Há 50 anos morando em Belo Horizonte

por Luis Borges 15 de agosto de 2023   Pensata

De vez em quando é bom dar uma parada no tempo presente, que caminha indelével, e buscar na parede da memória algo marcante de um determinado momento.

Foi assim que passei o dia 5 de agosto, com a lembrança viva do mesmo dia, há 50 anos, portanto em 1973, quando cheguei num domingo a Belo Horizonte para morar, estudar, trabalhar, viver.

Eu estava com 18 anos e já tinha vivido 16 anos em Araxá – querida terra natal – e dois anos em Uberaba.

Após enfrentar as perdas irreversíveis decorrentes de um erro médico que me levaram a um glaucoma cortisônico em ambos os olhos, o ponto de inflexão resultou na decisão de prosseguir a vida em Belo Horizonte, de comum acordo com meus pais e apoio deles em todas as dimensões, inclusive a financeira.

Agora que estou a relembrar a chegada a BH, a memória registra mais um dos anos de Chumbo da Ditadura Militar com todos os seus horrores – prisões arbitrárias, torturas, mortes, desaparecimentos de pessoas… A imprensa estava sob censura prévia, bem como os bens culturais produzidos. O milagre econômico brasileiro estava no ápice naquele ano com o Produto Interno Bruto – PIB crescendo 14% e a inflação a 15,6% ao ano.

Meu ponto aqui é lembrar que cada época tem a sua sonoridade musical, e por isso mesmo vou citar 4 músicas, que fizeram muito sucesso em 1973, em meio a tantas outras, que ouvi muito e ainda ouço até hoje, mesmo após 50 anos do surgimento delas. A primeira é Comportamento Geral, música de Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, dizendo que “Você deve notar que não tem mais tutu /E dizer que não está preocupado / Você deve lutar pela xepa da feira / E dizer que está recompensado/ Você deve estampar sempre um ar de alegria / E dizer: tudo tem melhorado / Você deve rezar pelo bem do patrão / E esquecer que está desempregado / Você merece, você merece / Tudo vai bem, tudo legal / Cerveja, samba, e amanhã, Seu Zé / Se acabarem teu carnaval?… Você deve aprender a baixar a cabeça / E dizer sempre muito obrigado / São palavras que ainda te deixam dizer / Por ser homem bem disciplinado”.

 

Também é sempre marcante a música Ouro de Tolo de Raul Seixas, considerada de estilo inovador no panorama da música popular brasileira – MPB. Raulzito instigava as mentes cantando ” É você olhar no espelho / Se sentir um grandessíssimo idiota / Saber que é humano, ridículo, limitado / Que só usa 10% de sua cabeça animal / E você ainda acredita / Que é um doutor, padre ou policial / Que está contribuindo com sua parte / Para o nosso belo quadro social / Eu é que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada, cheia de dentes / Esperando a morte chegar / Porque longe das cercas embandeiradas / Que separam quintais / No cume calmo do meu olho que vê / Assenta a sombra sonora dum disco voador”.

 

Duas músicas do grupo Secos e Molhados, cantadas por Ney Matogrosso, completam minha lista. Uma é Sangue latino, música de Joao Ricardo e Paulo Roberto dizendo que “Jurei mentiras e sigo sozinho / Assumo os pecados / Os ventos do norte não movem moinhos… Rompi tratados, traí os ritos / Quebrei a lança, lancei no espaço / Um grito, um desabafo / E o que me importa é não estar vencido / Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos / Meu sangue latino / Minh’alma cativa”.

 

A outra é Rosa de Hiroshima de Gerson Conrad e Vinícius de Moraes entoando que “Pensem nas crianças mudas, telepáticas / Pensem nas meninas cegas, inexatas / Pensem nas mulheres, rotas alteradas / Pensem nas feridas como rosas cálidas / Mas, oh, não se esqueçam da rosa, da rosa / Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária / A rosa radioativa, estúpida e inválida / A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica / Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada” e assim vou mantendo um pequeníssimo registro na parede da memória musical que já tem 50 anos (1973 – 2023…) em Belo Horizonte.

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