Primeiro a empresa deixou vazar na rádio corredor que seus principais clientes estavam atrasando os pagamentos, porque também não estavam recebendo em dia. Rapidamente cresceu o discurso pela necessária e obrigatória redução de custos, a começar pelo cafezinho, passando por água, energia elétrica e redimensionamento da estrutura organizacional. Depois veio a lista das pessoas que seriam cortadas para garantir a continuidade do negócio em bases menores na nova conjuntura econômica. Daí para a demissão fria, rápida e em massa, acaba sendo apenas mais um ligeiro passo, com o discurso de que os direitos sociais serão assegurados e viabilizados dentro das possibilidades. O que acabo de descrever não está longe da realidade de muita gente que perdeu o trabalho ao longo desses meses de declínio econômico e muita disputa política e partidária.
Uma característica bastante frequente em diversos segmentos da economia que estão demitindo é o desrespeito à condição e à dignidade humana, mesmo presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma prática cujo padrão tem ganhado adeptos recomenda que, num ato de traição, o empregado seja retirado do seu local de trabalho mediante algum pretexto, que lhe é passado de maneira bastante incisiva. A sentença pode ser comunicada numa sala específica. Isso para não falar em práticas mais ousadas, quando se conduz os empregados para um cadafalso em espaço fora da empresa e até mesmo na sua própria calçada. O fato é que o empregado sequer tem o direito de retornar ao seu antigo posto para pegar os seus pertences.
Nesse momento fico pensando naqueles que têm a função de fazer a gestão de pessoas ou dos recursos humanos ou qualquer outra denominação que se queira dar. Muitos até se envergonham de seus papéis e se justificam perante os ex-colegas dizendo que são “os ossos do ofício”. Outros simplesmente executam o que precisa ser executado, de novo em nome da sobrevivência, da mesma forma que o cirurgião faz a cirurgia ou o torturador tortura o seu torturado. Fica clara a falta do preparo de muitos para enfrentar situações como essas. Falta gestão estruturada e sobra discurso dizendo que as pessoas são essenciais ao processo de trabalho, mesmo sem nunca saber que perfil foi buscado ou como seu desempenho era avaliado. Isso vale inclusive para o chefe ou gestor imediato do empregado em seu setor de trabalho, que nessas horas terceiriza tudo para “o pessoal do RH”.
Com tanto desrespeito, imagine o clima que reinará no local de trabalho entre os empregados não demitidos! Eles também poderão querer entender por que ficaram, se houve algum critério ou se poderão fazer parte da próxima lista. Nos tempos do modismo da reengenharia, que queria cortar custos de todas as maneiras, também vivia-se algo semelhante em termos de clima organizacional.
Para quem saiu fica a mágoa pela forma desrespeitosa como tudo foi feito, a vontade expressa de reclamar os direitos sociais na Justiça do Trabalho e falar mal da empresa pelos quatro cantos do mundo, no cara a cara e nas redes sociais.
Espero, caro leitor, que você ainda não tenha enfrentado uma situação como essa, mas nenhum de nós está livre de viver o risco de ser tão desrespeitado ou mesmo de se ver obrigado a desrespeitar alguém dessa forma, mesmo não concordando. Ainda estamos longe da excelência, apesar da crença nas pessoas.