No “passa um” não passa mais ninguém
Os engenheiros eletricistas Pedrinho Augusto e Marinho Teles se conheceram no ano em que ingressaram na universidade. A condição de colegas acabou substituída ao longo do curso pela de amigos, que coincidentemente foram trabalhar numa mesma empresa do setor energético logo após a formatura. A vida pessoal e profissional dos dois amigos teve seu curso dentro das expectativas de ascensão social e sucesso dignas dos sonhos e propósitos da classe média. Tudo seguiu muito bem e tranquilamente num feliz convívio entre as famílias dos dois engenheiros.
O tempo passou e chegou a hora dos dois terem direito à aposentadoria pelo INSS acompanhada pelo plano de previdência complementar. Era dezembro de 2013 e ambos completavam 35 anos de trabalho ininterrupto na mesma empresa. A decisão de se aposentar foi imediata, em função da missão cumprida e de um certo cansaço acumulado na jornada. Mas, aos 60 anos, os dois amigos concluíram que era chegada a hora de realizar um sonho acalentado nos últimos anos de trabalho formal – a aquisição de uma pequena propriedade rural em que pudessem ser vizinhos.
Passados 11 meses lá estavam eles na zona rural de um município da região metropolitana de Belo Horizonte, cada um com os seus 5.000 m² de terra separados por uma cerca de arame farpado. Para que as famílias se visitassem sem ter que ir até a estrada de terra que dá acesso às entradas de cada propriedade, decidiram construir o “passa um” na cerca bem em frente às casas que ficam na parte central de cada minifúndio. Vale lembrar que “passa um” é um dispositivo de madeira colocado para interromper a cerca e permitir a passagem de uma pessoa de cada vez de um lado para o outro. Passaram-se pouco mais de 2 anos de muita harmonia e cooperação na convivência das duas famílias, sempre encurtando o caminho através do “passa um”.
Entretanto lá num belo sábado de março de 2017 aconteceu um confronto inesperado, mas típico da intolerância de quem não sabe conviver com pensamentos diferentes e cada um ainda quer impor ao outro a prevalência de sua fala. Protagonizaram a cena a filha mais nova de Pedrinho Augusto e a esposa de Marinho Teles. A causa do confronto ficou por conta de posições polarizadas a partir das eleições para a Presidência da República em 2014 e o impeachment da vencedora do pleito em 2016. A discussão ficou tão acirrada que tudo acabou em raiva e ódio. Como tudo aconteceu na casa de Marinho Teles, assim que o acirrado bate boca terminou a filha de Pedrinho Augusto deixou o local inconformada. Por outro lado, a esposa de Marinho Teles não se fez de rogada e de maneira intempestiva exigiu que seu marido fechasse unilateralmente o “passa um” e que se rompesse a amizade que sempre existiu entre os dois amigos e também entre suas famílias. A exigência foi imediatamente cumprida e a longa amizade chegou ao fim com um desfecho jamais imaginado. Agora as pessoas das duas famílias se evitam ao máximo ou viram a cara para outro lado quando se cruzam inadvertidamente.
Passados um ano e 3 meses do impensável desfecho, e sem nenhum sinal de qualquer possibilidade de retomada da antiga amizade em novas bases, Pedrinho Augusto prossegue procurando um comprador para a sua propriedade, pois sente que o seu coração já não está mais ali e nem o de sua família. Ele espera concretizar algum negócio antes das eleições presidenciais de outubro próximo.