Pelejando com um negócio próprio
O engenheiro civil e sanitarista Décio Gonçalves, 54 anos, casado, 2 filhos solteiros, trabalha há quase 30 anos no serviço autônomo de água e esgoto de um município do interior de Minas Gerais, na bacia hidrográfica do Rio Grande. A esposa é professora do ensino fundamental na rede estadual e os filhos estão prestes a concluir o curso de Engenharia Agronômica numa Universidade Federal do estado.
Com o passar do tempo o engenheiro Décio foi se comprometendo cada vez mais com seu trabalho, sempre atualizando os conhecimentos técnicos específicos e também se sentindo confortável com a estabilidade de um servidor municipal concursado. Para ele ficou claro que um dia chegaria a hora de se aposentar por ali mesmo. Desde o início da carreira profissional ele estabeleceu a meta de poupar 15% dos rendimentos mensais, sempre colocados em aplicações financeiras conservadoras.
Há 5 anos Décio ficou muito incomodado e preocupado com a “falação” sobre a Reforma da Previdência Social. Pensou muito em obter uma renda para complementar os proventos vindos da aposentadoria e também numa atividade suficiente para não deixá-lo sentado nos aposentos, ou seja, “apo-sentado”. Foi aí que surgiu a ideia de ter um pequeno negócio próprio, no qual aplicaria a metade dos recursos financeiros até então acumulados. Dois anos depois conseguiu comprar uma fazendinha distante 30 km do perímetro urbano. O lugar tem bom acesso, instalações físicas em razoável estado de conservação, água em quantidade e qualidade adequadas. A propriedade adquirida mede 3 alqueires – 14,4 hectares – algo em torno de 150 mil metros quadrados.
Hoje ele se ressente por não ter feito o passo-a-passo de um plano de negócios documentado e ter apressado tudo em função da ansiedade e se esquecendo que estava arriscando seu próprio dinheiro. Assim, cada dia desses três últimos anos tem sido uma peleja para fazer as coisas acontecerem diante de tantos problemas que surgem. A começar por ele mesmo, que só pode ir ao local nos finais de semana e feriados, pois ainda não se aposentou.
Ele possui 30 cabeças de gado bovino, das quais 10 são vacas leiteiras cujo leite se destina a produção de queijo artesanal, não certificado. Nesse momento, os custos da ração estão pesando muito – mais que dobraram – e não dá para repassar quase nada ao preço pago pelos clientes.
Mas a maior dificuldade mesmo está na rotatividade dos profissionais para trabalhar na função de caseiro e de auxiliar de caseiro, que são fundamentais para operar bem o dia-a-dia. Até agora ninguém chegou a completar um ano no trabalho, mesmo recebendo salários e benefícios competitivos no mercado regional. Um dado interessante é a baixa escolaridade de todos, pois a maioria não conseguiu cursar além da primeira metade do ensino fundamental, e a idade deles varia na faixa de 30 a 40 anos. Mesmo eles sendo treinados em procedimentos operacionais padrão, escritos ou verbais, é grande a dificuldade que sentem para colocá-los em prática. Eles querem fazer tudo do jeito que já conhecem e são muito resistentes a outras práticas que podem ser melhores ou mais eficientes.
Décio não conseguiu mais poupar os 15% dos seus rendimentos mensais, que têm sido direcionados ao negócio. Às vezes ele pensa em “chutar o balde” diante da análise mensal das contas que não fecham, das raivas que tem passado, das surpresas ruins como a morte de uma vaca, os ovos de galinha que não aparecem, ou do uso “recreativo” da cachaça, por exemplo. Mas quando pensa na vida depois da aposentadoria ele ainda acredita que tudo vai melhorar quando for possível a sua presença diária na operação do negócio.