Quando a casa da vovó não é mais necessária

por Luis Borges 23 de março de 2021   Pensata

Celina Oliveira, 23 anos, estudante do 3º ano de medicina, mudou-se da casa de sua avó materna após 14 anos de permanência. Celina chegou lá aos 9 anos de idade juntamente com sua mãe, a administradora de empresas Juliana Souza, em função dos desdobramentos da morte traumática de seu pai, o engenheiro mecânico do setor automobilístico Telmo Oliveira, então com 40 anos de idade. A causa de sua morte foi o infarto agudo do miocárdio. Na época, ele enfrentava uma acentuada dependência do álcool e do tabaco industrializado.

A avó materna, Dona Marli Souza, à época com 70 anos de idade, ficou muito comovida com o estado emocional da filha – então com 36 anos – e também da neta. Diante disso propôs que ela retornasse para a casa dos pais com a filha. Ainda mais que lá só moravam, na época, Dona Marli e o marido Olavo Souza, que acabou vindo a óbito 2 anos depois.

Então foram acertados os parâmetros para a nova configuração da casa, inclusive os gastos financeiros. Dessas conversas participaram também os dois irmãos e uma irmã de Juliana, todos mais velhos que ela e que sempre visitam a casa, principalmente nos finais de semana.

Aos poucos as perdas foram sendo elaboradas e as coisas chegando ao seu desejável lugar. Juliana dando continuidade à sua trajetória profissional e afastando sempre qualquer possibilidade de encontrar um novo companheiro. Celina passou pela adolescência cursando o ensino fundamental e o médio com excelente aproveitamento, mas também mostrando uma forte personalidade para exigir que tudo fosse feito conforme a sua vontade. Caso contrário, as brigas com a mãe e a avó seriam certas.

Por outro lado, o tempo também passou para a avó Marli, que foi ficando mais lenta e com a memória mais fraca mas se mantendo à frente de todos os afazeres da casa como sempre fez.

Um ponto de inflexão marcante se deu quando Celina ingressou numa Faculdade de Medicina, dessas que exigem investimentos anuais de 12 parcelas mensais entorno de R$10 mil, fora livros, transporte, alimentação… Ela, que já “se achava”, passou a “se achar” ainda mais, e começou a cobrar insistentemente de sua mãe que se mudassem para um apartamento mais apresentável do que a casa de sua avó. Ela queria ter um ambiente que considerasse mais adequado para convidar amigos e colegas de faculdade para se encontrarem.

Após dois anos de muitas pressões e discussões, Juliana cedeu às exigências da filha Celina e se mudaram no início deste ano para o sonhado apartamento. Porém, no pior momento da pandemia da Covid-19. A avó Marli foi convidada para morar com elas mas recusou-se peremptoriamente. Reafirmou o desejo de ficar em sua casinha até o dia em que seus olhos se fecharem.

Agora, os filhos tentam convencê-la a aceitar a presença de cuidadoras de idosos para acompanhá-la durante as noites e de uma empregada doméstica para ajudá-la nos serviços da casa durante o dia.

E a vida segue nas duas casas, no pior momento da pandemia.

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