Só estamos nos encontrando em velórios
“A vida é arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”, escreveram Baden Powell e Vinícius de Moraes na música Samba da Benção, lançada em 1967.
A lembrança dessa música veio à minha mente após me encontrar com um primo em três velórios consecutivos, de pessoas da família, num curto espaço de tempo – cinco meses. Após nos cumprimentarmos ainda nas proximidades da urna mortuária do Tio querido por todos, durante a última hora do velório, e ainda bem que cheguei a tempo, ele fez, em tom de exclamação, uma sincera constatação.
“Só estamos nos encontrando em velórios de pessoas da família. Precisamos nos encontrar mais em outros momentos e ambientes diferentes desses”.
Passados quase quatro meses da ocasião, ainda não foi possível marcar um encontro espontâneo, por iniciativa de um de nós. Será que outra pessoa terá que se finar para que nos encontremos novamente?
Fico pensando porque isso está acontecendo. Será que a ida a um velório para participar do ritual de passagem de uma pessoa com quem temos algum laço de convivência é uma obrigação ou conveniência social?
Seremos vistos por quantas pessoas no tempo de permanência no local, ainda mais agora com os velórios tendo um tempo de duração bem menor? E quantas pessoas veremos antes que elas nos vejam?
Fico tentando entender as causas que nos levam a não priorizar na gestão do tempo os encontros presenciais com as pessoas que imaginamos serem nossas amigas. Prevalecem as omissões e o que precisamos é de atos. Infelizmente, faltam iniciativas que poderiam ser de mão dupla ou mesmo única para viabilizar um encontro presencial, cheio de calor humano.
Como todos se esquecem que as amizades precisam de manutenção e de polimento para se manterem disponíveis e serem usufruídas, só nos resta ter um querer maior para vencer a inércia que nos aprisiona.
Será que o encontro presencial aproveitou a pandemia da Covid-19 para quase acabar de vez? Muitas são as evidências de que ele estava minguando bem antes das medidas sanitárias adotadas.
Até quando prosseguiremos nessa toada? Para muitas pessoas é mais fácil reclamar, cobrar dos outros e se vitimizar. Só nos restará o caminho mais curto para a solidão, ancorada nos dispositivos tecnológicos, enquanto caminhamos rumo à finitude.
Ainda assim, acredito na possibilidade de mudanças diante da percepção da falta que sentimos de outras pessoas interagindo nos diferentes níveis do cotidiano.