Quanta chuva em tão pouco tempo!
Tenho a sensação de que as chuvas que caíram no final de novembro e prosseguiram firmes, quase contínuas, sem muita trégua nesse início de dezembro em Belo Horizonte e região metropolitana são a repetição de um fenômeno que parecia já ser de outrora.
Parece que faz tempo que não chovia como antigamente, por vários dias seguidos, pois nos últimos anos a prevalência foi das secas e dos efeitos dela decorrentes. Essa chuva mais intensa, que é bem-vinda e necessária apesar dos transtornos, das perdas humanas e materiais, me trouxe algumas reminiscências do convívio mais direto que tive com as chuvas na minha cidade natal de Araxá, onde morei até completar 16 anos de idade em 1970.
Lá eu caminhava e brincava nas águas da enxurrada que descia rente ao meio-fio das vias públicas junto com os irmãos, primos e colegas, sempre na clandestinidade perante os olhos de pais, mães e tios. Só mesmo um pé cortado num caco de vidro para revelar, em casa, que algo estava sendo feito. Como Araxá possuía – e ainda possui – um dos maiores índices pluviométricos por municípios em Minas Gerais, todo aquele aguaceiro caminhava para o córrego que passa pelo vale que liga o oeste ao leste da cidade. Naquele tempo ele saía de seu leito algumas vezes durante a estação chuvosa e basicamente passava no fundo das hortas das casas daquela região de onde víamos a enchente passar. Hoje ele está canalizado debaixo da pista de uma longa avenida asfaltada, mas nem sempre o canal aguenta o volume das águas que são obrigadas a alagar as pistas.
Lembro-me também que as ruas da cidade eram calçadas com pedras do tipo pé-de-moleque ou simplesmente feitas de terra batida, mas o asfaltamento começou a ser incrementado a partir de 1971.
Quando a chuva estiava um pouco era possível fazer pequenos represamentos das águas da enxurrada e até colocar barquinhos de papel desfilando no pequeno e pouco duradouro remanso, pois uma nova pancada de chuva poderia chegar a qualquer momento e levar tudo embora.
Finalizando as reminiscências não dá para esquecer das partidas de futebol de salão jogadas debaixo de chuva na quadra do colégio Dom Bosco.
Mas o que dizer de Belo Horizonte, com os seus 80 pontos de alagamentos identificados, das placas sinalizando as rotas de fugas desses locais, dos ribeirões e córregos que não cabem em seus leitos canalizados e muitos cheios de lixos e entulhos que a população mesmo joga por ali? De repente aparecem nos jornais e nas emissoras de rádio e TV o governador do estado e ministros do Governo Federal fazendo o clássico sobrevoo nas regiões mais atingidas da região metropolitana de Belo Horizonte. Enquanto o governador falava em solidariedade e apoio operacional da Defesa Civil, afirmava também que as verbas para remediar os transtornos causados viriam do Governo Federal, que é quem tem o dinheiro, cujos ministros atônitos eram fotografados tentando mostrar que estavam fazendo alguma coisa pelo povo e que tão logo seja reconhecido o estado de calamidade começará chegar algum dinheiro.
Se ainda estamos caminhando para o fim da primavera chuvosa, nos resta imaginar o quanto de chuva está por vir até que cheguem as águas de março para fechar o verão.