Um desencontro no reencontro de parte da família
Partindo da premissa de que “a política é a arte do possível” nas relações político partidárias, onde são intensas as negociações entre suas tendências e grupos, bem como as alianças com outros partidos federados ou não, fiz uma transposição para a política no convívio familiar. Pensei no grande e complexo desafio na arte de viver nesse meio que é uma organização de base na sociedade ampla em que vivemos. Foi aí que se inseriu um caso acontecido no último dia de julho no reencontro de parte de uma família de Belo Horizonte.
O fato é que essa família composta por 9 irmãos entrou no período inicial da pandemia da covid-19 rachada pela polarização política. De lá para cá, dois irmãos se finaram devido a causas não-relacionadas diretamente com o vírus, cuja disseminação ainda se combate até o momento com diversas medidas de saúde pública. A medida propondo o distanciamento social veio em boa hora para ajudar a manter cada um em seu canto. Entretanto, ao longo da pandemia a guerra da comunicação familiar prosseguiu com alguns momentos tensos pelo grupo de WhatsApp da família que, aliás, já perdeu a maior parte de seus participantes.
Como ninguém é de ferro e os seres humanos são gregários, uma sobrinha propôs um almoço de domingo, para um reencontro presencial de parte da família que se entende um pouco melhor. Dos 4 convidados, um não pôde comparecer porque tinha um compromisso inadiável na mesma data. A vontade de se encontrar após um distanciamento de dois anos e meio era tamanha que o encontro foi mantido assim mesmo.
O encontro na casa da sobrinha começou com a chegada simultânea de dois irmãos que são gêmeos acompanhados das suas respectivas esposas. Um pouco depois chegou sozinho o irmão mais novo.
Tudo transcorreu muito bem nas conversas amenas e animadas pelas narrativas que todos fizeram para contar como chegaram vivos até aquele encontro, inclusive com saúde mental. Apesar das perdas anteriores no convívio familiar, era visível o esforço de todos para tentar ouvir e falar respeitosamente uns aos outros e sem retrocessos civilizatórios.
Caminhando para o final do encontro chegou em casa um adolescente de 17 anos, filho mais velho da sobrinha anfitriã e, portanto, sobrinho-neto dos três irmãos presentes no evento. Ele falou um “oi” rapidamente para todos, sentou-se à mesa e começou rapidamente a operar a tela do telefone celular totalmente desligado do ambiente.
O tio mais novo não concorda com o manuseio das telas quando as pessoas estão reunidas à mesa para o café, almoço ou jantar. Ele é famoso na família pela rigorosa posição da qual nunca se arredou. Ele tentou chamar a atenção do sobrinho-neto no intuito de trazê-lo para as conversas com todos que estavam à mesa. O adolescente não se fez de rogado e continuou firme em seu foco na tela. Então o tio-avô, que sempre fez palestrinhas para fazer valer as suas posições, acabou de tomar um café, agradeceu a todos pela convivência respeitosa após tanto tempo e deixou rapidamente o local antes dos demais, temendo ter uma recaída nas posturas de outrora. Enquanto isso o sobrinho-neto prosseguiu firme na tela do celular.
Parafraseando os compositores Vinícius de Moraes e Baden Powell na música Samba Da Benção, feita em 1967, “A vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
Como se vê ainda é grande o desafio para que se prevaleça o respeito, a tolerância e a capacidade de dialogar entre as pessoas na plenitude dos conflitos geracionais e dos embalos da transformação digital.