Missão sem transparência
A corrupção no Brasil está em altíssima evidência e discussão em função de seguidas revelações nas últimas duas décadas, com maior expressividade e volume notadamente a partir de 2014. São frequentes as afirmações que dizem ser a corrupção mais velha que a serra, que ela está impregnada na cultura do país ou mesmo que faz parte da índole de políticos e seus partidos financiados por tenebrosas transações nada republicanas.
As relações entre o público e o privado se complementam em profícuas ações de seus agentes nos papéis de corruptos, corruptores e beneficiários dos resultados alcançados. Se nos altos escalões estão as grandes corrupções, raramente percebidas por auditorias e tribunais de contas, o que pensar das pequenas corrupções, que começam a vir à tona no microcosmos do cotidiano das pessoas? Qual é o impacto que tudo isso acaba trazendo às relações sociais de muitos daqueles que não se sentem em condições de mostrar os desmandos que vêem em seus locais de trabalho em função da sobrevivência imediata?
Fiquei sabendo de um caso que pode ilustrar um pouco uma situação dessa natureza. Trata-se de um grupo de pessoas católicas que realizam missões de evangelização em distritos de pequenos municípios. O trabalho começou há mais de 15 anos, com a participação de 80 missionários. Eles saíam da capital em dois ônibus, gentilmente cedidos pelo proprietário de uma grande empresa do setor, rumo às cidades escolhidas. Havia duas viagens por ano – na Semana Santa e na semana que antecede o dia da Padroeira do Brasil.
A cessão dos ônibus só era conhecida, inicialmente, pelo coordenador da missão, por seu assistente imediato e pelo gerente comercial da empresa. Mesmo assim, nos últimos cinco anos cada missionário pagava R$180,00 pelo transporte e R$30,00 pelo lanche a bordo do ônibus. Cada missionário levava, também, uma cesta básica para a família que o hospedava.
Durante a preparação para a primeira viagem do ano passado, um dos participantes ficou sabendo do caráter gratuito do ônibus ao longo de todos os anos de existência da missão. A informação espalhou-se rapidamente pelo grupo, mas ninguém se dispôs a questionar o coordenador, nem individualmente e nem em grupo. Os mais revoltados decidiram abandonar a missão já naquele momento. Outros fizeram o mesmo no segundo semestre.
O fato é que na Semana Santa deste ano, apenas 20 pessoas participaram da missão e, como que por encanto, não tiveram que pagar os R$180,00 da passagem. Entre os remanescentes do grupo circulou a informação de que o coordenador está à procura de doações vindas de outras empresas de boa vontade. Entretanto como nada foi perguntado, nada foi explicado sobre o destino dado ao dinheiro arrecadado ao longo de todo esse tempo, apesar da fértil imaginação de muitos. Aliás, o que mais se fala nesse momento é colocar uma pedra sobre o passado e tentar começar uma vida nova, com o grupo passando a ser dirigido por uma comissão de 4 pessoas, sem a presença do coordenador, mas contando com a participação do atual assistente.
Como se vê não é nada muito diferente do que acontece em outros escalões da República. A cultura é muito forte.