Não quero passar pelo que o colega passou
Estou registrando e relembrando o primeiro ano do falecimento de um colega de aula, dos tempos em que o ensino de segundo grau, hoje ensino médio, tinha o curso cientifico, o clássico, o normal e o técnico. O tempo lógico do luto pela perda já passou, mas me veio à memória que anteontem, dia 20 de março, ele teria completado 63 anos de idade enquanto o Verão partia e o Outono chegava. Ele era um típico mineiro que se formou em matemática e tornou-se um excelente professor da matéria em sua carreira profissional. Seu bom humor era notório, quase permanente, e muito lhe ajudava na arte de combater o mito de que a matemática é algo muito difícil. A amizade cultivada naqueles tempos continuou existindo muito mais pela qualidade dos encontros do que pela quantidade em função da “correria louca” para a qual a vida nos empurra e que muitas vezes nem percebemos direito, porque não dá tempo.
Acontece que há aproximadamente 3 anos o colega foi diagnosticado com sérios problemas pulmonares. Os prognósticos foram muito sombrios e a projeção do tempo de vida que lhe restaria foi bastante encurtada. Em seguida entrou em ação a obstinação terapêutica da medicina curativa, que acredita piamente que há sempre uma possibilidade de cura em função do conhecimento técnico-cientifico disponível. Enquanto o tempo passava o colega enfrentava com muita garra todos os procedimentos determinados até chegar à quimioterapia, período em que já se encontrava afastado das salas de aula, mas para as quais mantinha a esperança de voltar um dia. Afinal de contas sua crença era na educação como a base de tudo.
Algum tempo depois os efeitos colaterais da quimioterapia causaram hemorragias e a dificuldade respiratória tornou cada vez mais visível a perda de condições funcionais. Daí para a UTI de um grande hospital geral foi um passo. Médicos intensivistas extremamente obstinados e focados na obtenção de um resultado decidiram entubar o colega, mas não o sedaram. Ele não se conformou com aquela parafernália e tentou removê-la, mas teve suas mãos amarradas à cama para que nada atrapalhasse o processo de respiração forçada. Enquanto o quadro geral piorava e surgiam mais hemorragias finalmente os intensivistas resolveram sedá-lo. Veio uma traqueostomia, o inchaço do corpo, mais febres e o declínio acentuado da pressão arterial. Após 16 dias de UTI o sofrimento finalmente cessou, mostrando que boa parte dos procedimentos adotados eram desnecessários. Bastaria, a meu ver, a adoção dos cuidados paliativos em suas várias dimensões. Tudo seria mais breve, sem o sofrimento físico tão desnecessário em função das possibilidades da analgesia. O importante seria reconhecer a finitude da vida diante de um quadro terminal que a cada instante se tornava mais explícito.
Nascer, morrer, renascer (para quem acredita) é o processo de nossas vidas que ainda não foi revogado.