A surpreendente partida de Lídia Batista
A tarde começava a cair na terça-feira 31 de outubro quando Roberto Márcio, amigo de quase quatro décadas, me informou pelo telefone que sua esposa Lídia Batista acabara de falecer. Do início do namoro até aquele momento passaram-se 45 anos de uma permanente construção a dois que nos legou, por exemplo, os filhos Rafael e Fernanda. Fiquei surpreso e perplexo, enquanto lágrimas caíam diante de tamanha perda, por se tratar de uma amiga com quem eu e Cristina sempre cultivamos uma amizade marcada pela presença efetiva. Não se tratava de uma amizade meramente registrada em cartório, a fazer parte de um rol de amigos que nunca acham tempo para se encontrar ou polir as amizades.
Uma característica marcante do jeito Lídia de ser era a firmeza na defesa de seus pontos de vista, mas sem necessariamente querer fazê-los prevalecer de qualquer maneira. Ela sabia deixar a cena para aguardar um outro momento mais oportuno para continuar tentando construir a hegemonia daquilo em que acreditava.
Quero destacar aqui três aspectos que a passagem da amiga trouxe para a minha reflexão e imagino que para algumas outras pessoas também.
O primeiro aspecto é relativo à surpresa que o comunicado do falecimento causou às pessoas do seu convívio pessoal e profissional em diferentes épocas. Ouvi gente perguntando por que ninguém, exceto sua família, soube o que estava acontecendo nos últimos meses em relação à sua saúde. Entendi perfeitamente a diretriz dada pela amiga e que foi plenamente cumprida pela família. Dá para imaginar a energia que foi poupada por não ter sido necessário ficar divulgando boletins médicos ou respondendo às mensagens de WhatsApp, tanto das pessoas solidárias quanto daquelas que só querem saber da novidade do último minuto. Realmente tudo é muito cansativo, principalmente num momento que exige muita temperança e conservação de energia para o enfrentamento da adversidade.
O segundo aspecto a destacar é sobre o posicionamento que as pessoas têm hoje em relação à destinação de seus corpos após o óbito. No caso de Lídia Batista a opção foi pela cremação e colocação das cinzas no jazigo da família. Essa decisão acaba suscitando uma pergunta que vai se tornando cada vez mais frequente com o passar do tempo: quando for a sua hora você vai querer o “forno” ou as bactérias para fazer a decomposição de seu corpo? Pelo que percebo a via bacteriana é a que mais prevalece, inclusive sob o argumento de ser um caminho natural. Eu continuo optando pela cremação com as cinzas sendo lançadas no Rio São Francisco.
O último aspecto é a constatação de que é cada vez maior o número de pessoas afirmando que só estão encontrando os amigos em velórios e com frequência cada vez maior, pois o seu universo de amizades tem muita gente na faixa dos 60 anos ou mais. Vale realçar o discurso de muitos dizendo que “é preciso fazer um encontro da turma enquanto há tempo”. Aliás, ouço muito isso também em festas de aniversário de nascimento de alguns dessa mesma turma. Tanto num quanto no outro ambiente não há boas condições para se conversar mais detidamente. Acredito que o maior desafio é encontrar quem tenha a iniciativa de propor e de fazer acontecer esses encontros. A continuar só no discurso sobrará apenas o encontro no velório enquanto houver vida.
E você, o que pensa de tudo isso?