*por Sérgio Marchetti
Nestes tempos obscuros de pânico causado pelas pessoas – mais do que pela pandemia – resolvi voltar para mim, como cantava Geraldo Vandré, e me recolher num ambiente rural, distante do ambiente tóxico das grandes cidades. Com o passar dos dias, pude perceber e sentir “a insustentável leveza do ser”, sentimento este, que serviu de título a uma obra de Milan Kundera.
Confesso que, a cada dia, o verde me parece mais verde, mais belo e as cerejeiras, fazendo par com as camélias (que não caíram do galho), completam o quadro com um colorido perfeito. De repente, redescubro valores que já não faziam parte de minha vida. É como se, ontem, eu olhasse para uma paisagem com “minhas retinas tão fatigadas”(C.D.A.) e já não percebesse suas nuances. Mas, gradativamente, em descanso, meus olhos começaram a ver o que já não viam e percebo a beleza de um dia de sol, com uma relva molhada e pássaros cantando. E, assim, já me desintoxicando da poluição mental, vejo o que estava tão claro, e o que minha lente embaçada me impedia de enxergar. Ouço o som do silêncio, a manifestação dos bichos – coisa que meus ouvidos já não identificavam. Tenho a liberdade de caminhar pela estrada de terra, respirando o ar puro sem contaminação de vírus. Coisa rara. Riqueza incomensurável.
Sabem, meus críticos leitores, eu aprendi que depois de algum tempo, mesmo que os olhos fraquejem, a gente amplia a visão e vê o mapa por inteiro e, ainda, descobre que há outros mundos neste mundo. E que corremos muito e sem saber o porquê. *“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Também, em descanso, damos vez ao espírito que, na roça, é mais presente do que o corpo. Diminui-se a vaidade e passam a ter outros valores. Lá *“o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada”. E a vida nos revela um novo lugar que pode ser a nossa Shangri-lá, num horizonte perdido, como escreveu James Hilton, ou na Pasárgada de Manuel Bandeira.
Falando em Bandeira e, diante de todas estas reflexões, acho que “vou-me embora pra Pasárgada”, definitivamente. Lá não tem Market Share, nem competição. Não tem Mindset, apenas modelos mentais. As pessoas contam causos, mas nada de storytelling. E não tem essa coisa de background. Tem sim experiência de vida e segredos de “veiacaria”. E, como cantou Martinho da Vila “Je ne sais pás parle français/ Também não falo português/ Meu idioma é o brasileiro…”
E como é bom falar a nossa língua com desenvoltura e do nosso jeitinho diminuto de colocar as palavras. No sertão das Minas Gerais, a língua é o mineirês, e quase tudo a gente entende. E eles não têm o hábito de atazaná a vida do outro. Diante de uma boa prosa, ninguém arreda pé. Tem também muita lubrina e cai geada no inverno. Mas é bom demais da conta. Eles só não gostam de gente xexelenta e entojada.
Dizem os estudiosos e os que possuem bola de cristal que o êxodo, agora, será urbano. No novo mundo, pós-pandemia, as pessoas devem fazer o caminho inverso, buscar mais sossego, já que poderão trabalhar à distância. As cidades do litoral e propriedades rurais poderão ser o destino de muitos trabalhadores. Com o distanciamento social descobrimos que podemos prescindir de escritórios, de idas e vindas diárias para trabalhar e que, de nossas casas, poderemos realizar nossas tarefas com a mesma eficiência. Então… concluímos, a vida é um caminhar com muitas possibilidades que só não se realizam em larga escala porque a acomodação é característica do ser humano.
*“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”
*Guimarães Rosa
* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.