O desencanto precoce do professor

por Luis Borges 16 de fevereiro de 2018   Pensata

Um engenheiro civil, especializado em segurança no trabalho, sonhava em se tornar professor da matéria desde os tempos em que era aluno do curso técnico de edificações numa instituição federal de ensino superior. Entre o feijão e o sonho ele acabou optando pelo feijão e começou a trabalhar como técnico de nível médio aos 18 anos e como engenheiro a partir dos 23. Foi assim durante 38 anos, até se aposentar pelo INSS em dezembro de 2015. Após um pequeno tempo no ócio da aposentadoria ele começou a se preparar para buscar o sonho – ser professor de curso técnico de segurança no trabalho, na modalidade pós-médio, onde os alunos cursam durante um ano e meio as matérias técnicas após terem concluído os 3 anos do ensino médio.

Um ano após a aposentadoria lá estava ele entrando em sala de aula, cheio de energia e muito brilho nos olhos para realizar um sonho acalentado por décadas. Não demorou muito tempo para que ficasse intrigado com a apatia da maior parte dos alunos. Ela se manifestava tanto na sala de aula como em atividades extra-classe, do tipo visitas técnicas a empresas e feiras temáticas – geralmente aos sábados já que o curso era noturno numa escola privada.

Mesmo tendo muito conhecimento, experiência e domínio sobre o assunto das três matérias que ministrou, o professor passou o ano de estreia tentando entender as causas da postura de seus alunos. Às vezes imaginava que ele próprio seria uma causa importante, pois poderia não estar conseguindo transmitir bem os conteúdos programáticos estabelecidos. Suas aulas sempre foram preparadas a partir dos fundamentos, conceitos, aplicação para solucionar problemas e resultados alcançados. Por outro lado, pensava também nas condições dos alunos fazendo um curso noturno, após um dia de trabalho diurno para os que estavam empregados ou mesmo nas expectativas de quem continuava sem trabalho. Pensava também como nos dias de hoje um professor deve se reinventar para segurar um aluno em sala de aula, prestando atenção em tudo o que está sendo mostrado usando dispositivos tecnológicos nem sempre tão atualizados. O professor constatou também que os alunos utilizavam dispositivos tecnológicos de ultima geração e era para eles que voltavam a atenção na maior parte do tempo. Acabou por concluir que o celular passou a ser praticamente um apêndice do corpo humano, que na sala de aula era colocado debaixo da carteira para ser monitorado constantemente no processo de receber e enviar mensagens, ainda que tentasse pedir aos alunos que mantivessem seus aparelhos desligados.

Após a metade do ano a evasão de alunos chegou a 30% e o diretor proprietário da escola começou a falar com todos os professores que “não podemos perder mais nenhum aluno”. Aí ficou claro que a diretriz estratégica era apenas uma – a de salvar o negócio. Nessa altura a qualidade do ensino e a aprendizagem ficaram num plano secundário e a duras penas o ano letivo chegou ao fim, com o índice de evasão de alunos inalterado e todos aprovados nas três disciplinas ministradas.

Desencantado o professor desistiu precocemente da sua tão sonhada nobre missão e se demitiu da escola apesar de já estar escalado para dar aulas na turma que começará o curso em março de 2018. Para ele, a sua expectativa foi maior que a realidade e a qualidade atrativa da sala de aula está bem menor que a do mundo lá fora.

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O carteiro

por Convidado 13 de fevereiro de 2018   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Li, outro dia, que em 25 de janeiro foi comemorado o Dia do Carteiro. Fiquei pensando naqueles profissionais e em sua luta diária. Lembrei-me de meu saudoso avô, Higino Marchetti, homem sério e íntegro, que na sua juventude andou pelas ladeiras de Barbacena levando cartas de um lado para outro. Também me veio à mente “O Carteiro e o Poeta”, filme lindo que retrata, na Itália, um período da vida do fabuloso Pablo Neruda.

Há mais tempo escrevi algo que não me atrevo a chamar de poema, mas nasceu de uma reflexão sobre essa profissão que é tão importante, apesar dos novos hábitos do mundo. Aí vão as palavras, caríssimos leitores, para que possam ser lidas e apreciadas, caso mereçam.

O carteiro

Que notícias me trazes?

É de prazer ou de dor?

O carteiro chegou trazendo cartas de amor!

Que contraste, que incoerência imensa

Com o mundo moderno das redes.

Pelas telas da internet o amor é virtual,

E o mensageiro, pedestre, percorre o itinerário

Ganhando um parco salário.

Sem trégua, na chuva ou no sol,

É mensageiro sem transporte, de um caminhar sem igual.

Entrega uma carta - uma notícia fatal;

Documentos importantes, um cartão de natal.

Traz alegrias... e tristezas também.

Operário circulante de um cansativo vai e vem.

- Maldito, quando dá notícia de morte,

- Bendito, quando traz a certeza do bem.

Às vezes mensageiro da sorte,

Mas qual a sorte que ele tem?

É alvo de cães de melhor destino.

- Homem-pombo-correio!

Que conhece as ruas na palma da mão.

Trabalhador sem anseio, recordista de caminhadas;

Que luta no dia-a-dia, num país mercenário,

Pelo pão que, a cada momento,

Se torna mais ordinário.

Atravessa as ruas da globalização,

E sem saber que está obsoleto, carrega a nova informação.

Circulante que leva palavras

De muitas pessoas sem palavras;

Não navega na rede,

Nem trafega num trânsito cruel.

Parece não ter sede

Nem perceber sua vida de fel.

- O carteiro chegou!

E as contas aumentaram!

Através da grade assinam a correspondência,

É o medo... os ladrões também aumentaram.

Mas andam livres e armados.

-“Tudo vai mudar”!

Dizem os otimistas, medrosos da realidade.

-“Tudo vai melhorar”!

Dizem os que possuem fé.

Mas os carteiros não mudaram;

Continuam andando a pé.

Pobres mensageiros de um mundo virtual,

Vocês são a última lembrança

De meu tempo de criança

Em minha terra natal.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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O IBGE divulgou recentemente os dados da PNAD Contínua relativos a 2017, ano marcado pela entrada em vigor de uma lei que ampliou bastante o espectro para a contratação de trabalhos terceirizados e da reforma trabalhista que criou, por exemplo, a prevalência do negociado sobre o legislado e o regime de trabalho intermitente.

Chama a atenção o estrago, feito pela recessão econômica, na quantidade de pessoas trabalhando com a carteira profissional assinada. Em 2014 eram 36,6 milhões e em 2017 passou a ser de 33,3 milhões, ou seja, o desaparecimento de 3,3 milhões de vagas com carteiras assinadas em 3 anos.

A pesquisa mostrou, também, que em 2017 o trabalho informal, seja sem carteira ou por conta própria, superou pela primeira vez o trabalho formal registrado em carteira, conforme determinado pela Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943.

O último trimestre do ano também mostra que a taxa de desocupação caiu na comparação com o trimestre anterior, obviamente influenciada pelas outras modalidades de trabalho que prescindem da carteira assinada. No fundo, fica evidente que a conjuntura continua sendo de sobrevivência e que 12,3 milhões de pessoas estão simplesmente desempregadas. Isso sem levar em conta aquelas que desistiram de procurar trabalho nos últimos 30 dias e não são consideradas pela metodologia da pesquisa.

O rendimento médio da população fechou 2017 em R$2.154, mostrando crescimento de 1,6% ou R$34 em relação ao ano anterior, índice bem abaixo da inflação do período. Também pudera, pois as remunerações seguem sendo achatadas e se o empregado é demitido ou até mesmo se aposenta, caso seja substituído, geralmente entrará em seu lugar alguém com salário menor.

Aqui vale também observar a metamorfose pela qual passa atualmente a contratação de terceirizados pelas grandes empresas dos segmentos de mineração, metalurgia, telecomunicações, energia, automotivo e infraestrutura, para citar apenas alguns. Geralmente é grande a chance de tudo mudar para pior, principalmente em relação à remuneração e condições de trabalho das pessoas da terceirizada que vencer a concorrência. Parte-se da premissa de que a contratante quer um lucro maximizado para remunerar seus acionistas e que as demais variáveis devem se adequar para viabilizar o negócio. Para também ter algum lucro resta ao terceirizado esfolar e sangrar os seus trabalhadores e fornecedores. E nessa lógica a hierarquia das necessidades humanas preconizadas por Maslow nunca vai além das fisiológicas.

Quando será que metamorfoses como essas chegarão aos serviços públicos do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas?

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O calor que dá sinais

por Luis Borges 5 de fevereiro de 2018   Alguma poesia

Enquanto o dia cresce
o calor aumenta.

A sensação térmica
também se acentua
para muito além
do que o termômetro mede
na plenitude desse verão.

Constato mais uma vez,
no casulo da inércia
de todos que não veem,
que o aquecimento global
só prossegue avançando
e ajudando a prevalecerem
os extremos do calor da estação.

Até que outro extremo
se manifestará
no contraste com o inverno.

Faço da constatação dos contrastes
inspiração para os versos da poesia.
Como se isso fosse
um alento para atenuar
o aquecimento irradiante,
a aumentar o efeito estufa,
pela ação sem limites
dos próprios habitantes desta Terra
que marchando neste ritmo
tornarão tudo insustentável.

Nem mais será necessário
exclamar "que calor"!
Nosso lamento de agora
que sequer será balbuciado.
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As vaias fazem parte do risco

por Luis Borges 31 de janeiro de 2018   Pensata

Se a vida é um risco e viver continua cada vez mais perigoso, o mínimo que nos resta é fazer a gestão desse risco em função das variáveis que dependem só de nós e sobre as quais temos autoridade. Assim, pelo menos, reduziremos um pouco os impactos que serão causados pelo imponderável, pelos parâmetros externos determinantes dinamicamente de nossos posicionamentos e reposicionamentos. Ter sucesso na vida pessoal, familiar e profissional é o que todos querem, principalmente quando ele vem acompanhado de aplausos e de reconhecimentos. Estar bem na fotografia também ajuda a liberar as endorfinas que nos estimulam a prosseguir.

Mas, o que e como fazer se no lugar dos aplausos vierem as vaias, os apupos, os xingamentos e os assobios? Primeiramente é importante saber perceber e entender os sinais que estão sendo enviados pelos diversos segmentos em conflito, numa sociedade que nem sempre se pauta por atitudes civilizadas mas que prima pelas polarizações que passam por variações à esquerda, ao centro e à direita. Uma coisa é atuar para construir a hegemonia de uma determinada visão da sociedade organizada dentro das regras de um jogo democrático. Outra bem diferente é querer impor na marra e no abuso das regras outras visões que também querem o poder ou nele se manter.

É sempre importante aprender com os erros e fracassos, principalmente com os dos outros. Boas lições podem ser tiradas quando se vê um Ministro da mais alta corte da justiça no país, indicado para o cargo vitalício pelo Presidente da República, ser vaiado dentro e fora do Brasil. Até parece que ele gosta de ficar “no olho do furacão”, mas também é notório seu sorriso amarelo e o constrangimento que o corpo denuncia. Também pudera, arrogância pouca é bobagem. Mas segundo o cantor e compositor Billy Blanco em sua música A banca do distinto, “mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal”. Enquanto a história segue seu curso, por que não se tornar tema de marchinha de carnaval?

Deputados, Senadores, Ministros e ex-Ministros, para citar apenas algumas autoridades, também seguem colhendo sinais das insatisfações que tem causado.

Vamos acompanhar os acontecimentos tentando compreender o conjunto de causas que podem levar um processo ao fracasso e com ele trazer as vaias – de maneira bem diferente do que numa partida de futebol.

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A febre amarela está, com destaque, entre as preocupações do cotidiano das pessoas e das autoridades governamentais atordoadas com a volta da doença que era considerada controlada. As abordagens feitas pelas diversas mídias destacam a desinformação, os descuidos em áreas de risco, os sintomas da doença, a dose única integral da vacina ou seu fracionamento, os postos públicos ou privados com vacinas disponíveis ou não, o cartão com registro da vacina e as justificativas governamentais diante do despreparo para enfrentar rapidamente o surto.

Enquanto pouco se fala sobre as formas de evitar o mosquito transmissor do vírus, um bom destaque tem sido dado às atualizações das estatísticas – sempre crescentes – com o número de pessoas mortas ou casos de suspeitas de contaminação em análise nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Como também é importante olhar para trás, para o passado, para melhor compreender o presente e enxergar possíveis soluções para o futuro, registro aqui algumas datas marcantes da presença da febre amarela no Brasil a partir de 1685, segundo a Wikipédia.

A primeira referência à febre amarela no Brasil data de 1685, com a ocorrência de surto no Recife, em Olinda, na Ilha de Itamaracá e em Goiana na Capitania de Pernambuco. O vírus da febre amarela e o Aedes aegypti vieram juntos da África, nos navios negreiros. Tempos depois atingiu a população de Salvador, onde causou cerca de 900 mortes durante os seis anos em que ali esteve. A febre amarela foi reintroduzida em 1849 (primeira grande epidemia ocorrida na capital do Império, o Rio de Janeiro), quando um navio americano chegou a Salvador procedente de Nova Orleans e Havana, infectando os portos e se espalhando por todo o litoral do Brasil.

Uma grande epidemia de febre amarela matou mais de 3% da população da cidade brasileira de Campinas no verão do ano de 1889. Adolfo Lutz, em suas reminiscências sobre a febre amarela, calculou em três quartos a população que deixou Campinas em direção a outras cidades, fugindo da febre amarela.

Em 1895, o navio italiano Lombardia foi acometido de febre amarela ao visitar a cidade do Rio de Janeiro, onde quase não existia esgoto e a infraestrutura sanitária era extremamente precária.

Outras datas:

·         1902 – Sorocaba (SP), foi realizado o 1.º Combate ao vetor da doença, sob a orientação de Emílio Ribas.

·         1903 – Oswaldo Cruz, iniciou a Campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro.

·         1928 – A doença reaparece no Rio de Janeiro, causando 436 mortes. Iniciada, a nível nacional, campanha contra a febre amarela, resultado do contrato assinado com a Fundação Rockefeller.

·         1940 – Foi criado, no Brasil, o “Serviço Nacional de Febre Amarela”.

·         1957 – Após ampla campanha de combate ao Aedes aegypti, essa espécie foi declarada erradicada do Brasil, na XV Conferência Sanitária Pan-americana.

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Quem cuidaria do tio Zé?

por Luis Borges 25 de janeiro de 2018   Pensata

Uma sobrinha por parte de mãe foi visitar tio Zé, 60 anos de idade, que morava numa pequena casa alugada na região de Venda Nova em Belo Horizonte. O Zé era separado da esposa há muitos anos e não tiveram filhos. A sobrinha, que é enfermeira de nível superior com mestrado, se assustou ao verificar uma piora acentuada no estado clínico do tio, que tinha distrofia muscular. Aliás, essa foi a causa da morte dos dois irmãos do Zé. Restaram-lhe duas irmãs, Mariazinha, 71 anos, três filhas e dois filhos, e Neuzinha, 66 anos e uma filha.

Percebendo a gravidade da situação, a sobrinha enfermeira providenciou a internação do tio num hospital filantrópico, mesmo com as dificuldades e obstáculos cada vez maiores nas coisas ligadas à saúde. De cara, no primeiro dia de internação, Mariazinha perguntou aos membros da família quem cuidaria do tio Zé quando ele deixasse o hospital, mas já respondendo que não seria ela devido à precariedade da sua própria saúde.

Por sua vez, Neuzinha disse quase que imediatamente que também não poderia cuidar do seu querido irmão. Ela justificou sua impossibilidade devido à sua condição física desfavorável em função do peso bem acima do desejável, dos ossos descalcificados, da glicose altamente variável e de suas frequentes alergias respiratórias. Foi nesse clima que tio Zé encerrou seu curso de vida no final do oitavo dia de internação hospitalar.

Se de um lado as preocupações cessaram, já que ninguém precisaria de cuidar mais dele, veio por outro uma surpresa para muitos. Nos preparativos para o velório e sepultamento do tio Zé, sua irmã Neuzinha começou a procurar as sobrinhas e sobrinhos propondo que se fizesse uma “vaquinha” entre eles para cobrir as despesas, pois ela mesma não tinha condições para tal. Foi aí que Mariazinha lembrou a todos que tio Zé havia deixado recursos financeiros suficientes para cobrir todos os gastos após a sua morte. Arrematou dizendo que a conta da caderneta de poupança era conjunta com Neuzinha e que ela pegou o dinheiro emprestado com o irmão após uma necessidade urgente.

Como as pessoas se revelam mais cedo ou mais tarde, uma das sobrinhas se viu obrigada a emprestar seu cartão de crédito à tia para cobrir os gastos, que foram divididos em cinco parcelas que posteriormente serão ressarcidas à credora. Dá até para imaginar o pânico da tia caso não aparecesse alguém para salvá-la desse imbróglio.

Como rolo só chama mais rolo essa mesma irmã do tio Zé começou a discutir, no dia seguinte ao sepultamento, a destinação dos eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e móveis deixados pelo irmão. E já se colocando como a merecedora de tudo devido às suas dificuldades atuais e porque visitava o irmão pelo menos uma vez por mês.

Após a celebração da missa de 7º dia do passamento, Neuzinha soube que todos concordaram com o seu pleito, mas solicitaram que ela rescindisse imediatamente o contrato de aluguel da casa onde ele morava, pois a aposentadoria do tio Zé deixou de existir. E foi cada uma das irmãs para o seu lado, mas Mariazinha saiu falando para suas filhas e filhos que todos deveriam ficar alertas pois Neuzinha poderia reaparecer a qualquer momento trazendo outros problemas para todos resolverem.

Você se lembra de ter vivido ou tomado conhecimento de uma situação semelhante a essa no âmbito de parentes, amigos ou colegas de trabalho?

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