“Ele é assim mesmo”
O professor universitário Naldo Teles aposentou-se em 2016 e colocou em prática um propósito há muito acalentado. Mudou-se com a esposa para uma pequena propriedade, em um distrito de um município a cerca de 100km de Belo Horizonte. Para trás ficou o tempo em que morou em apartamentos de cinco diferentes bairros da capital. Rapidamente ocorreu um bom entrosamento com boa parte dos moradores do local, que lutam permanentemente pela preservação da cultura e da arte características da região. E nesse conhece um daqui, aproxima-se mais de outro ali, Naldo, sempre comunicativo foi se mostrando solícito e disponível para atos solidários com os seus novos vizinhos. Logo ele, que sempre foi e é um construtivista no campo social.
Como ele possui uma caminhonete com a qual se desloca até Belo Horizonte para levar ou trazer de lá algum bem, quando necessário, acaba também ajudando algum vizinho com necessidades semelhantes.
Mas como as pessoas possuem diferente níveis de compreensão quanto ao que é combinado em relação a eventos de qualquer natureza, de vez em quando acontecem coisas que deixam visíveis o desconforto e o constrangimento entre as partes envolvidas nessa espécie de camaradagem.
Aconteceu recentemente o atendimento de um pedido feito por Dona Brígida, uma das primeiras pessoas a se aproximar do professor e sua família quando se mudaram para a propriedade. Tratava-se do transporte de um móvel de madeira, do tipo cômoda, contendo 4 gavetas e vidro grosso na superfície, para ser entregue em Belo Horizonte na residência de Valquíria, uma ex-companheira de seu filho Amílcar. Ele tem 41 anos, é servidor público municipal, tem dois cachorros, dois gatos e mora num pequeno barracão no lote em que está construída a casa da mãe.
Quando surgiu a oportunidade para atender a solicitação feita pela vizinha, o professor Naldo disse a ela numa segunda-feira que partiria para Belo Horizonte às 9 horas do próximo sábado. Disse também que aguardaria seu filho para pegar a caminhonete e nela colocar o móvel na carroceria até, no máximo, a hora do almoço da sexta-feira.
Como nada aconteceu dentro do prazo acertado e, segundo o professor “o que é combinado não é caro”, ele procurou Dona Brígida no início da noite e cobrou dela a falta de iniciativa de seu filho para cumprir o que foi planejado. Diante da firmeza do professor dizendo que a falta de atitude do filho dela estava causando transtornos para a execução do plano de ação, ela justificou dizendo que “ele é assim mesmo” e que tinha ido namorar naquela noite. Disse também que cuida até dos gatos e cachorros dele e pediu uma tolerância até o início da manhã seguinte para o filho resolver o problema.
Faltando meia hora para o início da viagem, Amílcar pegou a caminhonete com o professor e foi em casa colocar o móvel em sua carroceria. Assim, a viagem começou com apenas 20 minutos de atraso. O professor entregou a encomenda no endereço combinado e, no final da tarde retornou para a propriedade. Só ao chegar em casa que percebeu que a tampa de vidro do móvel, embalada num tecido, não tinha sido retirada da caminhonete e acabou se quebrando no caminho de volta. Aí ele solicitou ao filho da vizinha que retirasse os pedaços do vidro quebrado de sua carroceria.
Sabedor de que “ele é assim mesmo” o professor esperou pacientemente até a quarta-feira seguinte, quando Amílcar finalmente retirou os resíduos da caminhonete e pediu para o professor não ficar de mal dele pelo que aconteceu.
Agora o professor Naldo está pensando em como proceder quando algum outro vizinho solicitar algo semelhante, pois não quer ser punido por acreditar nas pessoas e sempre cumprir o que é combinado. Porém ele tem afirmado que “se as pessoas não mudam, mudo eu”. Será fácil?