Belo Horizonte, agosto de 1973

por Luis Borges 10 de agosto de 2016   Pensata

O dia 6 de agosto marcou os 43 anos da minha chegada à cidade de Belo Horizonte, onde moro até hoje. Cheguei em 1973, aos 18 anos e 9 meses de idade e vim em busca do sonho que era fazer um curso de graduação na Universidade Federal de Minas Gerais. Eram condições fundamentais o ensino público gratuito e a assistência estudantil em função dos parâmetros socioeconômicos demonstrados. Vim da capital secreta do mundo, a cidade eterna de Araxá, após ter estudado na vizinha Uberaba a partir de 1971, quando eu tinha 16 anos.

Como dizia o meu finado sogro, o músico araxaense Geraldo Magela – ou “Lalado”, da banda Santa Cecília – “de vez em quando é preciso olhar para trás e contemplar o quanto que se caminhou, mesmo com todas as dificuldades do caminho”. Embalado por esse ensinamento lembrei-me de vários fatos e dados do dia e de alguns aspectos da conjuntura do país na época.

Cheguei ao terminal rodoviário de Belo Horizonte por volta das 13h daquela segunda-feira, num ônibus da Gontijo. Após o desembarque entrei num táxi, que era um fusca amarelo sem o banco do carona, que me conduziu a um casarão na Avenida Bias Fortes número 803, hoje um edifício comercial de 20 andares. Tratava-se de um imóvel alugado por uma senhora viúva, funcionária pública estadual, que morava com um filho adulto e dois irmãos em idade provecta, que tinha na sub-locação de vagas para estudantes um complemento para a renda familiar mensal. Eu ficava no quarto 3 cama 1, ao lado da janela.

Prédio na Av. Bias Fortes 803. Fonte: Google Maps, vista de set/2015.

Prédio na Av. Bias Fortes 803. Fonte: Google Maps, vista de set/2015.

A população de Belo Horizonte, centro da recém-criada Região Metropolitana de 14 municípios, era de 1.235.030 habitantes segundo o recenseamento do IBGE. A magnitude que significava a mudança pode também ser verificada pela população de então 35.676 habitantes de Araxá e pelos 124.490 de Uberaba.

O Brasil vivia a plenitude da Ditadura Militar e dos Anos de Chumbo, com a intensa repressão aos opositores do regime coexistindo com o milagre econômico do então ministro Antônio Delfim Neto, que concentrava a renda em nome do crescimento do bolo que seria repartido num futuro não definido. O Produto Interno Bruto  crescia a uma média de 10% ao ano e a inflação em torno de 20%. Partidos políticos na legalidade eram apenas dois: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), num bipartidarismo decretado pela Ditadura Militar. Na clandestinidade estavam as organizações de esquerda, como a Ação Popular Marxista Leninista (APML), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Quando cheguei já estava informado sobre os cursinhos preparatórios para os vestibulares. Os mais conhecidos eram Pré-Vestibular Pitágoras, Promove, Palomar, Champagnat e o CB-2, no qual me matriculei ainda no dia da chegada. Aproveitando a ida ao CB-2, que ficava no segundo andar de um edifício na Avenida Amazonas esquina de rua Tupis, caminhei até a avenida Afonso Pena. Fiquei bastante impressionado com a extensão e a largura da avenida, a movimentação de veículos e pedestres, a presença de lojas como a Mesbla e a Embrava e com o Parque Municipal, sem cercas em pleno Centro.

Ao voltar para casa vi que os ônibus coletivos tinham seus pontos fixos nas ruas do Centro e que eram gerenciados pela Superintendência Municipal de Transportes (SMT). Como voltei pela praça Raul Soares, vi que lá ficavam o Cine Candelária, o jornal Diário de Minas e a pizzaria Candeia. Após chegar em casa liguei o rádio baixinho, para não incomodar os dois colegas de quarto, e ouvi Raul Seixas cantando a música “Ouro de tolo” na Rádio Mineira. Em seguida o conjunto Secos e Molhados cantou a música “Sangue Latino”, na qual que era imenso o destaque do vocalista Ney Matogrosso. Dormi ouvindo alguns latidos dos dois cachorros de propriedade da dona da casa e alguns miados de seus quatro gatos.

E assim se passou o primeiro dia desses 43 anos de minha vida residindo em Belo Horizonte e, sinceramente, não me lembro se me lembrei que, naquele dia, se completavam 28 anos que os Estados Unidos lançaram uma bomba atômica em  Hiroshima, no Japão, para colocar fim à Segunda Grande Guerra Mundial.

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De vez em quando é bom dar uma parada no tempo presente, que caminha indelével, e buscar na parede da memória algo marcante de um determinado momento.

Foi assim que passei o dia 5 de agosto, com a lembrança viva do mesmo dia, há 50 anos, portanto em 1973, quando cheguei num domingo a Belo Horizonte para morar, estudar, trabalhar, viver.

Eu estava com 18 anos e já tinha vivido 16 anos em Araxá – querida terra natal – e dois anos em Uberaba.

Após enfrentar as perdas irreversíveis decorrentes de um erro médico que me levaram a um glaucoma cortisônico em ambos os olhos, o ponto de inflexão resultou na decisão de prosseguir a vida em Belo Horizonte, de comum acordo com meus pais e apoio deles em todas as dimensões, inclusive a financeira.

Agora que estou a relembrar a chegada a BH, a memória registra mais um dos anos de Chumbo da Ditadura Militar com todos os seus horrores – prisões arbitrárias, torturas, mortes, desaparecimentos de pessoas… A imprensa estava sob censura prévia, bem como os bens culturais produzidos. O milagre econômico brasileiro estava no ápice naquele ano com o Produto Interno Bruto – PIB crescendo 14% e a inflação a 15,6% ao ano.

Meu ponto aqui é lembrar que cada época tem a sua sonoridade musical, e por isso mesmo vou citar 4 músicas, que fizeram muito sucesso em 1973, em meio a tantas outras, que ouvi muito e ainda ouço até hoje, mesmo após 50 anos do surgimento delas. A primeira é Comportamento Geral, música de Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, dizendo que “Você deve notar que não tem mais tutu /E dizer que não está preocupado / Você deve lutar pela xepa da feira / E dizer que está recompensado/ Você deve estampar sempre um ar de alegria / E dizer: tudo tem melhorado / Você deve rezar pelo bem do patrão / E esquecer que está desempregado / Você merece, você merece / Tudo vai bem, tudo legal / Cerveja, samba, e amanhã, Seu Zé / Se acabarem teu carnaval?… Você deve aprender a baixar a cabeça / E dizer sempre muito obrigado / São palavras que ainda te deixam dizer / Por ser homem bem disciplinado”.

 

Também é sempre marcante a música Ouro de Tolo de Raul Seixas, considerada de estilo inovador no panorama da música popular brasileira – MPB. Raulzito instigava as mentes cantando ” É você olhar no espelho / Se sentir um grandessíssimo idiota / Saber que é humano, ridículo, limitado / Que só usa 10% de sua cabeça animal / E você ainda acredita / Que é um doutor, padre ou policial / Que está contribuindo com sua parte / Para o nosso belo quadro social / Eu é que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada, cheia de dentes / Esperando a morte chegar / Porque longe das cercas embandeiradas / Que separam quintais / No cume calmo do meu olho que vê / Assenta a sombra sonora dum disco voador”.

 

Duas músicas do grupo Secos e Molhados, cantadas por Ney Matogrosso, completam minha lista. Uma é Sangue latino, música de Joao Ricardo e Paulo Roberto dizendo que “Jurei mentiras e sigo sozinho / Assumo os pecados / Os ventos do norte não movem moinhos… Rompi tratados, traí os ritos / Quebrei a lança, lancei no espaço / Um grito, um desabafo / E o que me importa é não estar vencido / Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos / Meu sangue latino / Minh’alma cativa”.

 

A outra é Rosa de Hiroshima de Gerson Conrad e Vinícius de Moraes entoando que “Pensem nas crianças mudas, telepáticas / Pensem nas meninas cegas, inexatas / Pensem nas mulheres, rotas alteradas / Pensem nas feridas como rosas cálidas / Mas, oh, não se esqueçam da rosa, da rosa / Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária / A rosa radioativa, estúpida e inválida / A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica / Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada” e assim vou mantendo um pequeníssimo registro na parede da memória musical que já tem 50 anos (1973 – 2023…) em Belo Horizonte.

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Celebrar Belo Horizonte

por Luis Borges 13 de dezembro de 2016   Pensata

Ao celebrar nesse 12 de dezembro o 119º aniversário de Belo Horizonte meu primeiro ato foi lembrar-me que aqui cheguei quando a cidade estava na plenitude de seus 75 anos, em agosto de 1973. Crescer e me desenvolver na cidade – que também cresceu muito em diversos sentidos – fez e continua fazendo parte do meu viver. Enquanto caminho, buscando fazer da aprendizagem um elemento fundamental para a aquisição de uma sábia maturidade num tempo que é finito, sinto como é importante a contribuição da cidade na geração de melhores condições de vida para os cidadãos.

E aqui começa meu segundo ato tradicional de aniversário – a reflexão para contribuir no levantamento e priorização dos problemas que precisam ser resolvidos, buscando a permanente melhoria contínua. Não se trata apenas de reclamar ou jogar tudo nos ombros dos eleitos para fazer a gestão da cidade. O sentido é o de se reforçar mecanismos para a implementação e fortalecimento da democracia participativa. Tenho a certeza que muitas coisas ruins que hoje são criticadas tiveram seu florescimento facilitado pela omissão e conivência de muita gente boa.

É importante querer encontrar e usar, de maneira civilizada, todos os meios possíveis para endereçar nossas observações e propostas para a solução dos problemas identificados. E também, é claro, sugestões de inovações que podem ir do redesenho de um processo existente até a apresentação de uma nova tecnologia.

Só para ilustrar o que estou propondo, gostaria de lembrar ao próximo prefeito da cidade que não dá para fazer uma gestão sem planejamento estratégico e muito menos sem o reposicionamento estratégico, que devem estar alinhados com um orçamento real, fundamentado em premissas sustentáveis e com muita consistência, com lastro em fatos e dados. Quem olha o orçamento da Prefeitura nos últimos 15 anos vê que sempre houve uma diferença de até 20% para menos entre o valor orçado e o que foi efetivamente realizado. Neste ano de 2016 sonhava-se com uma arrecadação de R$12,7 bilhões e a linha da meta mostra que tudo não passará dos R$9,5 bilhões. O que falar ou que justificativa dar diante de tamanha discrepância?

Meu terceiro ato é dar uma pausa na minha lista e cantar parabéns para Belo Horizonte, desejando que a cidade prossiga sendo um ótimo lugar para se viver, na certeza de que nada é tão bom que não possa ser melhorado e que tudo também depende de nós.

Uma amostra do Belo Horizonte. | Foto: Marina Borges

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De volta a Campinas

por Luis Borges 21 de outubro de 2019   Pensata

Estive na cidade de Campinas (SP) durante o feriado nacional de 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Nesse dia aconteceu mais um encontro de membros da família Magela, cuja base fica na cidade de Araxá (MG). Dessa vez o encontro ocorreu na residência de meu sobrinho Fernando Henrique, o “Difê”, e de sua esposa Dayane. Foi simplesmente memorável para todos que se fizeram presentes.

Por outro lado esse encontro me fez lembrar inevitavelmente alguns detalhes que marcaram a minha primeira ida à cidade no já longínquo janeiro de 1973, portanto há quase 47 anos. A população da cidade era estimada em 400 mil habitantes e de lá para cá simplesmente triplicou. Cheguei a Campinas pela dor, em busca de alguma solução para os problemas que já vinha enfrentando em Uberaba (MG) decorrentes de um glaucoma cortisônico em ambos os olhos, diagnosticado seis meses antes. A pressão intraocular estava muito elevada, totalmente descontrolada em decorrência da ação nada cuidadosa de um médico oftalmologista que nunca se preocupou com os efeitos colaterais do uso de medicamentos contendo corticoides durante um ano e meio. Minha participação no vestibular de medicina em Uberaba, no início de janeiro, ficou bastante comprometida e a ficha de número 15.005 contendo meu prontuário médico simplesmente desapareceu do consultório do profissional que acompanhava meu caso, que se iniciou com uma alergia persistente. Eu era um paciente, que é diferente de cliente, e como tal seguia sem questionamentos todas as prescrições do médico especialista e catedrático da oftalmologia.

Em Campinas, fui atendido no Instituto Penido Burnier, referência no tratamento de doenças nos olhos, onde compareci mensalmente até o mês de julho. No início de agosto passei a residir em Belo Horizonte, com a indicação para que meu caso fosse acompanhado pela equipe do Hospital São Geraldo, especializado no tratamento dos olhos, anexo ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFMG.

Ao longo desses quase 47 anos que já se passaram em meu curso de vida voltei a Campinas diversas vezes. Foram atividades profissionais de consultoria em gestão estratégica de negócios, aulas no curso de pós-graduação em gestão de negócios da academia do grupo Accor e em seminários na Universidade de Campinas. Também passei diversas vezes pelo Aeroporto Internacional de Viracopos, dentro da logística, por exemplo, para chegar à cidade de Paulínia (SP) ou voltando em voos diretos de Fortaleza (CE) para fazer conexões rumo a Belo Horizonte.

Desta vez aproveitei a ida à cidade para visitar Castor e Raquel, visando polir uma amizade que nasceu na militância política de esquerda no movimento estudantil universitário na segunda metade da década de 70 do século passado. Como de outras vezes voltei a encontrá-los, o que foi muito bom por ter sido mais uma vez ao vivo e, como sempre, não faltaram reminiscências de tempos que já se passaram. Vale a pena registrar que atualmente o amigo Castor continua firme em seu ativismo político-partidário e é conhecido em seu bairro como “o comunista de chapéu”.

Como dizia meu finado sogro Geraldo (Lalado) Magela de vez em quando é importante dar uma olhada para trás e verificar o quanto já andamos e como fizemos correções no rumo de nossas vidas devido aos desafios que foram surgindo. Assim, segundo ele, renovamos nossas energias e nos fortalecemos para melhor prosseguir rumo ao futuro que chega a cada instante.

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Cheguei a Belo Horizonte em 6 de agosto de 1973 como já contei aqui no blog. Alguns dias depois, num feriado de 15 de agosto como hoje, fui visitar e conhecer pela primeira vez a Praça da Liberdade, um dos grandes símbolos da cidade de Belo Horizonte.

Agora já se passaram 44 anos e a praça prossegue sempre marcante por tudo o que nos pode proporcionar. Aliás, naquele dia eu nem imaginava que uma década depois eu estaria trabalhando na Praça, na esquina com a Rua Gonçalves Dias, onde funcionava a sede da Copasa, no prédio da Secretaria Estadual de Obras.

A preservação e manutenção da Praça e seu entorno deveriam ser parte fundamental do compromisso e da ação de todos em prol da sustentabilidade desse patrimônio da cidade que a todos beneficia de uma maneira ou de outra. Se em 1991 foi um grande alívio a mudança da Feira de Artesanato da Praça da Liberdade para a Avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte, sempre é preciso lembrar que a vigilância deve ser permanente e em todos os sentidos. Não podemos descuidar em meio a tantos contrastes que podem passar despercebidos em alguns momentos de pouca atenção aos detalhes.

Um bom exemplo pode ser visto nas fotografias deste post, que foram feitas dias atrás na plenitude do nosso inverno. A beleza dos ipês roxos é um convite à nossa contemplação e admiração, mas não podemos deixar de registrar o lixo que se acumula entre as hortênsias, que estão bastante maltratadas, ou a falta de grama nos canteiros neste tempo seco. Se a Praça da Liberdade já tem 120 anos é preciso sempre lembrar que nós e ela podemos muito mais. O que depende só de nós.

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