A tia vai bem. Será?

por Luis Borges 9 de outubro de 2018   Pensata

Nesses tempos de elevado consumo de bens e serviços advindos dos diversos níveis do aceleradíssimo avanço tecnológico o mais frequente é cada um cuidar de si, preferencialmente dentro de algumas bolhas específicas, o que não é novidade para quase ninguém. Acaba sendo uma mera constatação. Mas e daí? Pode até sobrar para muitos de nós uma boa oportunidade para combater a solidão numa rede social digital ou mesmo numa relação bilateral e de maneira muito rápida pelo WhatsApp, por exemplo.

Entretanto fico pensando se além do texto, do áudio, do vídeo encaminhado, do pescoço dolorido, das ressecadas córneas dos olhos e de alguns dedos das mãos doendo se ainda é possível resgatar outras formas de contato com as pessoas, bem mais utilizadas nos tempos de outrora, com calor humano, afetividade e respeito mútuo.

Mas como fazer isso acontecer no tempo que urge sem gestão e na sobrevivência cotidiana que cobra permanentemente uma resposta em tempo real? E o pior é que ainda sobra tempo para a solidão, que os dispositivos tecnológicos não dissipam. Surge aí um espaço para reflorescer o propósito do reequilíbrio como na aurora de uma primavera que surge após longo e frio inverno. Melhor seria visitar a idosa tia solteira, irmã da finada mamãe, do que perguntar pelo WhatsApp ao irmão, ao primo ou à prima como vai a tia, se ela está bem sem necessariamente se preocupar em visitá-la ou saber se precisa de uma ajuda material ou de um pouco da presença do sobrinho que há tempos não comparece à sua casa. Até fico com a sensação de que a prevalência é da curiosidade mórbida alinhada com a necessidade de aparecer bem na fita, principalmente se da tia sobrar uma parte da herança a ser distribuída assim que seus olhos se fecharem definitivamente.

Essa menção à tia tão mais querida quanto abandonada que faço aqui pode ser considerada um exemplo genérico, mas verdadeiro, sobre nossas posturas em relação a outros parentes próximos, aos poucos amigos feitos nos tempos da universidade, inclusive na militância política estudantil, aos dois ou três colegas de trabalho que se tornaram nossos amigos ao longo de uma trajetória no serviço público, numa empresa estatal ou privada e até mesmo um vizinho de um bairro da cidade em que moramos noutros tempos. A tecnologia que pode facilitar a aproximação cada vez mais veloz entre as pessoas é a mesma que também pode facilitar o afastamento pelo excesso de acessos sem nenhuma presença física. Até o bom dia ou boa noite cotidiano no WhatsApp torna-se cansativo, frio e cada vez mais visualizado sem se prestar nenhuma atenção. É como se fosse apenas dar vazão a uma imensa ansiedade de estar ligado a qualquer coisa.

Você também tem refletido sobre o distanciamento ou mero afastamento cada vez mais frequente entre os humanos ou isso não está no foco das suas preocupações?

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