Atende pelo plano mas cobra por fora

por Luis Borges 29 de junho de 2018   Pensata

Uma pedagoga aposentada, 61 anos de idade, que se considera uma pessoa bastante atenta aos sinais começou a sentir uma leve dor na coxa de sua perna esquerda no início do mês de dezembro do ano passado. As dores persistiram e foram aumentando aos poucos, até mesmo durante pequenas caminhadas. Enquanto isso transcorreram-se o Natal, o Ano Novo e o Carnaval. Na Quarta-Feira de Cinzas, já bastante incomodada com o desconforto da dor, a pedagoga resolveu consultar um médico de clínica geral, que a encaminhou para uma consulta imediata com um especialista em artérias.

Por coincidência, sorte ou capacidade de processo de seu plano de saúde da modalidade empresarial – de cobertura ampla e enfermaria para casos de internação – a consulta com o especialista foi marcada para a semana seguinte. O profissional solicitou a realização de diversos exames laboratoriais e de imagem para apoia-lo em seu diagnóstico, todos cobertos pelo plano de saúde. Na consulta seguinte, que foi a segunda, o médico analisou todos os exames e seu diagnóstico foi de que a dor se devia a uma importante obstrução arterial na região investigada. O seu prognóstico foi de cirurgia, com o uso de tecnologia específica para corrigir o problema. A pedagoga acatou o diagnóstico e prognóstico e perguntou ao especialista quais seriam os próximos passos. Foi aí que ele fez as guias solicitando ao plano de saúde as autorizações para os exames de risco cirúrgico e dos custos de todas as etapas do processo. Também receitou o uso de um medicamento para atenuar dores, mas que não devia ser usado indefinidamente, pois não substitui a cirurgia.

Após tudo pronto e em conformidade com as regras contratuais do plano de saúde a pedagoga voltou ao especialista em meados do mês de maio para agendar a data de realização da cirurgia. Nos encaminhamentos finais da consulta o especialista ensaiou fazer uma verificação em sua agenda para fazer a marcação no início de junho, mas parou subitamente dizendo que precisava esclarecer um detalhe ainda não abordado. Então ele disse à paciente – ou seria cliente? – que o plano de saúde não remunera seus serviços pelo valor que eles realmente tem e, por isso, ele precisa cobrar por fora um complemento de 7 mil reais. Prosseguiu dizendo que a cirurgia poderia ser feita também por outros colegas e que a decisão não precisava ser tomada de imediato, já que era possível esperar 60 dias pelo menos.

Recuperando-se do susto trazido pela surpresa dos últimos minutos a pedagoga perguntou ao especialista se o plano de saúde sabia da remuneração adicional. Ele disse que não, mas que essa é uma luta dos profissionais que anseiam por uma remuneração melhor. Terminou dizendo que poderia dividir o adicional em 5 parcelas fixas de R$1.400,00 sem a emissão de recibos e que a primeira parcela deveria ser paga no dia da alta hospitalar. Mais fragilizada do que estava ficou a pedagoga, que acabou por pedir ao profissional um tempo para pensar, pois 7 mil não brotam do asfalto, principalmente para uma aposentada do serviço público estadual.

Após muitas conversas em família a decisão acabou sendo a de sucumbir às condições do especialista, mas ficou claro que ele se utiliza do plano para captar clientes, aproveitar seus serviços de apoio ao diagnóstico, bloco cirúrgico, serviços de hotelaria e honorários próprios – ainda que em valores bem abaixo de suas expectativas. Feita a cirurgia, ficou a evidência de como essa cadeia produtiva funciona e também de como não funciona a Agência Nacional de Saúde Suplementar, cuja missão é regular e fiscalizar os serviços de quem opera planos de saúde.

Quais são os valores éticos que regulam as relações das partes envolvidas nessas cadeias produtivas? Ou ética é só para os outros, a começar pelos agentes públicos?

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