Regras só para os outros

por Luis Borges 7 de fevereiro de 2017   Pensata

A sociedade brasileira está atravessando um momento de intensos questionamentos nas mais diversas dimensões de sua estrutura. A intensidade aumentou a partir das difusas manifestações de rua de 2013, prosseguiu com as polarizadas eleições presidenciais de 2014 e desaguou no impeachment político-jurídico da Presidente da República em 2016. Tudo isso gerou muitos pontos para a pauta dos insatisfeitos, intolerantes e portadores de ódio. Nos tribunais das redes sociais os juízes opinam sobre qualquer assunto e emitem seus julgamentos quase que instantaneamente. Valem a emoção e a fúria da hora, pouco importando se o que está sendo mostrado tem fundamento ou se a proposta apresentada é consistente.

Pessoas, grupos e diversas modalidades de organizações humanas têm todo o direito à liberdade de manifestação e expressão, mas também devem ter uma prática coerente com o que preconizam para os outros.

No nível macro, vejo pessoas questionando a corrupção e seus agentes, a falta de oportunidades para todos, o descaso com o meio ambiente ou a falta de cumprimento das leis existentes ainda que algumas sejam imorais, só para ficar em alguns poucos exemplos. No entanto, fico observando e analisando as posturas de algumas dessas mesmas pessoas no plano micro, quando elas estão inseridas no bairro em que vivem ou nos locais em que instalam seus negócios. Não raro fico sabendo de casos em que os protagonistas tão críticos de todas as mazelas do cotidiano da nossa república também não cumprem com seus deveres.

É o negócio aberto sem qualquer concessão do alvará de funcionamento emitido pela Prefeitura Municipal… é estacionar um veículo na entrada da garagem de um edifício, atrapalhando o ir e vir dos moradores… é colocar sacos de lixo na calçada no dia anterior à coleta… é realizar eventos em praças públicas sem se preocupar com licença de eventos ou com a conservação do espaço… é estacionar o carro em fila dupla na porta da escola sem se preocupar com o trânsito… os exemplos são reais e facilmente enumeráveis!

E assim a vida prossegue, os conflitos se acentuam, cada um vai cuidando de si e dando um jeitinho de se safar das regras que são para os outros. E sempre haverá um meio de falar bastante dos outros que se apropriam de coisas públicas só que em escalas maiores. Mas o fundamento não é diferente e unifica a todos que querem levar vantagem em tudo. Do micro ao macro a essência é a mesma, só varia o tamanho do que é feito.

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“Deu ruim” na consulta médica

por Luis Borges 26 de janeiro de 2017   Pensata

Na era da incerteza, da informação e do conhecimento cresce o número de pessoas que se preparam para tomar decisões mais fundamentadas sobre variados temas em diversas situações. Pode ser na vida pessoal, familiar ou profissional.

Os temas ligados à saúde estão disponíveis em abundância na internet – o popular Dr. Google – e também nas emissoras de rádio e TV, nos jornais, nas conversas com outras pessoas e por aí afora. Vale lembrar que todos devem ser analisados criticamente e com a devida cautela, pois nem tudo que reluz é ouro e cada caso é um caso.

Nesse sentido é interessante observar alguns casos de consultas médicas em que o paciente/cliente e o médico acabam se confrontando. Isso nos casos em que o paciente chega com muita informação e começa a perguntar e a questionar mais. Se o médico não tem a paciência de explicar com clareza o que está correto e o que não se sustenta pelo conhecimento científico, é possível chegar até a um impasse.

Fiquei sabendo de um caso recente em que uma jovem de 24 anos foi se consultar com um alergologista de aproximadamente 70 anos. Logo no início da consulta o médico perguntou à paciente qual era o problema. Ela respondeu de imediato que tem rinite alérgica e que isso lhe causa muito desconforto. Então o médico perguntou em que ela se baseava para fazer tal afirmação sem ter feito um teste alérgico. A jovem respondeu com muita firmeza que enfrenta o problema desde a adolescência e que já fez teste alérgico numa ocasião anterior. O médico decidiu submetê-la a um novo teste alérgico e o resultado foi positivo para a imensa maioria dos alérgenos.

Mas não foi esse o único embate. Em seguida, o médico receitou um medicamento que a paciente rejeitou prontamente, alegando os efeitos colaterais advindos do seu uso numa ocasião anterior. Ela justificou sua recusa alegando que leu a bula inteira do medicamento. O médico reagiu dizendo que se a bula for seguida ele não teria coragem de receitar o medicamento e nem o paciente de usá-lo. Diante da reafirmação da paciente de que não usaria o medicamento devido aos efeitos colaterais realçados, o médico rasgou a receita, que virou um montinho de papel picadinho. Em seguida, o profissional tentou prescrever outro medicamento para trazer alívio imediato e sugeriu um tratamento com vacinas para serem usadas durante cinco anos. No primeiro ano seria uma dose por semana, no segundo uma por quinzena, no terceiro uma por mês, no quarto uma a cada 2 meses e no quinto uma a cada 4 meses. Um detalhe importante é que a vacina só é encontrada na clínica em que o médico trabalha. Insatisfeita com o encaminhamento proposto, a jovem decidiu encerrar a sua participação na consulta. No dia seguinte voltou a tentar encontrar em sua rede de amigos alguma indicação de outro alergologista de seu plano de saúde. Enquanto isso a rinite alérgica prosseguia firme e sem dar trégua.

Você já viveu alguma situação semelhante à que foi aqui descrita só com os melhores momentos?

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Quanto mais distração, melhor

por Luis Borges 19 de janeiro de 2017   Pensata

Quem parar um pouco para se lembrar e pensar sobre as notícias que foram manchetes nos últimos 30 dias nos grandes jornalões, nas revistas semanais, nas emissoras de rádio e nas TVs abertas ou por assinaturas poderá se surpreender com a quantidade dos assuntos abordados. Tem de quase tudo um pouco, exposto com maior ou menor veemência e contundência conforme os interesses e crenças de seus proprietários.

São tantas as informações e as novidades que vão sendo apresentadas quase que instantaneamente que não há tempo para pensar. Os cérebros vão sendo bombardeados e vencidos pelo cansaço quando o assunto é tratado por dias, semanas e meses. Noutro extremo a pessoa simplesmente se desinteressa pelo que está sendo mostrado e sai de cena para se alienar. De uma forma ou de outra o que acaba prevalecendo é a distração, a perda do foco em relação ao que é essencial em meio a tantos fatos triviais.

Se tudo é colocado no mesmo plano e se falta capacidade ou tempo para analisar a inundação de informações, tudo fica mais fácil para quem tem o poder nas mãos e para aqueles que querem se perpetuar nele. E é claro, sempre se valendo do não questionamento dos padrões de dominação usados bem como abusando da inteligência dos cidadãos.

O impopular Presidente da República teve a audácia de chamar de “acidente” o massacre ocorrido no presídio de Manaus enquanto a ocorrência de fato semelhante em outros estados expõe a grande lentidão do bem remunerado Poder Judiciário. Eu poderia continuar escrevendo aqui sobre outros temas que estão nos distraindo, digamos, só por esses dias de janeiro. É febre amarela, o aedes aegypti no verão, as prefeituras municipais em calamidade financeira, os estados quebrados, o fim das férias da maioria dos membros da força tarefa da Operação Lava Jato, o recesso dos Tribunais de Justiça, a delação premiada da Construtora Norberto Odebrecht ou o Plano Nacional de Segurança que está no papel há duas décadas…

E assim, de tema em tema e de dificuldade em dificuldade, fica até mais fácil convencer a população de que “o trem tá feio” e que só nos resta acatar as medidas que estão sendo aprovadas pelo Congresso Nacional como se elas fossem o máximo possível diante da escassez e da ameaça do caos.

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Fazendo e recebendo visitas

por Luis Borges 15 de janeiro de 2017   Pensata

Dando sequência à continuidade da vida que apenas mudou de ano, também fiz um balanço sobre os resultados – tanto positivos quanto negativos – que alcancei no agora denominado ano passado pela cronologia dos tempos. Vários foram os aspectos analisados mas aqui quero abordar um dos desdobramentos da minha dimensão social. O tópico específico se refere à capacidade de interagir com pessoas que fazem parte do meu universo de relacionamentos em diferentes graus de amizade. Como vivemos numa época em que boa parte das comunicações se dão por meios digitais, com destaque para o aplicativo WhatsApp em grupos ou individualmente, observei e analisei as visitas feitas e recebidas que ensejaram um ou mais encontros reais com as pessoas.

Os fatos e dados do levantamento que fizeram meu balaço balançar trouxeram informações interessantes. A primeira delas mostrou que visitei 19 pessoas e/ou famílias em suas residências, sendo que em alguns casos o número de visitas chegou a 5 durante o ano. A duração de cada encontro variou de uma a cinco horas, com média de 3 horas por encontro.

A segunda informação é que fui visitado em minha casa por 18 pessoas e/ou famílias, sendo que em alguns casos a frequência anual também chegou a 5 encontros. Outra informação interessante é que não consegui visitar 10 pessoas que fizeram parte do meu planejamento e que 12 pessoas que manifestaram desejo de me visitar também não o fizeram.

O cafezinho faz parte da recepção mineira. | Foto: Marina Borges

Diante de muitas características que atualmente regem a interação entre as pessoas, inclusive independente do lugar em que moram e apesar dos estragos causados pela polarização na política, acredito que o balanço pode ser considerado bom. Mas é claro que nada é tão bom que não possa ser melhorado e que sempre é possível encontrar um espaço para a melhoria, desde que a iniciativa das ações esteja dos dois lados. Podemos também avaliar a quantidade e a qualidade dos encontros, os temas que surgem nas conversas e a capacidade que cada um tem para saber falar, sem ser proprietário da verdade, e para saber ouvir dentro de um permanente diálogo. Continuemos!

E você, como avalia a sua capacidade de fazer e receber visitas de pessoas que fazem parte do seu bem querer?

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Não vou desistir

por Luis Borges 31 de dezembro de 2016   Pensata

O ano que está terminando é também o ano novo que chega conforme mostra a linha do tempo. Os problemas prosseguirão existindo e exigindo soluções para suas causas mesmo que negados, ignorados ou minimizados. Essa é a primeira conclusão a que cheguei ao balançar a roseira que simboliza o conjunto dos acontecimentos que marcaram minha vida nesses últimos 365 dias. Os caules que trouxeram folhas e espinhos, se encarados com a devida inteligência estratégica, poderão gerar até rosas.

Rosa no canteiro da praça Duque de Caxias. | Foto: Sérgio Verteiro

O que a realidade nos mostra é a necessidade de se ter muita resiliência para continuar enfrentando as dificuldades impostas pela conjuntura, em que predominam as estratégias de sobrevivência. Enquanto isso, as redes sociais rugem, a recessão econômica vai ser muito mais prolongada que o imaginado e os políticos partidários que privatizaram o Estado com seus três poderes continuarão testando a paciência do povo até que venham novos e potentes gritos das ruas. Se a barragem romper… o que será do mercado financeiro, já que quem tem dinheiro ganha dinheiro e quem ainda consegue trabalho tem que trabalhar? Tudo isso vai acontecendo enquanto a popularidade e a credibilidade do Presidente da República derretem conforme mostram as pesquisas de opinião. Percebo também que não há milagre visível ou previsível no horizonte próximo. Mas 2017 será encarado de frente, sem heroísmos, com a paciência e a persistência de quem não desiste nunca no jogo que é jogado.

Parafraseando o cantor e compositor Geraldo Vandré em sua música O plantador reafirmo que “quanto mais eu ando, mais vejo estrada. E se eu não caminho, não sou é nada”. Portanto não vou desistir, e nem tenho esse direito, diante da crença de que não é justo viver e padecer nas condições em que nos encontramos atualmente. Podemos muito mais e, para isso, também precisamos continuar lutando e aperfeiçoando os métodos, os nossos caminhos.

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Celebrar Belo Horizonte

por Luis Borges 13 de dezembro de 2016   Pensata

Ao celebrar nesse 12 de dezembro o 119º aniversário de Belo Horizonte meu primeiro ato foi lembrar-me que aqui cheguei quando a cidade estava na plenitude de seus 75 anos, em agosto de 1973. Crescer e me desenvolver na cidade – que também cresceu muito em diversos sentidos – fez e continua fazendo parte do meu viver. Enquanto caminho, buscando fazer da aprendizagem um elemento fundamental para a aquisição de uma sábia maturidade num tempo que é finito, sinto como é importante a contribuição da cidade na geração de melhores condições de vida para os cidadãos.

E aqui começa meu segundo ato tradicional de aniversário – a reflexão para contribuir no levantamento e priorização dos problemas que precisam ser resolvidos, buscando a permanente melhoria contínua. Não se trata apenas de reclamar ou jogar tudo nos ombros dos eleitos para fazer a gestão da cidade. O sentido é o de se reforçar mecanismos para a implementação e fortalecimento da democracia participativa. Tenho a certeza que muitas coisas ruins que hoje são criticadas tiveram seu florescimento facilitado pela omissão e conivência de muita gente boa.

É importante querer encontrar e usar, de maneira civilizada, todos os meios possíveis para endereçar nossas observações e propostas para a solução dos problemas identificados. E também, é claro, sugestões de inovações que podem ir do redesenho de um processo existente até a apresentação de uma nova tecnologia.

Só para ilustrar o que estou propondo, gostaria de lembrar ao próximo prefeito da cidade que não dá para fazer uma gestão sem planejamento estratégico e muito menos sem o reposicionamento estratégico, que devem estar alinhados com um orçamento real, fundamentado em premissas sustentáveis e com muita consistência, com lastro em fatos e dados. Quem olha o orçamento da Prefeitura nos últimos 15 anos vê que sempre houve uma diferença de até 20% para menos entre o valor orçado e o que foi efetivamente realizado. Neste ano de 2016 sonhava-se com uma arrecadação de R$12,7 bilhões e a linha da meta mostra que tudo não passará dos R$9,5 bilhões. O que falar ou que justificativa dar diante de tamanha discrepância?

Meu terceiro ato é dar uma pausa na minha lista e cantar parabéns para Belo Horizonte, desejando que a cidade prossiga sendo um ótimo lugar para se viver, na certeza de que nada é tão bom que não possa ser melhorado e que tudo também depende de nós.

Uma amostra do Belo Horizonte. | Foto: Marina Borges

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Teto de gastos também no Natal

por Luis Borges 24 de novembro de 2016   Pensata

Algumas condições de contorno estão em evidência no Natal de 2016. Entre elas está o estabelecimento de um teto para os gastos públicos primários após 2 anos de recessão econômica, queda na arrecadação de tributos e continuidade do aumento das despesas públicas. A conta não fechou e o desequilíbrio foi inevitável.

A busca de saídas para encontrar medidas garantidoras de soluções para a sobrevivência mostrou – e continua mostrando – como alguns ditos populares continuam presentes em nossa cultura. Até me parece que foram feitos para durar e só serão modificados perante uma grande crise moral, ética, social, política e econômica. O momento segue mostrando que “em casa que falta pão todo mundo briga e ninguém tem razão” ou que “farinha pouca meu pirão primeiro”.

Mas como repercutem em nós e em nossa família, partes da base da sociedade, os reflexos da crise e das condições encontradas para a sua superação com sustentabilidade? É inegável que no Natal deste ano o nosso poder aquisitivo está menor, conforme mostram os números que apontam para um encolhimento da economia chegando aos 10%. Os desempregados já passam dos 12 milhões, de acordo com pesquisas do IBGE, as expectativas de melhoria ainda são muito mais sensoriais do que concretas e a “despioria” está ocorrendo muito lentamente, como que a nos mostrar que a estrada que leva a dias melhores também é muito longa. As reflexões trazidas pelo espírito do Natal acabam por nos levar ao reconhecimento de que as celebrações cheias de comilanças, bebidas e presentes, mesmo de amigos secretos, terão que ter seus gastos reduzidos e limitados a um teto, já que a maioria de nós está ganhando menos que há um ano e muitos outros estão sem um trabalho formal. A estratégia para o momento continua sendo predominantemente de sobrevivência, ou seja, não dá para gastar o que não se tem.

Dentro desse realismo fica claro como está difícil lutar para combater perdas e garantir os direitos adquiridos em outras conjunturas políticas e econômicas. O Natal também exige novos reposicionamentos estratégicos na complexa arte de viver numa sociedade que se quer civilizada e republicana na prática.

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Percepções da realidade

por Luis Borges 11 de novembro de 2016   Pensata

O processo eleitoral que resultou na escolha do candidato Donald Trump para ser o Presidente dos Estados Unidos da América surpreendeu um grande contingente de pessoas que estavam “de olho” nele. Quais são as causas do tamanho da surpresa?

Eram muitas as informações disponíveis na grande mídia americana que, em sua maioria, apostou o tempo todo na vitória da candidata democrata Hillary Clinton, mesmo admitindo que a campanha estava acirrada. Tudo também foi devidamente difundido pelas diversas mídias que se utilizam da internet. O perfil de Trump e o programa de governo por ele mostrado em seu movimento foram apresentados como capazes de antecipar o fim do mundo.

Além disso, a imensa maioria das pesquisas confirmava, com seus modelos estatísticos, a verdade anunciada, prevendo a derrota do candidato republicano. Também não foi muito diferente do resultado das pesquisas que não apontaram a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia e a eleição em primeiro turno de João Dória para a prefeitura da cidade de São Paulo.

O fato é que as pesquisas não conseguem captar as mudanças no pensamento dos eleitores à medida em que o pleito se aproxima, seja o voto obrigatório ou facultativo. Inclusive, pesquisas pecam em detalhes como captar a sinceridade nas respostas de alguns entrevistados ou uma tendência à abstenção, assim como nos meios utilizados para ouvir os participantes ou mesmo o tamanho das amostras utilizadas.

Outro aspecto importante é que a informação precisa ser trabalhada para se transformar em conhecimento e, a partir daí, reforçar a consistência das conclusões feitas, o que exige competência e visão sistêmica bem profunda.

Fica evidente que poucas são as fontes primárias dos conteúdos e que a maior parte das veiculações são meras reproduções. Já que vivemos em tempos de posições polarizadas e em confronto, boa parte das pessoas embarca numa das posições, que se transforma em desejos e sonhos que devem se realizar para garantir a prosperidade. O fato é que as pessoas querem defender o seu lado, assegurar conquistas de outrora e estancar perdas da atual conjuntura em que, graça e desgraça, o populismo caminha rumo ao conservadorismo.

As expectativas crescem velozmente e a percepção da realidade fica dificultada pela baixa capacidade de abstração e pela postura arrogante e narcisista de quem passa a se enxergar como o proprietário da verdade. Daí para a insatisfação, a descrença com a política e o crescimento da intolerância e do ódio é só um passo.

Enquanto isso, a busca e a dosagem do equilíbrio só ficam mais distantes, embora eu acredite que esse deve ser o caminho a se trilhar em busca das soluções mais civilizadas e condizentes com a natureza humana.

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O feriado nacional de 2 de novembro marca o dia de finados, data em que adeptos de diferentes crenças religiosas dedicam mais intensamente o foco de suas lembranças e saudades às pessoas que fizeram parte de suas vidas. Apesar do tempo que escoa indelével, cada um de nós elabora de formas e durações diferentes a dor de cada perda. Buscar alento, forças e motivos para prosseguir também pode nos levar a abreviar um pouco a distância entre a dor e a saudade e, em função das diversas circunstâncias possíveis, compreender que a pessoa que morreu apenas partiu antes de nós. Nesse sentido, tomei conhecimento de um caso muito interessante, em função da solução dada para a continuidade das coisas da vida após uma perda inesperada.

No dia 11 de dezembro de 2013, por volta das 15 horas, a psicóloga Lorena Vale, então com 25 anos, dirigia seu automóvel durante uma chuva na rodovia Cândido Portinari, entre as cidades de Batatais e Franca, no estado de São Paulo. Seu destino era a cidade de Araxá (MG), onde se encontraria com seus pais Beto e Erci, dos quais era a única filha. De repente e inesperadamente – como sempre acontece, ainda que se discutam as causas do efeito – houve a colisão entre o carro de Lorena e um caminhão. Ela veio a óbito quase que instantaneamente e podemos imaginar todo o sofrimento que veio a seguir para todos os seus familiares e amigos.

Fotos: Elayne Pedrosa / Arquivo da família

Fotos: Elayne Pedrosa / Arquivo da família

A superação da perda foi e continua sendo muito difícil para a sua mãe, que é ex-radialista e professora aposentada. Mas na virada do ano de 2015 para 2016 floresceu a ideia luminosa que já estava sendo cultivada para manter viva a lembrança de sua filha. As saudades e energias da mãe foram canalizadas e o tempo fortemente dedicado para criar e colocar em ação o Espaço VIVALÓ. A missão do Espaço é contribuir na solução de demandas de pessoas de diferentes idades em busca de apoio nas áreas de psicologia, pedagogia, saúde, artes, orientação profissional e iniciação musical. A iniciativa conta atualmente com a participação de profissionais voluntárias, que doam algumas horas semanais em suas áreas de especialidades para atender as pessoas que procuram os serviços. A busca por vagas tem sido bem maior que a capacidade de atendimento e por isso mesmo já existe fila de espera em todas as modalidades e também a consciência do finito tamanho do espaço. Afinal de contas, o Espaço VIVALÓ funciona em ambiente cedido pela própria família, no Centro de Araxá, e sua sustentabilidade é garantida pelas próprias voluntárias que lhe dão vida participando de maneira efetiva e afetiva. A mãe de Ló se sente hoje bem mais fortalecida diante de tantas saudades e lembranças, mas também com muita energia e motivação, que vêm de dentro do coração, para melhor prosseguir com sua contribuição à pessoas que também querem melhorar suas vidas.

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“Nada existe em caráter permanente a não ser a mudança” dizia o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso no ano 501 a.C, portanto há 2517 anos. Perceber que as mudanças estão em processo, ainda que embrionárias ou lentas, é algo que nos desafia sempre, tanto no plano individual quanto no coletivo. A partir dessas percepções fica mais fácil o nosso posicionamento ou reposicionamento em função das situações que precisamos enfrentar. Mas nem sempre percebemos com a devida agilidade os sinais que prenunciam mudanças significativas que estão chegando ou que já estão quase maduras.

Um caso bastante interessante e cujos sinais já começam a gritar é o da obrigatoriedade de se votar nas eleições para os poderes executivos e legislativos da União Federal, estados e municípios brasileiros. Parto da premissa de que votar é um direito e não um dever do cidadão. Nesse sentido, ao exercitar sua cidadania, ele tem o livre arbítrio para decidir se comparecerá a uma seção eleitoral, se escolherá a legenda de um partido político, com ou sem candidato específico, ou até mesmo se votará em branco ou se anulará o voto. Ainda que o voto seja obrigatório desde o Código Eleitoral de 1932, portanto há 84 anos, é preciso perceber que a partir das eleições de 2012 tem crescido mais acentuadamente o desinteresse pelo processo eleitoral, o que se reflete no expressivo aumento das abstenções. Se a elas se somarem os votos nulos e brancos poderemos chegar no primeiro turno das eleições municipais de 2016 a algo em torno de 40% de eleitores que simplesmente deixaram de escolher alguém. Ainda assim, para efeitos da democracia representativa, prevaleceram apenas os votos válidos para a definição dos eleitos.

Outro sinal importante foi mostrado por pesquisa do Datafolha, na qual 61% dos eleitores entrevistados se manifestaram contrários à obrigatoriedade do voto. E mais, em 88% dos países da Terra que afirmam praticar a democracia o voto não é obrigatório e, ainda assim, o comparecimento às urnas varia de 50% a 90% dos eleitores segundo dados do ACE Project.

Os ainda defensores do voto obrigatório argumentam que ele é importante para aumentar a consciência política da população. Se isso fosse uma verdade absoluta o Brasil já teria resolvido a maior parte dos seus problemas políticos, econômicos e sociais ao longo desse quase um século de voto obrigatório. Acredito que o fortalecimento da cultura política do país depende muito mais do aumento da disseminação do conhecimento advindo de um salto na qualidade da educação a partir da base e da busca de soluções para a enorme desigualdade econômica, o que contribuirá para a superação de tantas mazelas do nosso estágio atual de desenvolvimento. Não adianta tentar esconder com o voto obrigatório as reais causas que impedem ou dificultam boa parte da população de conhecer seus direitos ou compreender e se interessar pelo que acontece no mundo da política.

E você, o que pensa sobre o fim do voto obrigatório e da prevalência apenas do direito de votar?

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