No anonimato de tragédias caseiras
Passados 30 dias da tragédia causada pela ruptura da barragem de rejeitos da mina de Córrego do Feijão, pertencente à Vale no município de Brumadinho-MG, vão ficando claras as causas que geraram o acontecimento e as trágicas consequências para as pessoas que agora lutam para sobreviver numa correlação de forças muito desfavorável. Tudo nos choca, assusta e revolta quando nos colocamos no lugar das vítimas diretas no estrago enorme deixado para a comunidade e a natureza.
Partindo dessa percepção meu ponto aqui é propor uma observação e análise sobre as condições em que nós e nossas famílias estamos vivendo cotidianamente em nossos lares, nos aspectos ligados à tecnologia, segurança e manutenção das instalações e bens que utilizamos. Frequentemente ficamos sabendo de alguma tragédia anônima que aconteceu com alguém de nossa rede ou bolha, vizinhos, isso sem esquecer do que acontece também em nossos próprios lares cujo porte varia em média na faixa de 40m² a 120m². Já as consequências sobram para cada indivíduo ou grupo familiar, por exemplo, e são cada vez mais difíceis de serem terceirizadas para o Estado e seus governantes ou a uma entidade filantrópica do terceiro setor.
De repente alguém pisou em falso na escada sem corrimão, o corpo se estatelou no chão e a sequela gerou mais um paraplégico. Se pensarmos nas pessoas idosas dá para lembrar que existem levantamentos mostrando que cerca de 70% de suas quedas acontecem dentro de casa. E quais são as causas? Pode ser um escorregão no tapete colocado na entrada da sala sobre o piso bem encerado e brilhante. Pode ser também um tropeção oriundo de uma gambiarra que gerou um emaranhado de fios e cabos espalhados em meio a uma quantidade de móveis entupindo os espaços. Vale lembrar também a queda de uma senhora de 65 anos que subiu numa cadeira para abrir um armário instalado próximo ao teto de sua cozinha. Ela se desequilibrou e caiu batendo a cabeça no piso. Após um semana na no hospital veio a óbito. Também tem o caso de um pequeno edifício de três andares com dois apartamentos por andar, inaugurado há um ano, que teve seu telhado arrancado numa dessas fortes chuvas com ventos de até 50km/h e que levou junto as placas do sistema de aquecimento solar. Faltou qualidade no projeto, na especificação dos materiais, na construção do edifício ou um pouco de tudo? O que dizer de outro edifício de pequeno porte em que a falta de manutenção do telhado impediu que fossem vistas as folhas entupindo as calhas e o resultado foi a água descendo pelas lajes e paredes dos apartamentos de cima abaixo? Para completar um raio caiu numa casa sem pára-raios e por onde passou deixou uma série de equipamentos danificados. Ainda bem que ninguém estava lá dentro naquele momento.
É claro que cada leitor pode se lembrar de inúmeros exemplos ilustrativos do quanto que ainda é frágil a nossa cultura no que tange a dar prioridade máxima aos aspectos de segurança, que a manutenção preventiva e preditiva tem que ser gerenciada continuamente e que tecnologias baratas não resistem a uma análise mínima de benefício e custo.
E a gente vai levando e pagando o pato no anonimato da tragédia pessoal e familiar com dinheiro curto, pouco chão para dar firmeza, tristeza, angústia e a certeza de que sobrou para cada um dos envolvidos encontrar forças para dar a volta por cima. É cada um carregando a sua própria tragédia com a dimensão e o significado que ela traz.