O adiamento das eleições municipais deste ano foi apenas mais uma das muitas conseqüências da epidemia da Covid-19. Pensou-se até na prorrogação dos mandatos de prefeitos, vices e vereadores para 2022 e assim poderia ocorrer a coincidência com os mandatos estaduais e federais. Olhando para a conjuntura e o pouco visível horizonte próximo, digamos até 15 de novembro, o fato é que faltam apenas 95 dias para a realização do 1º turno das eleições.

Sempre chego a essas ocasiões com uma boa expectativa de renovação entre os que serão eleitos a partir de um nível mínimo de propostas consistentes, estruturadas e defensáveis numa sociedade democrática. O processo eleitoral será curto e exigirá dos candidatos uma enorme capacidade de comunicação com os eleitores, notadamente por meio digital. Sempre tenho a esperança de que a verdade prevalecerá, mas sei que o ambiente polarizado e radicalizado politicamente torna as coisas menos civilizadas, o que abre espaço para o desrespeito, o ódio e as notícias falsas.

Por outro lado devemos nos lembrar que mesmo com muitas críticas à atuação de prefeitos e vereadores é nos municípios que as pessoas vivem, e é neles que as coisas acontecem da moradia ao trabalho, da educação à saúde, da segurança ao lazer… Esse momento eleitoral é mais uma oportunidade para discutir os problemas locais, suas causas e conseqüências.

Porém por mais que o contexto seja local não dá para deixar de lado os grandes problemas nacionais e estaduais que impactam de maneira permanente a vida dos municípios que são partes integrantes do pacto federativo. Dá para imaginar os municípios sem a garantia de renda mínima para as pessoas vulneráveis após a pandemia?

Mesmo com toda essa crise econômica e social, já que a política é permanente, tenho algumas sugestões que podem nos ajudar a ter um posicionamento mais fundamentado no conhecimento na hora de fazer as escolhas na urna eleitoral.

Tente se lembrar em quem você votou nas últimas eleições para prefeito e vereador. Quais eram os seus partidos políticos e com quem eles se coligaram na ocasião? Do programa eleitoral apresentado o que foi efetivamente realizado e o que ficou para depois ou por isso mesmo?

Outra sugestão é para que as pessoas listem as coisas com as quais não admitem mais conviver. Por exemplo, a falta de transparência nas comunicações, a ausência de um modelo de gestão na condução dos negócios públicos, as mesmas enchentes que se repetem anualmente, a precariedade das vias públicas, o descompromisso com a saúde e educação, a imobilidade urbana…

Você já tem se deparado com alguns pré-candidatos em suas redes? Eles já estão mostrando suas propostas em algum tipo de mídia? Mesmo com a pandemia ainda no platô o que nos resta é participar do processo para tomar a melhor decisão na parte que nos cabe a favor da dignidade permanente. As coisas começam com a gente.

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Até onde vai a solidariedade?

por Luis Borges 29 de julho de 2020   Pensata

Estamos no quinto mês de enfrentamento da pandemia da Covid-19 encarando as conseqüências das perdas e danos, ainda que sejam mais para uns e menos para outros. A grande desigualdade na distribuição de renda se escancara mostrando que quanto pior, pior mesmo. A estratégia de sobrevivência exige que se encare um dia de cada vez diante do horizonte próximo cheio de incertezas. A palavra solidariedade tem sido uma das mais faladas durante essa pandemia, principalmente no seu início quando pegou todo mundo de surpresa. Mas quais são as expectativas e as percepções que temos em relação às práticas solidárias em prol do bem comum? Será que essas ações estão conseguindo se sustentar ao longo do tempo ou são apenas uma força auxiliar para minimizar as lacunas geradas pelo sistema capitalista em que vivemos?

Para ajudar a nossa reflexão podemos encontrar no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa um significado para a palavra solidariedade nos verbetes a seguir: “um sentimento de simpatia, ternura ou piedade pelos pobres, pelos desprotegidos, pelos que sofrem, pelos injustiçados etc” e “manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar, consolar, oferecer ajuda etc”. No mesmo dicionário também podemos buscar o significado de outra palavra citada com freqüência que é a compaixão“sentimento piedoso exclusivamente humano de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor”.

Nesse sentido destaco, entre fatos e dados divulgados pela mídia no mês de julho, uma entrevista de Gilson Rodrigues, Coordenador nacional do G10 Favelas ao Portal UOL.

“Durante o mês de abril nós recebemos uma série de ajudas de um movimento muito grande de solidariedade no Brasil, que ajudou não só Paraisópolis, mas favelas do Brasil inteiro. Mas nós percebemos a partir de maio e junho que a ajuda diminuiu e, em julho, as doações praticamente pararam.” […]

“Parece até que a gente não sofre outras conseqüências da Covid, como por exemplo, o desemprego e a fome, que aumentou bastante. Para você ter idéia, nós distribuíamos mais de 10 mil marmitas por dia, e às vezes as marmitas acabam e a fila continua. É um desafio muito grande manter esse trabalho e nós não acreditamos em um Brasil diferente ou mais solidário se isso não iniciar agora. Não existe um pós pandemia ou um novo normal sem que a gente pense o normal da favela”.

Se estamos passando do pico para o platô da pandemia vai ficando claro que precisamos de outras medidas mais permanentes do Estado que substituam o auxílio emergencial, por exemplo, pela garantia de uma renda mínima mensal. A solidariedade entre as pessoas é importante, mas não é suficiente pela sua própria natureza.

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O fim de mais um trabalho

por Luis Borges 22 de julho de 2020   Pensata

A senhora Neusa Rodrigues tem 50 anos de idade, é casada, mãe de dois filhos e é cuidadora de idosos há 9 anos. Vale lembrar que essa atividade profissional é exercida por mulheres em torno de 90% dos casos e teve sua regulamentação como profissão totalmente vetada pelo Presidente da República no segundo semestre do ano passado, veto este não derrubado pelo Congresso Nacional.

Antes de exercer essa atividade Neusa trabalhava na área administrativa de uma empreiteira do setor de mineração do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. Porém desistiu do segmento após longo período desempregada, que acabou por levá-la ao desalento – deixou de procurar emprego. A solução para encontrar uma nova oportunidade de trabalho foi a descoberta de um expressivo mercado de venda de bens e prestação de serviços para idosos de diferentes níveis de poder aquisitivo.

Segundo a lei brasileira, as pessoas idosas são aquelas com idade superior a 60 anos e que hoje são aproximadamente 30 milhões, o que equivale a algo em torno de 15% da população do país. Neusa focou no nicho de cuidadores de idosos e fez um curso básico de formação ministrado pela associação da categoria em Belo Horizonte. Pouco tempo depois ela conseguiu sua primeira oportunidade na atividade indicada pela própria associação de cuidadores de idosos e passou a atuar formalmente segundo os critérios definidos para o Micro Empreendedor Individual – MEI. Ela praticamente não ficou parada mais do que 2 meses entre um trabalho e outro. Na maioria das vezes a causa principal da interrupção da prestação dos serviços foi o óbito do cliente vindo em seguida a deterioração das condições financeiras.

Pensando com seus próprios botões a cuidadora foi percebendo que a vida tem sua finitude e que a qualquer momento seus clientes poderiam chegar ao fim da jornada. Mesmo com essa consciência o fato é que Neusa está há 9 dias sem trabalho devido ao óbito do senhor Alfeu, ou simplesmente Fefeu, cliente do qual cuidou durante os últimos 12 meses. Ele tinha 86 anos, viúvo, funcionário aposentado do poder Judiciário Federal e com importantes restrições em suas condições funcionais. Além do avanço do mal de Alzheimer rumo à fase mais aguda, era hipertenso, portador de DPOC (Deficiência Pulmonar Obstrutiva Crônica) e grandes variações de seus índices glicêmicos ao longo do dia.

Agora Neusa está mais preocupada e imaginando quanto tempo levará para conseguir um novo trabalho – finito, enquanto a pandemia da Covid-19 prossegue trazendo incerteza, insegurança e medo, ainda mais para quem luta pela sobrevivência dia após dia.

E você caro leitor já se imaginou cuidando de uma pessoa idosa, profissionalmente ou não? E se fosse você mesmo é que estivesse necessitando de um cuidador na fase idosa da vida? Espero que seja uma reflexão sem dor.

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Onde encontrar uma UTI?

por Luis Borges 13 de julho de 2020   Pensata

A estratégia de combate à disseminação da Covid-19 no modo pandemia buscou ganhar tempo em relação ao pico dos casos de contaminação e deixou claros os limites do nosso sistema de saúde. Mesmo a Constituição Brasileira estabelecendo que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, o grande medo nesses 4 meses já passados foi e ainda continua sendo as conseqüências que poderão advir se ocorrer um colapso do Sistema Único de Saúde e do sistema privado operando direto com clientes particulares ou com planos de saúde regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

No caso da Covid-19 faz parte do processo de tratamento na fase mais aguda da infecção a internação das pessoas numa UTI de algum hospital seja ele público, filantrópico ou privado. É importante lembrar que mesmo nos tempos antes da pandemia nunca foi fácil para a maioria das pessoas encontrar uma vaga disponível na UTI para uso imediato. Quem já passou por uma situação como essa sabe muito bem o tamanho das dificuldades enfrentadas.  Mas onde estão essas unidades no país, principalmente nesse momento em que a disseminação da doença está se generalizando e o seu pico pode ainda estar por vir?

Partindo da premissa de que os fatos e dados não deixam de existir mesmo quando são ignorados ou negados, considero oportuno fazer uma referência ao artigo “Com pacientes longe das UTIs no interior, epidemia deve matar mais”, de Fernando Canzian, publicado pela Folha de São Paulo em 6 de julho.

Nele verifica-se que:

“Embora as 27 capitais brasileiras agrupem 24% da população, elas têm quase a metade dos leitos de UTIs para adultos no país.

Já as unidades disponíveis no interior estão concentradas em cidades com mais de 100 mil habitantes (cerca de 300 municípios).

Isso leva a que apenas 6% das cidades do Brasil tenham leitos de UTI —e que aproximadamente 100 milhões de pessoas vivam em locais sem esse tipo de atendimento.

Correm maior risco 32 milhões de brasileiros (três vezes a população de Portugal, por exemplo) que residem em 3.670 municípios com até 20 mil habitantes”.

Como se vê, isso é o que temos para hoje e o jeito é fazer tudo o que for possível e que dependa de nós para evitar a necessidade de uma UTI. Mas sei que não dependemos só de nós, pois não existe processo sem a cooperação de todos os envolvidos em busca de um resultado valioso.

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Precisou sair de casa

por Luis Borges 22 de junho de 2020   Pensata

Na manhã do sábado, 6 de junho, um professor de biologia do ensino médio na rede privada saiu de casa por volta das 8h, devidamente paramentado com a máscara no rosto e álcool em gel na bolsa. Seu destino prioritário era um laboratório de análises clínicas distante quatro quarteirões de sua casa. O pedido do exame de sangue para verificação da glicemia em jejum, colesterol, triglicérides e os clássicos da tireóide datava do final de janeiro. A correria louca de sempre fez com que tudo fosse sendo adiado. Depois veio o período do Carnaval oficial de Belo Horizonte com sua generosa duração para a alegria dos blocos nas rua. Em seguida veio a pandemia da Covid-19, isolamento social, ensino à distância e o fique em casa. Mas o professor percebeu, em função dos sinais dados pelo organismo, que algo havia se alterado em relação à sua tireóide e que não dava para postergar mais a realização dos exames solicitados no início do ano. Na curta caminhada foi observando alguns pequenos detalhes, ah! sempre os detalhes, que poderiam mostrar como está a disciplina das pessoas para cumprir as regras sanitárias em vigor.

Ao sair de casa contou 7 gatos na primeira esquina e viu o senhor Zé Maneco sem máscara, tomando sol, sentado numa cadeira colocada no passeio. Cumprimentos de bom dia foram trocados.  No quarteirão seguinte um motorista de automóvel de transporte por aplicativo com a máscara no queixo aguardava a chamada para atender o próximo cliente. Enquanto avançava na caminhada passou por ele uma pessoa sem máscara caminhando rapidamente. Chegando ao quarteirão de seu destino o professor viu uma pessoa tomando café o comendo pão encostada num veículo. Em seguida passou na porta da padaria onde só estava o agente de segurança e alguns metros à frente chegou à recepção do laboratório onde ficou em quinto lugar na fila para atendimento. Lá tudo estava funcionando em conformidade com os padrões sanitários.

O professor dispensou o lanchinho oferecido ao final do atendimento e, ao voltar para casa, passou na padaria, onde ficou em quarto lugar na fila formada na calçada, com todos usando máscaras. Enquanto aguardava pacientemente, ainda na calçada, a sua vez para ser atendido chegou um senhor idoso usando máscara, aparentando em torno de 65 anos de idade, que ignorou a fila, foi direto ao balcão, mas sem manter distância de outros clientes, escolheu seus produtos e saiu do local com um copo de café na mão. O agente de segurança justificou às pessoas da fila que é difícil tentar frear aquele perfil de cliente, pois poderia causar muita confusão no local.

O professor deixou a padaria após as compras e foi para casa observando mais detalhes do seu pequeno trajeto. Mais gente já estava circulando pela rua e a maioria usava máscara. Um quarteirão antes de sua casa o professor viu na calçada próximo ao meio fio uma máscara, 5 copos plásticos e um saquinho plástico contendo dejetos de um animal. Finalmente o professor chegou em casa por volta das 9h, cumpriu os padrões de segurança estabelecidos. Agora é aguardar os resultados e marcar uma consulta com o endocrinologista do seu plano de saúde complementar que, aliás, não deu nenhum desconto para seus usuários que nesse caso, ainda não foram tratados como clientes.

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O isolamento social rigorosamente observado desde o início da pandemia do novo coronavírus em Belo Horizonte levou à exaustão um casal e seus dois filhos. O pai de 40 anos, a mãe de 35, um menino de 8 e uma menina de 6 não se aguentavam mais dentro do apartamento de 98 metros quadrados e resolveram flexibilizar, “chutar o balde” para aliviar um pouco as tensões trazidas pelas incertezas.

A justificativa para se encontrar com outras pessoas depois de tanto tempo de isolamento foi promover uma comemoração dos emblemáticos 40 anos de nascimento de um membro da família na noite do sábado, 16 de maio. Também acabou sendo um passo inicial rumo à sonhada flexibilização do isolamento social, bastante pesado àquela altura dos acontecimentos para quem nunca vivera algo semelhante antes. Foram convidadas apenas 10 pessoas, sendo elas alguns parentes mais próximos do casal como pais, mães, irmãos e irmãs e dois amigos dos tempos de colégio, um arquiteto e uma advogada que, aliás, são casados.
Aos poucos todos chegaram ao apartamento em torno das 20h, horário definido para o início da comemoração. Foram recebidos pelo aniversariante na portaria do edifício devido ao sistema de segurança rígido para identificar facialmente os visitantes. A advogada chegou ofegante e queixando-se do desconforto visual dos óculos embaçados devido ao uso da máscara. E o arquiteto sentiu-se incomodado e inseguro devido ao tempo transcorrido entre a saída do automóvel e a abertura da porta do edifício.

A comemoração durou aproximadamente 3 horas e todos os presentes se livraram de suas máscaras ao se sentarem à mesa de jantar expandida e nos sofás. Depois de muitas conversas, comes e bebes chegou a hora de cantar parabéns para o aniversariante e soprar as velas acesas sobre o bolo, o que foi feito pelas duas crianças. Elas se esforçaram bastante até atingir o objetivo, mas acabaram lançando perdigotos sobre o bolo. Quase todos os presentes não se incomodaram com o ocorrido, a começar pelo aniversariante, e fecharam a comemoração comendo pedaços do bolo e os tradicionais docinhos. Entretanto o arquiteto sentiu-se incomodado com a falta de cuidados com o bolo e educadamente recusou o pedaço que lhe foi oferecido alegando se sentir saciado pelo o que já lhe fora servido. Quando tudo terminou o arquiteto voltou para casa com o propósito de não mais participar de festas de aniversário para não ficar constrangido diante da possibilidade de ter que ingerir algo que ficou aquém dos padrões de higiene. Segundo ele, se as pessoas não ligam para essas coisas, mas ele liga e se incomoda.

E você caro leitor, se fosse um dos convidados teria ido à festa de aniversário e também comeria um pedaço do bolo?

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Atendimento digital

por Luis Borges 3 de junho de 2020   Pensata

No finalzinho da tarde de quinta-feira, 14 de maio, uma senhora de 56 anos de idade, servidora pública em home office fez uma compra por meio digital num supermercado de Belo Horizonte.

 A propaganda do serviço a ser prestado era bastante atraente, pois não seria cobrada taxa de entrega que, aliás, seria feita o mais rápido possível em função dos pedidos existentes na fila. Afinal de contas os tempos são de pandemia, fique em casa, lave as mãos, use máscara…

O primeiro passo para fazer a compra foi o preenchimento da ficha cadastral no site da empresa. Logo em seguida o sistema emitiu uma senha de acesso para que fosse confirmada imediatamente pela cliente.

No início da noite foi digitado o pedido, que deveria ser superior a R$200 para que não se cobrasse a taxa de entrega domiciliar. Essa condição não constava na propaganda feita. Apesar de alguns itens faltantes não foi muito difícil completar o mínimo necessário, pois tudo está caro.

Na sequência foi a vez de definir a forma de pagamento, que poderia ser por cartão de débito em conta bancária ou cartão de crédito. A compradora optou pelo cartão de crédito e, para que a operação se completasse, teve de digitar o código de segurança do próprio cartão para confirmar o pagamento.

O sistema informou que a entrega seria feita na segunda-feira, 18 de maio, entre 13 e 18 horas. O prazo não foi cumprido e, após as 19h, a cliente entrou em contato com o supermercado pelo seu sistema de atendimento ao cliente – SAC. A espera foi longa – 60 minutos –  mas a paciência histórica foi maior ainda. A atendente fez a identificação da cliente pelo número do CPF, ouviu impacientemente a reclamação e, em seguida considerou, que ela não procedia, pois no sistema constava que os produtos comprados seriam retirados na loja de um determinado bairro.  Ironicamente perguntou se ela não tinha visto o comunicado enviado pelo supermercado informando o local de entrega do pedido feito. Após muita discussão sobre o cancelamento da compra e devolução do pagamento feito, o que ocorreria após três dias úteis, a atendente fez uma contraproposta final. O pedido de compra seria entregue no endereço residencial, no dia seguinte, terça-feira, 19 de maio, entre 8h e 13h horas mediante o pagamento de uma  taxa  de  R$20,00. Exausta e já necessitando de alguns produtos que constavam do pedido a cliente aceitou a contraproposta e constatou que mais 60 minutos foram gastos até que se chegasse a uma solução para o problema.

Após tudo isso, novamente a entrega do pedido não ocorreu no intervalo de tempo negociado. O jeito foi reclamar outra vez no SAC. Feita a nova reclamação a atendente fez contato com o motorista do caminhão de entregas que prometeu chegar ao endereço de destino às 16 horas o que acabou acontecendo.

Com tanto desgaste, será que a cliente fará novas compras utilizando-se do meio digital, ou dará um tempo na relação?

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Lá já se foram quase 70 dias de vigência de medidas na cidade de Belo Horizonte que orientam, recomendam e determinam o que deve ser feito para combater a disseminação do novo coronavírus – Covid-19. Não é meu propósito abordar a extensa pauta de variados temas e visões que envolvem a pandemia em curso.  Meu ponto é mostrar alguns poucos aspectos de conversas que tem permeado meu cotidiano na condição de aposentado, que não se recolheu aos aposentos, e que cumpre o isolamento social determinado.

Tenho mantido contatos com algumas pessoas que fazem parte do meu convívio social mais próximo – familiares e amigos, por exemplo – usando os dispositivos tecnológicos adequados e compatíveis com o momento que estamos atravessando. Invariavelmente as conversas se iniciam com as clássicas perguntas “como vai você” ou “como você e sua família estão passando”. É claro que as perguntas têm mão dupla. Tenho falado que estou buscando viver e sobreviver um dia de cada vez, na expectativa realista e esperançosa de que tudo isso vai passar mesmo sabendo que o horizonte ainda não está visível. Tenho realçado que a crise instalada trouxe para nós muitas incertezas, perdas, insegurança e medo num país extremamente desigual e concentrador de renda.

Também nas conversas surgem pontos e contrapontos sobre os procedimentos que precisam ser adotados por quem está em casa, nos meios de transporte coletivo ou em algum local de trabalho considerado essencial. Aí as conversas se intensificam, com as narrativas de experiências sobre uso de máscaras para proteger o nariz e a boca, a higienização de bens e instalações, a lavação das mãos com água e sabão diversas vezes ao longo do dia, o uso do álcool em gel nos ambientes em que falta água e como agem de maneira pouco cuidadosas algumas pessoas em supermercados, padarias e sacolões, por exemplo. Sempre pergunto sobre as cores das máscaras que cada um usa. A cor branca é citada pela maioria e, ao mesmo tempo, todo mundo fala que possui outras máscaras em variadas cores como preto, azul, cinza… Pelo menos duas pessoas já me disseram que escolhem a cor da máscara a ser usada em função do astral e do humor em que se encontram a cada momento do dia.

Para finalizar, vale lembrar que sempre tento especular um pouco sobre as expectativas que cada um tem quanto às mudanças do modo de ser e de viver da humanidade depois que a pandemia passar. Muitos são céticos e dizem que após o medo e o pânico passarem tudo será como antes. A conferir.

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Furando a fila no empório Parati

por Luis Borges 25 de março de 2020   Pensata

Você deve se lembrar daqueles tradicionais empórios que ainda existem em muitos bairros de Belo Horizonte. Um deles é o Empório Parati, que está no mercado há quase 45 anos comercializando produtos derivados do leite de vaca, majoritariamente, e variadas modalidades de presuntos, biscoitos, castanhas, amêndoas, gordura animal, congelados…

A loja ainda funciona com a presença em tempo parcial do senhor Nassim, seu fundador, e em tempo integral com Karin, filho único, herdeiro do negócio. Os clientes vem se mantendo fiéis ao longo dos anos, período em que muitos deles se aposentaram após cumprirem suas jornadas no serviço público ou privado. É claro que também sempre surgem clientes mais jovens e outros na faixa dos 40, mas que são mais voláteis.

Atualmente o sábado continua sendo o dia mais procurado pela clientela, seguido pela quarta-feira. Segundo o senhor Nassim os clientes voltam pelos pés porque todos são muito bem atendidos com produtos de qualidade, preço justo, formas de pagamento adequadas em dinheiro, cartão de crédito/débito e até anotação em caderneta.

De uns tempos para cá tem causado desconforto o comportamento de duas senhorinhas na faixa dos 70 anos de idade que fazem compras nas manhãs de sábado, mas não andam juntas, nem comparecem à loja no mesmo horário. O que elas têm em comum é a alta aversão à fila que se forma para o atendimento, justamente no dia preferido delas que é o mais volumoso em quantidade de pessoas e vendas.

No segundo sábado de março a senhorinha conhecida como dona Laurinha chegou ao estabelecimento por volta das 11h e se deparou com oito clientes na fila, enquanto outros três eram atendidos no balcão. Imediatamente, e demonstrando pressa, ela falou com a voz bem alta para uma atendente da loja, Celeste:  “estou te esperando para me atender e, enquanto isso, irei separando os produtos que quero para adiantar o expediente”. Como o corpo fala, o incômodo ficou visível pelas expressões da maioria daqueles que estavam na fila. Dona Laurinha tocou o maior movimento, indo e vindo de um lado para o outro, buscando selecionar os produtos que desejava. Quando terminou e vendo que ainda não havia chegada a hora para o atendimento de seu lugar demarcado verbalmente na fila fez um pedido à Celeste e aos demais colegas da fila: “como já separei o que quero e estou com muita pressa por causa de meu horário rígido para almoçar estabelecido em dieta preciso que a Celeste me atenda rapidamente porque seu trabalho será só para embalar os produtos e fechar a conta”. Sem se surpreender com a já frequente forma de agir de dona Laurinha, Celeste pediu licença ao próximo da fila para atendê-la, dizendo que tudo ocorreria rapidinho porque os produtos já estavam separados. Foi o que acabou acontecendo.

O leitor pode estar pensando que dona Laurinha é idosa e tem direito a atendimento preferencial. O detalhe é que vários outros clientes que estavam na fila eram idosos, que também tem direito a atendimento preferencial. E reclamaram dizendo que a fila tinha sido furada e que eles se sentiram desrespeitados diante do privilégio concedido à dona Laurinha. Após um burburinho nas conversas e um espirro de um dos que estavam na fila o herdeiro Karim disse que tentaria formular um novo procedimento para solucionar o problema.

E você, que sugestão daria para contribuir na solução dessa situação?

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A observação e análise dos fenômenos que acontecem cotidianamente e dos processos que os geram são cada vez mais imprescindíveis nesses tempos de permanentes e velozes mudanças. Mas para se posicionar e se reposicionar estrategicamente em meio a tudo isso – e para melhor prosseguir – é preciso estar muito atento para perceber os sinais que são emitidos pelos meios em que estamos. Eles podem ser observados de vários ângulos que estão presentes na vida familiar, no trabalho, na cidade, no país… É óbvio que cada nível desses precisa ser compreendido, ponderado e relativizado em seus impactos para nos ajudar nas elaborações necessárias ao enfrentamento de cada momento. Se tudo começa com a gente e muitas são as expectativas por uma sociedade mais justa e democrática, o desafio fica por conta das percepções que cada pessoa tem tanto do que já aconteceu quanto do que está para acontecer. Esse é o ponto que quero abordar. O que proponho é uma autoavaliação sobre a maior ou menor capacidade que cada um tem em relação à percepção de sinais e outras reações que precisam ser decodificadas e bem percebidas.

De repente seu chefe no trabalho começa a lhe falar uma série de coisas, sem ir direto ao ponto. Quem é mais atento pode ficar com uma “pulga” atrás da orelha tentando entender o que ele está pensando e onde quer chegar mesmo sem deixar transparecer. Para alguém mais desatento aquela falação do chefe pode até ser vista com sensação de alívio no momento em que ele para de falar. Lá um belo dia, e após não perceber o que o chefe queria dizer, vem a comunicação de sua demissão. A causa pode estar na falta ou incapacidade de alinhamento entre o subordinado e seu chefe. Isso fica ainda mais nítido num ambiente de trabalho em que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, numa conjuntura de vigência da reforma trabalhista e precarização das relações de trabalho. Em momento tão adverso fica evidente que o desatento não percebeu que o gato subiu no telhado e só despertou quando ele caiu.

Num nível macro é interessante verificar a situação de um Ministro ou Secretário de estado sendo “fritado” e enfraquecido pelo seu chefe que quer o seu posto. Ele fica dando estocadas, mas não quer ter o ônus de fazer a demissão e espera sinceramente que seu subordinado peça para sair. Diante da não percepção e do tempo passando chega-se facilmente a um momento em que uma substituição é especulada pela manhã, e negada, mas acaba acontecendo no final da tarde.

Cada leitor que forçar um pouco a memória poderá se lembrar de muitas situações pessoais, familiares ou profissionais em que o cenário mudou, “o gato subiu no telhado”, como diz a expressão popular, e as mudanças aconteceram mesmo sem ter sido percebidas por muitos, apesar dos sinais que foram emitidos.

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