O óbvio faliu

por Convidado 8 de agosto de 2016   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Dia desses fui a Barbacena visitar um amigo que está internado numa casa de saúde para doentes mentais. A doença foi diagnosticada após um desmaio. Quando acordou, falava coisas tão desconexas que alguns médicos chegaram a suspeitar que fosse ele quem escrevia os discursos da Dilma.

Encontrei-o com boa aparência, mas muito repetitivo. Ele dizia frases como “bandido tem medo de polícia”; “quem comete crime vai ser preso”; “quem paga imposto tem a garantia dos serviços básicos de saúde, educação e segurança”; “o governo só pensa em arrecadar, agora inventaram multa para quem não acender os faróis na estrada”.  E quando não falava frases “incoerentes” como essas fazia um movimento repetitivo com o corpo, num ir e vir para a frente e para trás, dizendo “o óbvio faliu, o óbvio faliu”…

Tentei mudar de assunto. Falei sobre as Olimpíadas no Brasil. Mas ele repetia:

– Vergonha! Vergonha! Vergonha! Somos medalha de ouro é na corrupção, no desemprego, no desvio de dinheiro público, em desaparecimento de pessoas. O Brasil é insuperável em criminalidade e corrupção. Nesse quesito é medalha de ouro! Muitos hospitais não têm os remédios básicos, o Brasil é campeão em mortes na fila de espera. Mas o governo tem dinheiro para estádios e prédios olímpicos. Em termos de desonestidade, ninguém supera os brasileiros!

Depois gritou novamente: “o óbvio faliu!”. E insistiu:

– O certo agora é o errado, e o errado é que está certo. Falam em respeito, mas perderam a noção do que significa respeitar o próximo. Temos que respeitar o desrespeito. Já pensou nisso?

E antes que eu respondesse, prosseguiu:

– Se um sujeito quiser entrar nu em uma festa, tem de ser respeitado. Sabia? Nós temos que respeitar isso?Mandei pintar a parte externa da minha casa de verde mas o pichador destruiu minha pintura. Sabe o que ouvi? Que ele é um artista e temos que respeitar a arte dele. Acredita? E eu é que sou doido? Ele não precisa respeitar a minha casa, o meu gosto, o meu prejuízo.

Fiquei pensativo e continuei ouvindo meu amigo defender seus pontos de vista. Naquele momento me lembrei do livro de Machado de Assis, “O Alienista”. Dr. Simão Bacamarte, o protagonista, era um psiquiatra e, no decorrer da trama, acaba por internar toda a cidade, pois percebeu que seus habitantes, coletivamente, tinham sintomas de loucura. No final, estando solitário, resolveu libertar a todos e se internar, pois era o único diferente.

De repente, refletindo sobre as frases de meu amigo, meus pensamentos me revelaram um contexto e me dei conta do risco que corria. Imediatamente abracei-o e me despedi, desejando-lhe pronto restabelecimento. Saí daquele lugar sombrio com muita rapidez. Não contei para ninguém, nem pretendo deixar que percebam, mas, deduzindo, conclui que também estava louco.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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