O galo não cantou

por Luis Borges 25 de fevereiro de 2016   Pensata

A insatisfação rondava alguns moradores de um prédio residencial de muitos andares, no centro do bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte. O motivo? O galo da casa de um vizinho. É um detalhe interessante, o bairro é um dos maiores de BH, com cerca de 46 mil habitantes de acordo com o IBGE, e ainda conserva muitas casas com quintal e barracões no fundo. Mas, aos poucos, os edifícios começam a predominar na paisagem do bairro e o número de moradores aumenta.

A tal insatisfação começava lá pelas 03h00, quando o galo confirmava os versos da música “Samba do jato”, de Toquinho e Vinícius de Moraes: “um galo cantou, meu sonho acordou…”.

A reação não demorou muito. Intolerantes e incapazes de conversar, dialogar em busca de uma solução equilibrada para a situação, alguns entre os vizinhos optaram pelo pior caminho. Tentaram um galicídeo para silenciar o galo.

Segundo os moradores da região, observando do alto do prédio a vida no galinheiro, alguns desses incomodados moradores perceberam que o galo e as dez galinhas passavam, ao longo do dia, por um portão que dava acesso ao jardim da casa. Logo alguém sugeriu que se jogasse nesse jardim um pouco de milho misturado com veneno em forma de chumbinho, na esperança de eliminar o galo.

Aconteceu que quatro galinhas morreram envenenadas, fato imediatamente percebido por um dos moradores da casa, aliás, dono do galinheiro, que resolveu bloquear a passagem para o jardim. Sem perder tempo, repôs imediatamente o seu plantel com quatro novas galinhas. O galo continuou a cantar até o amanhecer para a alegria de um outro vizinho, que mora em um barracão de fundos e se levanta de madrugada para trabalhar do outro lado da cidade.

Mas na madrugada do sábado de Carnaval o galo não bateu asas e nem cantou às três da manhã, como de costume. O admirador do canto ficou intrigado com a falta do seu despertador. Logo ao sair de casa ficou sabendo da morte do dono do galo e do galinheiro, no início daquela noite. Achou incrível o silêncio da ave, que só voltou a cantar na madrugada seguinte.

Enquanto isso, os vizinhos intolerantes – e que não conversam – não sabiam que o morador que sobrou na casa não gostava de galo, galinhas ou galinheiro. Uma semana após a morte, nada sobrou no quintal da casa. O admirador do galo respirou aliviado ao saber que o destino das aves não foi a panela, mas que o galo branco de pintas pretas foi viver e cantar num sítio do Morro do Chapéu, ao lado de suas galinhas brancas, pretas e marrons.

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