O relâmpago alvinegro

por Luis Borges 4 de agosto de 2014   Futebol

Por Igor Costoli

Texto publicado primeiro no site Impedimento

Não me recordo a primeira vez que eu ouvi falar em “lazy genious”, mas nunca me esqueci do primeiro a usá-lo para descrever Ronaldinho Gaúcho. A expressão é muito usada nos EUA para falar de um talento capaz de ir muito além – mas que não vai.

A expressão me atingiu com força na semana passada, que foi de nostalgia e despedida. E não é exatamente fácil de explicar. Duas vezes eleito melhor do mundo, campeão da Libertadores, Copa do Mundo, Champions League etc. Afinal, ele precisava de mais o quê?

E não é questão de precisar. Mas Ronaldinho não é apenas um cara que conquistou tudo. É um jogador que conquistou tudo e deixou a sensação de que foi POUCO. O que nos leva a outro R, aquele da camisa 11, que chegou a confessar que teria sido mais eficiente e longevo se fosse mais atleta, mas não teria sido mais feliz.

Ronaldinho Gaúcho na mesa da coletiva ao lado do galo de prata

Ronaldinho Gaúcho em sua despedida do Galo. Foto: Site do Atlético MG / Bruno Cantini

A felicidade de Ronaldinho não parece estar no campo, na bebida, em festas ou nas mulheres. Ela está em todas essas coisas, mas não ao mesmo tempo e nunca por tempo demais em uma delas. Quando nos acostumávamos a achar que seu foco estava no gramado, já havia migrado para as mulheres. Quando pensávamos que “agora ele se aposenta e vai viver só de gandaia”, novo engano, e o encanto com a bola reaparece.

Creio que estive presente em 90% dos jogos que R10 fez em casa pelo Atlético. Fiz questão de rever os lances de todos, online ou pela TV. Era impossível se cansar de vê-lo em campo, porque não se tratava apenas do que ele é capaz de fazer, mas também do que é capaz de fazer parecer – que é fácil.

Do mesmo modo, dizer que Ronaldinho era o símbolo desse Atlético não é apenas muleta para redigir matéria. É visível que ele trouxe ao grupo segurança e confiança, mas também um pouco de sua empáfia e, porque não dizer, PACHORRA. Na Libertadores, a frase “quando tá valendo, tá valendo” ficou famosa nos confrontos com o São Paulo, mas não era apenas provocação. Na campanha do vice no Brasileirão/2012, o Galo foi o maior vencedor de confrontos diretos contra os outros 12 grandes do país. O campeão Fluminense era apenas o terceiro nesse “campeonato de clássicos”. A larga diferença na pontuação final, óbvio, estava no desempenho contra os pequenos.

Por isso será conveniente para muitos associar a saída de Ronaldinho à chegada da Levir Culpi. A pressão fará bem a esse elenco, que precisa parar de jogar para o gasto, nesse eterno resolver em casa e se poupar fora, como se ainda estivesse à espera de outro torneio. O time precisa de uma chacoalhada, e o escudo de proteção se despediu semana passada, numa coletiva estranha. O tom era de respeito, amor, saudade, mas qual o motivo da separação? Ninguém perguntou direito, ninguém respondeu direito.

O problema de R10 é essa função seno que é sua carreira, a REGULARIDADE com que sua curva é feita de altos e, inevitavelmente, de baixos. Por isso, o momento deve ser de saudade, de evocar lembranças, mas não de tristeza. O melhor que poderia acontecer a Ronaldo e Atlético é esta separação, sem traumas, ainda que com gosto de precoce. Pois nem torcida nem jogador mereciam, depois de tudo, passar pelo calvário que foram as saídas de Grêmio, Flamengo e Milan.

Não. A exemplo do que aconteceu no Barcelona, Galo e R49/10 se despedem amigos, vitoriosos, ambos maiores do que quando iniciaram juntos a caminhada.

O documentário “R49 – O Meteoro Atleticano” tem um bom nome, mas não me parece a metáfora perfeita. Ronaldinho está mais para um relâmpago: imprevisível, fascinante, uma força que faz enorme barulho. Mas efêmero. Ainda estamos ouvindo o eco do ruído e com a memória de um flash rasgando os céus, e a verdade é que já não há mais qualquer sinal de sua existência, apenas o rastro deixado no local que atingiu.

Olhemos para as referências de hoje e veremos astros regulares. O extremamente focado Messi, o obcecado em bater recordes Cristiano Ronaldo. Fica mais fácil perceber a preguiça do Gaúcho diante dos desafios, mas também fica claro entender porque o admiramos tanto. Ele está no mesmo patamar dos dois, e de outros grandes da história, sem sequer ter se esforçado direito. E isso números não mostram. R10 não é Batman nem Superman, ele é nosso Tony Stark – é o que gostamos nele.

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