O social no velório
Segundo a definição do Dicionário Informal, social é:
aquilo que pressupõe relações, sociabilidade, abarcando relacionamentos, sentimentos, modos de ser, de estar, de agir e de se manifestar. Aplica-se mais às interações humanas significativas para os sujeitos.
Ainda segundo a mesma fonte, velório é:
uma cerimônia fúnebre em que o caixão do falecido é posto em exposição pública para permitir que parentes, amigos e outros interessados possam honrar a memória do defunto antes do sepultamento.
Busquei essas definições após ouvir o depoimento de um amigo, que ficou estarrecido com as cenas que presenciou na última hora de um velório. Ele chegou ao Cemitério Parque por volta das 16h da última terça-feira, acompanhando uma amiga que foi ao local se despedir de um colega de trabalho de 58 anos de idade cuja morte foi causada por infarto agudo do miocárdio. Naquele momento estavam no local aproximadamente 60 pessoas, entre elas a ex-esposa, engenheira civil, e os dois filhos do casal de outrora. A urna estava lacrada atendendo a um desejo do morto, que não queria que seu corpo inerte fosse visto nessa ocasião.
Ao longo do salão e no hall de entrada parentes e amigos conversavam animadamente, dando a sensação de que o morto foi apenas o pretexto para aquele encontro e não para a dolorida homenagem póstuma. Muitos recebiam e outros enviavam mensagens pelo celular e, assim, todos os grupos se mantinham atualizados pelas redes também sociais.
Próximo à porta de entrada, um senhor que dizia ser um dos 14 irmãos do morto, já que seu pai se casara três vezes, falava animadamente de sua fazenda em Lagoa Dourada e enaltecia a falta de chuvas que está facilitando o acesso ao local. Do lado oposto, um pequeno grupo falava do preenchimento de cargos no segundo escalão do Governo de Minas Gerais enquanto, logo depois da entrada, três pessoas discutiam animadamente questões de início de temporada ligadas aos times de futebol de Cruzeiro, Atlético e América.
É claro que enquanto o tempo passava ainda chegavam alguns retardatários e lá fora a turma do tabaco industrializado cuidava do oficio enquanto outros davam um pulo até a lanchonete.
Enquanto a sensação térmica realçava o intenso calor desse início de ano e as animadas conversas prosseguiam, muitos sequer perceberam que a hora final chegou. Alguns se justificariam depois alegando que não houve nenhuma cerimônia religiosa. Explica, mas não justifica, pois os operários do cemitério fizeram boa movimentação ao colocar a urna e as coroas de flores no carrinho fúnebre, que partiu pontualmente na hora marcada rumo ao jazigo.
Quando nada, segundo meu amigo, foi engraçado ver a reação das pessoas ao perceber, com a redução do alarido, que o cortejo já havia partido. Os últimos retardatários deixaram o local no momento em que o grupo da limpeza já começava a trabalhar no local. Um deles disse que o próximo “cliente” chegaria às 18h.
Meu amigo, estarrecido, não acompanhou o cortejo devido a um desconforto nos joelhos e aguardou sua amiga no hall de entrada. Após o seu relato fiquei imaginando como será o ambiente do meu velório e se haverá muita água no rio São Francisco para receber as minhas cinzas na região de Bom Despacho, onde ele cruza a BR-262.
E você já parou para pensar no seu caso? Em função do que você já semeou, será que é possível estimar quantas pessoas comparecerão à sua cerimônia de despedida?
Tem parente que se vê somente em festa glamorosa (paga por outrem, é claro) ou enterro de algum ente querido (ou melhor, de seu interesse querido). Sobre o Rios São Francisco, acho bom torcer para chover, a situação ainda é crítica. Falando sobre nosso destino final, se puderem fazer uma festa de arromba com meu caixão em pé, prometo não assombrar ninguém. Ítalo, o bondespachense.
Prezado Ítalo,
Espero estar presente em sua festa de arromba, na certeza de que você nos assombrará apenas com as lembranças dos momentos em que convivemos e pelo conjunto da sua obra. Espero também que nesse dia o rio São Francisco esteja com muita água pois, afinal, água é vida.
Um abraço
Luis Borges
Esse comportamento em velorios e enterros demonstra nossa grande dificuldade em lidar com aquilo que é igual e inevitável para todos nós; nos identificamos com o falecido e então precisamos lançar mão de negação perante essa angustia. Precisamos falar, ler e buscar mais o assunto Morte, para assim “nos prepararmos” para o unico evento que certamente acontecerá na vida de todos nós…. Existe uma literatura que faz muitos anos uso para mim mesma e todos que se interessam ou precisam: Dr Evaldo D’Assumpção, medico de Belo Horizonte, tanatologo e escritor, recentemente aposentado e agora residindo na Praia de Castelhanos no Espirito Santo tem muitos livros publicados sobre esse assunto, inclusive o luto. Conheçam seu trabalho maravilhoso no SITE http://www.nucleofenix.com/. Nada de morbido em seus textos, mas com certeza passamos a viver melhor, dando prioridade aquilo que é essencial e na verdade a dor da perda só se conhece quem já passou por ela e não tem como se prevenir e nem ficamos vacinados, mas precisamos respeitar esse momento que é carregado de tristeza, misterio buscando compreender um pouco.
Afetuosamente,
Genoveva
Prezada Genoveva,
Obrigado pela sua manifestação, com a qual concordo plenamente. O Dr. Evaldo d’Assumpção é um tanatólogo de referência, com o qual ainda tenho muito a aprender.
Espero também que a distanásia e a ortotanásia sejam bem mais discutidas em função da desesperada busca de prolongamento da vida, quando ela já não tem qualidade. Também fico incomodado com a maneira que se aborda ou se omite o suicídio das pessoas no Brasil.
Atenuar o nosso despreparo para morte continua sendo um grande desafio, mas é possível.
Um abraço,
Luis Borges