por Igor Costoli
Nunca me preocupei muito com Jair Bolsonaro porque, para mim, sempre esteve muito clara sua semelhança com a Mulher Melancia. Não se engane, o deputado e a subcelebridade têm muito em comum.
Para começar a fazer sentido, falemos de Andressa Soares, que se apresenta como dançarina, cantora e modelo. Despontou em 2008 na esteira do funk “Dança do Créu” (felizes os que não sabem do que estou falando), ano em que estampou pelo menos três capas da Playboy. O nome artístico Melancia tem relação com suas medidas avantajadas (à época, 121 cm de quadril).
Andressa Soares. / Foto: Extraída do Facebook oficial.
Agora, leitor, acompanhe este raciocínio. Você certamente já abriu o jornal ou acessou portais de notícia e encontrou notícias irrelevantes sobre gente que mal sabe quem é. Mais do que isso, você provavelmente já se perguntou: que fazem essas pessoas? Por que são famosas?
Esse é o ponto interessante – a subcelebridade é uma pessoa famosa que vive do fato de ser famosa. Isso mesmo. Sua notoriedade não é uma consequência, é um fim em si mesmo.
Andressa Soares é modelo, canta e dança uma música que não interessa a você, nem à maioria das pessoas. Aliás, muitas das notícias sobre ela são deboches. Coisas banais como ir à academia e fazer compras, e manchetes risíveis como “Depois de Mulher Maçã, Melancia é a nova fã de ‘Esteve Jobs’”. Contudo, o personagem Mulher Melancia faz rodar uma engrenagem que vive do clique dado no link da matéria.
Não importa se as pessoas acessaram porque são fãs ou para ridicularizar Andressa. O ponto é que o clique do leitor interessa tanto a ela quanto ao portal. Não importa que milhões sejam indiferentes ou detestem o trabalho da Mulher Melancia. O ponto é que essa rejeição expõe Andressa, atraindo convites comerciais e ajudando a encontrar as pessoas que pagam pelos seus shows.
A alma do negócio
“Falem mal, mas falem de mim” é um mantra que sustenta essa mídia de forma direta, e que amplia público e valoriza cachês da Mulher Melancia indiretamente. Se funciona? De agosto de 2011 para cá, apenas o Ego (um dos maiores sites nacionais de celebridades) registra 302 conteúdos diferentes citando Mulher Melancia. Parece que todos saem ganhando, exceto a qualidade de conteúdo.
O que nos leva de volta a Bolsonaro. Sem recorrer à pesquisa na internet, creio ser improvável alguém dizer um projeto de sua autoria ou mesmo reconhecê-lo pela relevância de sua atuação legislativa.
Contudo, ele é bom em confusões e no uso inadequado da imunidade parlamentar. O princípio, criado para proteger deputados de perseguição por suas convicções políticas, é frequentemente usado pelo ex-militar para ofender outros deputados e defender ideias que já foram legalmente abandonadas em quase todas as democracias evoluídas.
Apesar de se apresentar como um representante dos militares, o capitão da reserva não conta com a simpatia do alto escalão do Exército. Foi preso nos anos 80 por liderar reivindicações por melhores salários, e terminou aposentado às pressas enquanto era investigado por ter elaborado um plano para explodir quartéis em protesto. Como deputado, quase perdeu seu mandato por discursar na Câmara pedindo o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Isso faz dele ainda mais eficiente que a Mulher Melancia na estratégia de atenção negativa. Matérias com suas polêmicas atraem cliques de pessoas horrorizadas com a postura do deputado, e são compartilhadas na casa das dezenas de milhares com declarações de repúdio.
O ponto é que suas ideias encontram eco com ajuda dessa divulgação. Se a Mulher Melancia precisa dos cliques para receber convites para shows, Bolsonaro precisa dos cliques para receber eleitores. Ambos são semelhantes porque são notórios apenas pela própria notoriedade.
A música que Andressa Soares faz não tem alcance nacional, nem tende a representar algo para a história do país. Do mesmo modo, as conexões de Bolsonaro com o primeiro escalão político são fracas. Sua popularidade não vale o risco da rejeição que atrai. O motivo pelo qual não é punido por suas declarações provavelmente é o mesmo porque muitas pessoas sequer sabem que ele já apresentou na Câmara um pedido de impeachment da presidente Dilma: porque ele não é levado a sério.
Jair Bolsonaro / Foto: Retirada do Facebook oficial
Cavalo de Tróia
E assim eu segui, por muito tempo, sem dar atenção ao que o deputado diz ou faz, também para não aumentar sua força acidentalmente. Minha opinião mudou com a divulgação da lista de Janot.
O “destaque” no rol de investigados na Operação Lava Jato é o Partido Progressista. Descendente direto da Arena, que dava sustentação política ao governo militar no país após 1964, o PP encabeça mais da metade da lista. Na delação premiada, o doleiro Alberto Youssef chegou a dizer que havia uma “tabela de preços” de propina e que os membros do partido brigavam por ela.
Mas a grande curiosidade foi levantada pelo portal Vice: dos 18 deputados federais do PP investigados na Lava Jato, apenas Eduardo da Fonte se elegeu sozinho, ou seja, com os próprios votos. Os outros 17 integrantes se beneficiaram de votos excedentes da legenda, que tem seu maior expoente em … Jair Bolsonaro.
Deputado federal mais votado no Rio, Bolsonaro recebeu 464 mil votos, quatro vezes mais que o necessário para garantir uma vaga. O sistema político atual faz com que os votos sejam contados também de forma coletiva, o tal coeficiente eleitoral, distribuindo votos excedentes dentro das coligações. É por isso que todo partido abraça sem qualquer vergonha os chamados “candidatos bizarros”, pelo seu potencial imprevisível para atrair multidões.
Por isso, pela primeira vez percebi a postura de Bolsonaro não apenas como uma estratégia de sobrevivência pessoal. Bolsonaro é uma peça fundamental para que 17 investigados por corrupção na Petrobras tenham hoje uma cadeira na Câmara e foro privilegiado.
Estamos falando de políticos com cada vez menos eleitores a quem deveriam prestar contas diretamente, a quem deveriam respeitar. Será que a população está sendo bem representada quando os vitoriosos são candidatos sem maioria simples de votos?
Pois assim eles seguem, conquistando mandatos em Brasília e em todo o país na carona de homens como Tiririca e Bolsonaro. Dois candidatos que, enfim, passo a considerar problemáticos: porque possuem a capacidade de eleger não sabemos quem.
Igor Costoli é jornalista e radialista de formação e atleticano de coração. É produtor e apresentador do Programa Invasões Bárbaras, na Rádio UFMG Educativa.