal, englobando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e outro IBS para os estados a ser composto pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) hoje recolhido pelos municípios. Faltando menos de 20 dias para a data marcada para a aprovação da última versão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), aumentam os questionamentos de setores como serviços, comércio e agronegócio diante do aumento da carga tributária em função das alíquotas estabelecidas.

Segundo um estudo da Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo – CNC, a proposta atual pode resultar em aumento de impostos em diversos setores do comércio e serviços.

Como ficarão os pequenos municípios diante de tudo isso? Cerca de 3.770 municípios (67,7%) possuem população abaixo de 20 mil habitantes e concentram 31,6 milhões de habitantes, o que corresponde a 14,8% da população país.

Como se vê, são muitas as perguntas e questionamentos e o que eu citei aqui é uma pequeníssima amostra desse universo. As variáveis são tão complexas que a previsão é de que toda a Reforma proposta estará totalmente implementada até o ano de 2078.

É o que temos para hoje.

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Decisões médicas conflitantes

por Luis Borges 21 de junho de 2023   Pensata

Na semana passada, tomei conhecimento de dois acidentes surpreendentes que ocorreram com pessoas com quem tenho uma amizade viva que se aproxima de cinco décadas.

O primeiro caso ocorreu na quarta-feira, 14/06, quando a amiga descia uma escada em sua casa. Ela usava chinelos, se desequilibrou e caiu sentada, mas bateu o ombro fortemente na parede lateral. A intensa dor veio imediatamente e o jeito foi procurar o pronto atendimento de um hospital que atende ao seu plano de saúde regido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Vale lembrar que, segundo a agência reguladora e fiscalizadora, cerca de 25% da população do país possui algum tipo de plano de saúde, com variados tipos e limites técnicos.

Após 5 horas no hospital, variados exames de imagem e outros procedimentos pertinentes, o profissional médico que liderou o atendimento concluiu que houve 4 fraturas no ombro direito, mas recomendou um tratamento conservador com duração inicial de 6 meses. Disse que é cirurgião especializado em ombros, que adora fazer cirurgias, mas que esse procedimento não era o recomendado para o caso dela. Ainda assim, ela procurou um segundo especialista, que ratificou o tratamento indicado pelo colega.

Na quinta, 15/06, a outra amiga tropeçou numa pequena saliência na área de serviços do seu apartamento, em fase final de obras, onde será instalado um armário. Ela bateu a cabeça no chão e com impacto maior no lado direito, na parte logo acima do olho. O local ficou bastante roxo, o suficiente para chamar a atenção de pessoas, que querem saber o que aconteceu.
Sentindo dor de cabeça, tendo náuseas e em busca de uma melhor compreensão para os efeitos do acontecido, a amiga procurou imediatamente um hospital próprio do seu plano de saúde, que é da categoria empresarial e tem cobertura máxima para todos os serviços.

Na triagem do início do processo de atendimento, uma jovem profissional médica indicou a necessidade de se fazer alguns exames de imagem, principalmente devido ao fato da cabeça ter batido no chão. Na etapa seguinte do processo, ela foi atendida por um profissional médico mais idoso, especializado em traumatologia, que discordou totalmente da indicação da jovem colega e iniciou um discurso equivocado na forma e no conteúdo. Ele disse à minha amiga que as pessoas procuram médicos por qualquer coisa. Afirmou que no caso dela não valeria a pena se expor à radiação dos exames solicitados pois eles não eram relevantes para o caso.

Em seguida, pediu que ela fizesse alguns movimentos com a cabeça, falou que estava tudo bem e disse num tom de comando que estava lhe dando alta. Nesse instante, entrou na sala um jovem médico com a ficha da próxima pessoa a ser atendida e informando que era um caso de queda. O traumatologista retrucou dizendo que a sua jornada de trabalho estava próxima do fim e bradou para a minha amiga que provavelmente seria mais um caso semelhante ao dela.

Enquanto a cabeça da amiga ainda dói e o roxo do rosto começa a clarear após 5 dias do ocorrido, fico pensando no conflito entre as decisões tomadas no processo de atendimento que ela recebeu no hospital. Será que está em curso uma política de redução de custos por decreto em nome do equilíbrio financeiro do plano de saúde e do seu hospital próprio?

Por que a direção do hospital não consegue fazer um alinhamento entre os profissionais médicos, jovens e mais experientes, segundo o padrão técnico dos processos?

O fato é que todo cliente, ao contratar um plano de saúde, tem como expectativa receber um serviço conforme as características de qualidade especificadas, preço compatível e atendimento civilizado, respeitoso na relação entre o fornecedor e o cliente.

Como se vê, estamos longe da excelência na gestão da saúde, também no setor privado. Que peleja para enfrentar qualquer problema com a nossa saúde!

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Nascimento e Finitude

por Luis Borges 3 de maio de 2023   Pensata

Nasceu Helena no dia 25 de abril. Nesse mesmo dia, há 49 anos, aconteceu a Revolução dos Cravos em Portugal. Primeira filha de Lolô e Pedro, talvez a única para tempos como esses, é neta de Dizinha São José, dos Campos, lá no Estado de São Paulo. Enquanto escrevo ela já está no quarto dia após a luz. Por outro lado, eu que acompanhei a gravidez pelos informativos da avó materna, prima permanentemente querida, fiquei pensando também no fim do caminho, na finitude da vida, na luz que se encerra.

Simultaneamente, um turbilhão de coisas que precisam ser feitas vieram à tona como que a desafiar a gestão do tempo que segue passando. Aliás, tempo que corre como a água do rio ainda perene, mas que não voltará atrás. Se o que passou, passou mesmo, o que ainda falta exige priorização diante do bem cada vez mais escasso que é o próprio tempo. Obviamente que a ausência de critérios não pode ser o critério para definir prioridades. E se, por exemplo, a amplitude for reduzida com a antecipação da finitude diante de uma surpreendente, mas probabilística parada cardiorrespiratória?

A força cortante simplesmente corta e marca o fim de uma caminhada e simultaneamente acontece a passagem para outro plano, com ou sem velório do corpo inerte à espera de uma destinação. Pensando assim percebo como é difícil não só pensar sobre isso, com os próprios botões pensantes, ou mesmo conversar com outras pessoas sobre a finitude e a hora em que ela se dará e com qual nível de qualidade ainda estaremos vivendo. Muitas das vezes a conversa até se inicia, ganha alguns degraus na imaginação de possibilidades e, de repente, alguém sugere que se mude de assunto, pois pensar nisso dá até medo. E não é que o assunto é mudado mesmo!

Talvez alguns dos caros leitores estejam se perguntando por que estou abordando esse assunto agora. Provavelmente alguns até me perguntarão se estou deprimido ou preocupado por estar caminhando para o fim da década da idade marcada pelos anos que começam com 60. Digo com clareza que nenhuma das hipóteses é verdadeira. Meu ponto é provocar, estimular conversas, diálogos e percepções em torno da finitude da vida, inclusive nos encontros presenciais que às vezes até acontecem. Isso muitas vezes nos surpreende, mostrando o despreparo que temos para encarar de frente a realidade como ela se mostra. Que, pelo menos, não sejamos tão surpreendidos diante da sucessão de acontecimentos em variadas velocidades.

Tudo passa também pelo realismo diante das probabilidades sobre o que o futuro poderia vir a ser para nós todos, aí incluídos você e eu.

Mas de nada adiantará as expectativas pelo avanço das pesquisas sobre as células tronco ou da maciça presença da inteligência artificial na transformação digital do modo de ser de cada um de nós.

A finitude da vida é real, pelo menos como a conhecemos. Devemos pensar e agir também em função das variáveis dela advindas.

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Aplicando o senso da utilização

por Luis Borges 25 de abril de 2023   Pensata

No Brasil da década de 90, do século passado, estava em evidência no mundo dos negócios a implantação e implementação da Gestão pela Qualidade Total-GQT, ou seja, para todos os evolvidos nos processos.

Uma pergunta que sempre surgia era sobre como começar. Em muitos casos, tudo acontecia a partir do Programa 5S, com os sensos de utilização, arrumação (ordenação), limpeza, saúde e autodisciplina.

O primeiro senso, o da utilização, nos ensina a selecionar os bens que são usados com mais frequência e que, portanto, devem estar mais próximos. Por outro lado, os bens que não são mais usados e ficam ocupando espaço podem ser doados para quem esteja precisando ou simplesmente descartados num local apropriado. É uma forma de combater o desperdício e remover a energia parada no ambiente.

Isso que é proposto para o mundo dos negócios pode também ser aplicado no cotidiano de nossas residências. Afinal de contas, tudo começa com a gente.

Vou contar aqui um caso que envolve a prática do senso da utilização, inclusive para contrapor a acumulação crescente de bens e a necessidade de se encarar o desapego daquilo que não é mais útil. Muita gente guarda bens em casa na expectativa de que poderá precisar deles um dia, que geralmente quase nunca chega.

Uma advogada de 50 anos, casada, sem filhos, decidiu se mudar do apartamento em que mora há 15 anos. Aproveitou a ocasião para colocar em prática o senso da utilização e abriu mão de alguns móveis e artigos de decoração que não se adequariam no novo apartamento.

No caso das luminárias da sala conjugada com a copa, o interesse espontâneo da então vizinha de apartamento, esteticista, síndica do prédio, 45 anos, casada, duas filhas, facilitou a destinação dos bens.

Quase que imediatamente a síndica providenciou a desmontagem das luminárias e, agradecida, enfatizou que chegaram em boa hora.

A advogada mudou-se do prédio no sábado da mesma semana em que doou as luminárias. Mas logo na manhã da segunda-feira seguinte ela recebeu um telefonema da já ex-vizinha perguntando pela nota fiscal emitida quando da compra das luminárias. A advogada quis entender o porquê. A resposta foi imediata e justificadora. Disse que, mesmo tendo gostado muito das luminárias, resolveu vendê-las para sua irmã e queria ter uma base para estabelecer o preço de venda e as condições de pagamento. Aproveitou também para reclamar da falta de um pequeno componente numa das luminárias, o que poderia desvaloriza-la um pouco.

A advogada lamentou não ter condições de atender a ex-vizinha e despediu-se dela cordialmente, como é da sua natureza. Porém seguiu pensando na Lei de Murici, que preconiza que “cada um cuida de si”. E assim a humanidade prossegue em sua caminhada

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“A vida é arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”, escreveram Baden Powell e Vinícius de Moraes na música Samba da Benção, lançada em 1967.

A lembrança dessa música veio à minha mente após me encontrar com um primo em três velórios consecutivos, de pessoas da família, num curto espaço de tempo – cinco meses. Após nos cumprimentarmos ainda nas proximidades da urna mortuária do Tio querido por todos, durante a última hora do velório, e ainda bem que cheguei a tempo, ele fez, em tom de exclamação, uma sincera constatação.

“Só estamos nos encontrando em velórios de pessoas da família. Precisamos nos encontrar mais em outros momentos e ambientes diferentes desses”.

Passados quase quatro meses da ocasião, ainda não foi possível marcar um encontro espontâneo, por iniciativa de um de nós. Será que outra pessoa terá que se finar para que nos encontremos novamente?

Fico pensando porque isso está acontecendo. Será que a ida a um velório para  participar do ritual de passagem de uma pessoa com quem temos algum laço de convivência é uma obrigação ou conveniência social?

Seremos vistos por quantas pessoas no tempo de permanência no local, ainda mais agora com os velórios tendo um tempo de duração bem menor? E quantas pessoas veremos antes que elas nos vejam?

Fico tentando entender as causas que nos levam a não priorizar na gestão do tempo os encontros presenciais com as pessoas que imaginamos serem nossas amigas. Prevalecem as omissões e o que precisamos é de atos. Infelizmente, faltam iniciativas que poderiam ser de mão dupla ou mesmo única para viabilizar um encontro presencial, cheio de calor humano.

Como todos se esquecem que as amizades precisam de manutenção e de polimento para se manterem disponíveis e serem usufruídas, só nos resta ter um querer maior para vencer a inércia que nos aprisiona.

Será que o encontro presencial aproveitou a pandemia da Covid-19 para quase acabar de vez? Muitas são as evidências de que ele estava minguando bem antes das medidas sanitárias adotadas.

Até quando prosseguiremos nessa toada? Para muitas pessoas é mais fácil reclamar, cobrar dos outros e se vitimizar. Só nos restará o caminho mais curto para a solidão, ancorada nos dispositivos tecnológicos, enquanto caminhamos rumo à finitude.

Ainda assim, acredito na possibilidade de mudanças diante da percepção da falta que sentimos de outras pessoas interagindo nos diferentes níveis do cotidiano.

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