Ser ou não ser, eis a questão

por Convidado 8 de novembro de 2016   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Não é nenhuma novidade dizer que está faltando gentileza no mundo. Talvez essas atitudes egocêntricas que testemunhamos em nosso prédio, no trânsito e estacionamento de qualquer Shopping Center, entre outros locais, sejam efeitos colaterais da desumanização que o homem está desenvolvendo. E, cabe lembrar, com muito orgulho.

Dia desses, estava no trânsito e, como de costume, parei o carro para que um ônibus pudesse fazer uma curva e entrar na rua onde me encontrava. Imediatamente atrás dele se formou uma fila de vários oportunistas – que esperei com toda paciência. Curiosamente, só o motorista do coletivo me agradeceu. Logo que todos passaram, avancei meio quarteirão até a esquina. Lá, uma senhorinha idosa vinha dirigindo seu veículo na direção contrária à minha para entrar na rua perpendicular, exatamente como eu faria. Meu veículo já estava no meio da rua, mas esperei a senhorinha que, de tanta lentidão, fez com que outro carro surgisse. O fato é que, devido à demora da senhora, a condutora do outro veículo aproximou-se de mim e não me poupou. Levei uma bronca com direito a sermão de uma senhora que, provavelmente por tratar-se de uma dessas pessoas que estão acima do bem e do mal, nunca passou num semáforo amarelo e nunca cometeu uma infração de trânsito. Mas a natureza humana é assim mesmo. Eu quis fazer o bem e veja no que deu.

A experiência relatada não é infrequente, pelo menos para mim. Em outra oportunidade, mesmo tendo a preferência, deixei que alguns motoristas mais apressados passassem. Quando, enfim, pude prosseguir, um veículo que saía do estacionamento tentou entrar na minha frente, mas eu já estava com velocidade maior e não tive como ser gentil. Resultado: xingou a pobrezinha da minha mãe.

Mas a falta de gentileza não é o maior problema. Parece que tem muita gente querendo levar vantagem. Faltam educação e respeito. É comum estar parado numa fila de conversão, com sinal, e ver os “espertos” que não entram na fila passarem na frente sem nenhuma cerimônia. Muitas pessoas confundem autoestima com ter auto (de automóvel) caro. São pobres de espírito, se sentem poderosas e se julgam no direito de tomarem a vaga de quem está esperando há 10 ou 15 minutos num supermercado.  Para ilustrar, recentemente um imbecil, revestido de sua grossura, estacionou na bomba de gasolina, fora do lugar e impediu que uma senhora – com o carro já abastecido – pudesse sair do posto. A mulher, com toda delicadeza, alegou que tinha pressa e pediu-lhe que desse uma ré. O “corajoso prepotente”, respondeu-lhe que esperasse, pois não tiraria o carro. E assim ocorreu.

Observando os fatos e recorrendo à antiga frase: “não faça do seu carro uma arma, pois a vítima pode ser você”, nos parece plausível entender o empoderamento que homens e mulheres sentem quando, muitas vezes, por necessidade de autoafirmação, se imaginam superiores e até blindados por estarem no interior de veículos luxuosos. No caso específico do beócio do posto de gasolina, não é difícil entender o porquê de ter violência no trânsito.

Analisando sob a fórmula da causa e do efeito, tudo isso é resultado da corrupção de um país cuja lei está a serviço dos mais poderosos. Um Brasil no qual os menos favorecidos morrem sem remédios e sem atendimento nos hospitais, enquanto governantes desonestos constróem castelos e desviam bilhões de reais. O descaso com a vida alheia e a impunidade nos fazem  reféns de bandidos, de corruptos e de velhacos de toda sorte.

Refletindo sobre nossa situação, assalta-me a mente (no Brasil até a mente é assaltada) a figura de Hamlet, personagem da tragédia de Shakespeare, que diz a famosa frase: “ser ou não ser, eis a questão”. Pois é, caros leitores que me honram com sua leitura, num mundo tão sombrio deparo-me com a mesma dúvida: ser ou não ser gentil, eis a questão.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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