Sem ação

por Luis Borges 6 de maio de 2015   Pensata

Na última quinta-feira, véspera do Dia do Trabalhador, uma operadora do Direito de 53 anos se viu sem ação por duas vezes num curto intervalo de tempo.

Com algumas demandas a resolver, ela se dirigiu a um hipermercado que também conta com lojas de conveniência. Entrou em uma delas para comprar um perfume. Era a única cliente da loja, foi atendida por uma vendedora e notou que outra moça aguardava no caixa pelo momento do pagamento.

De repente, um rapaz alto e forte invadiu a loja, como um felino, e determinou agressivamente que as três mulheres ficassem quietas. Diante do susto o medo tomou conta delas, que ficaram paralisadas como estátuas, sem ação. Ainda assim, deu tempo de pensar em Deus e torcer por um desfecho de sorte. O rapaz falava enfaticamente, levaria os perfumes que queria de qualquer maneira, ao mesmo tempo em que sugeria estar armado. Demonstrando muito foco e rapidez, ele agiu em poucos minutos e deixou o local em desabalada carreira rua abaixo, enquanto a vendedora balbuciava os primeiros gritos de socorro.

Antes sem ação, as mulheres foram se refazendo da paralisia e retomando os movimentos. A cliente concluiu sua compra com a bolsa intacta e a vendedora afirmou ser aquele o segundo roubo feito pelo rapaz na loja. Acionado pela funcionária do caixa, o gerente da loja mandou computar o prejuízo e dispensou o registro do caso em Boletim de Ocorrência, demonstrando desalento com o tipo de situação.

Acreditando-se refeita do susto, a operadora do Direito entrou no espaço do supermercado para fazer algumas compras. Reuniu rapidamente os itens e caminhou para a área dos caixas. Eram poucos os que funcionavam, então apostou num daqueles para pessoas que compraram um número determinado de volumes. A fila não andava. Contou e viu que era a sexta pessoa na espera. O problema que empacava a fila era uma divergência nos preços de uma cerveja em promoção.

Atrás da advogada, chegou uma senhora de uns 60 anos, com poucos volumes numa cestinha, que começou a pressioná-la, de graça. Foi quando, de novo, a advogada se viu sem ação. Primeiro a senhora se insinuou para passar à frente na fila que estava parada. Quando finalmente as pessoas começaram a andar, a senhorinha resolveu ficar no seu lugar, mas começou questionar as compras feitas pela advogada. Questionou a escolha das marcas. Não satisfeita, quis saber da vizinha de fila se poderia ganhar uma carona até o bairro Planalto. Informada, com poucas palavras, que a advogada morava em outro bairro, a insistente senhorinha continuou tentando invadir a privacidade da compradora, questionando por qual razão ela não fazia suas compras no próprio bairro.

A advogada resolveu parar de responder. Mesmo sem receber mais explicações e já impaciente, a senhorinha ainda questionou o valor das compras registrado no visor do caixa ao mesmo tempo em que tentava ver a senha do cartão sendo digitada.

E assim a operadora do Direito deixou o ambiente, tão aliviada por ter se livrado de pessoa extremamente amolativa que até se esqueceu do roubo na loja de perfumes. Depois de se ver sem ação por duas vezes no mesmo dia, a advogada concluiu que está muito difícil viver e que são muitos os perigos dessa vida, também nos supermercados.

Por fim, decidiu que vai comprar mesmo é no supermercado em que já se abastece. Lá quem fica atrás na fila do caixa às vezes olha a senha, às vezes dá um jeito de ir enfiando as compras na esteira mesmo antes da pessoa da frente passar. Mas, pelo menos, ninguém questiona o que está sendo comprado, o valor ou a forma de pagamento.

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