Um dia sem água

por Luis Borges 28 de junho de 2021   Pensata

Sabe aqueles momentos do finalzinho das tardes de domingo em que algumas pessoas sentem que já não dá para fazer quase mais nada enquanto a segunda-feira se aproxima? Foi nesse momento do penúltimo domingo que o professor Leôncio alertou o seu vizinho, o comerciante Samuel, que havia um vazamento de água importante na calçada, mais precisamente na divisa entre suas casas. Elas ficam no bairro de Santa Tereza, zona Leste de Belo Horizonte, que tem quase que a mesma idade da cidade.

Ao observar detidamente o fenômeno da água estava escoando livremente rua abaixo, caracterizando um desperdício pleno, o professor Leôncio manifestou preocupação com a falta que ela faria nas casas enquanto Samuel tentava encontrar possíveis causas do problema percebido. Indagava se poderia ser a fragilização da rede de distribuição da água instalada há décadas e sem manutenção preventiva ou preditiva visível nos últimos tempos.

O jeito foi ligar para o atendimento ao cliente da companhia de saneamento, na esperança de não ser tratado como mero usuário. A atendente cumpriu o padrão de atendimento e conseguiu compreender que o caso necessitava de uma atenção imediata, do tipo “ver e agir”.

Por volta das 20h30 chegou ao local um técnico de uma empreiteira da empresa concessionária do serviço, que diagnosticou um vazamento na rede distribuidora de água instalada na calçada. Disse que o reparo seria feito a partir da manhã da segunda-feira e que tentaria fechar os registros da rede distribuidora nas esquinas de duas ruas próximas. Por volta de uma hora da madrugada o professor Leôncio percebeu que a água parou de escoar quase que totalmente. Soube-se depois que houve dificuldade para fechar totalmente os registros da rede, que estavam um pouco emperrados. Isso piorou as condições para o reparo da rede ao longo do dia.

Lá pelas 17h de segunda-feira a tubulação danificada estava substituída, mas ficou um buraco sinalizado que deveria ser totalmente fechado com a respectiva recomposição da calçada até 48 horas após.

Tudo ficou pronto na quarta-feira à tardinha, ou seja, 3 dias após o vazamento ter sido descoberto. Há quanto tempo o vazamento teria se iniciado sem ter sido percebido e qual o nível de qualidade do serviço feito pela empreiteira perguntou o professor Leôncio ao vizinho Samuel? “Sei lá, vamos ver quanto tempo vai durar”, respondeu ele.

Enquanto todos os moradores da rua passaram 24 horas sem água chegando em suas casas, os dois vizinhos conversaram sobre o período sem chuvas e o impacto que isso causa no consumo de água nas diversas modalidades de seu uso. Samuel levantou a hipótese de ficar três dias seguidos sem água em casa e como sua família se viraria no período. Nada de lavar roupas, aguar as plantas, reduzir drasticamente a duração dos banhos diários e sempre lembrando que a caixa d’água só tem capacidade para armazenar 1000 litros. Arrematou a conversa lembrando-se da crise hídrica e do muito que precisa ser feito para que a água não caminhe para a sua própria finitude. Mas como fazer para que isso não aconteça?

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Neste 21 de junho o Inverno chegou novamente ao hemisfério Sul do planeta, embora o frio já se fizesse presente a partir de meados do Outono na região metropolitana de Belo Horizonte. Nessa época começaram a pipocar notícias nas diversas mídias dando conta de que o último período chuvoso não foi forte o suficiente para encher de água os reservatórios das usinas hidrelétricas.

Também surgiram com mais intensidade notícias sobre o uso múltiplo das águas para o abastecimento humano, a irrigação das lavouras e criação de animais do agronegócio bem como sobre a vazão mínima para garantir a navegabilidade do sistema formado pelos rios Tietê – Paraná e a contribuição da bacia do Rio Grande, que nasce na serra da Mantiqueira, em Minas Gerais.

Em meio a tudo isso lembrei-me do racionamento do uso da energia elétrica, iniciado em 16 de maio de 2001, com a meta de reduzir 20% no consumo. Vale lembrar que o racionamento terminou em fevereiro de 2002. Todo mundo teve que fazer seus planos de ação próprios com as medidas necessárias e suficientes para atingir o resultado esperado.

Mas quais eram as causas do “apagão” da energia elétrica naquele momento? Falta de chuvas, desmatamento, falta de investimentos para a construção de linhas de transmissão de energia, matriz energética brasileira com baixa participação da energia fotovoltaica (solar) e dos ventos (eólica), planejamento e gestão deficientes. Agora, passados 20 anos, todas essas causas continuam sendo faladas em diferentes graus de aleatoriedade.

A grande saída para o capitalismo sem riscos no setor de energia elétrica é continuar fazendo o que tem sido feito nos últimos anos. A cada semana vem uma notícia ruim sobre a estiagem para justificar a necessidade de usar a energia das usinas térmicas movidas a óleo, gás e carvão e repassar o seu elevado custo para as tarifas pagas pelos consumidores. Tudo isto ancorado em lei, enquanto a cada mês o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) anuncia uma nova bandeira tarifária extra que está projetada para o nível máximo da bandeira vermelha a partir de julho custando R$ 7,57 a cada 100 kWh (quilowatts-hora) consumidos.

A sensação que fico diante de tanta falação sobre a escassez das chuvas é que ou aceitamos pagar um preço maior pela geração das usinas termelétricas ou teremos um racionamento de energia elétrica.

Não nos esqueçamos de que faz parte da nossa conta de energia elétrica o ICMS de 42%, as ligações clandestinas –“gatos”- com 5% e outros penduricalhos mais.

Fico pensando no impacto disso tudo na inflação em aceleração, que há seis meses vem sendo justificada como momentânea – 8,06% do IPCA dos últimos 12 meses. A pior perda para o poder aquisitivo das pessoas vem da inflação e quem consegue ter uma reposição dela anualmente em seus salários pode pôr as mãos para os céus.

Pelo andar da carruagem e segundo dizem as autoridades governamentais precisaremos esperar até novembro para que se inicie o próximo período chuvoso e, com ele, talvez ficaremos livres da bandeira tarifária vermelha em seu nível mais alto e caro. É o capitalismo sem riscos na energia elétrica.

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Na quarta-feira da semana passada telefonei para uma amiga de longa data visando cumprimentá-la pela passagem de seu aniversário de nascimento. Ela sempre espiritualizada, muito sensível e caminhante no campo da luz. Fazia algum tempo que não conversávamos voz a voz e, após os cumprimentos pela data, perguntei-lhe pelas expectativas sobre o que vem por aí, inclusive a aposentadoria no trabalho profissional em homeoffice atualmente .

Foi aí que ela contou que está reunindo forças para prosseguir, vivendo um dia de cada vez. Disse que enfrentou três casos de pessoas da família contaminadas pela Covid-19 em diferentes graus de gravidade.

A mãe ficou internada durante 20 dias num hospital, sem a necessidade de intubação, mas precisando de um respirador, enquanto o marido cumpriu 14 dias de isolamento em casa. Posteriormente foi a vez de seu irmão também passar, em casa, pelo mesmo processo de 14 dias de isolamento. Felizmente todos já superaram as respectivas fases, mas ela relatou como fez para enfrentar o “rojão” e como está participando da recuperação de sua mãe no pós-Covid.

Tomada por uma grande ansiedade nos desdobramentos de cada dia na estratégia de sobrevivência, ela disse que foi ao cardiologista para entender por que o coração batia tão forte e o sono desapareceu. Nada importante ou preocupante foi encontrado pelo profissional da saúde, que acabou sugerindo que a amiga se consultasse com um psiquiatra.

Foi o que ela fez e quando a consulta começou ouviu a clássica pergunta inicial do tipo “o que te trouxe até aqui?”.  A amiga deixou bem claro ao profissional que não estava buscando um decreto, um pacote sobre o que fazer. Disse que queria conversar um pouco mais sobre seu caso após a anamnese. Foi o que acabou acontecendo e o consenso foi pelo uso de uma “pílula” para domar a ansiedade elevada e combater a insônia, inclusive analisando algum possível efeito colateral. O tempo de uso da medicação foi previsto para 3 meses e seus resultados estão sendo avaliados mensalmente. A última avaliação prestes a acontecer. Se não houver suspensão ou redução da dosagem da medicação, ela disse que não vai sofrer e continuará firme cumprindo a sua missão. Felizmente, os piores momentos ficaram para trás, a mãe está em casa melhorando a cada dia, enquanto o marido e o irmão estão plenos em suas vidas cotidianas.

De qualquer maneira a amiga esta aliviada e agradecida pela força que teve para enfrentar e vencer o medo, a insegurança e a incerteza. Esses momentos são difíceis para todos em suas diferentes dosagens.

Quando terminamos a conversa eu disse à amiga que, parafraseando Aldir Blanc e  João Bosco na música O Bêbado e o Equilibrista, “a esperança equilibrista / sabe que o show de todo artista / tem que continuar”.

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Uma comparação interessante e importante que podemos fazer é sobre o comportamento de algumas pessoas ao fazer compras antes e durante a pandemia – que ainda está longe de se acabar.

Um pequeno esforço de memória pode nos fazer lembrar o “jeitão” de como agiam determinados grupos e tipos de pessoas no supermercado, padaria e sacolão. É só recordar daqueles que quase nos atropelavam com o carrinho de compras nos corredores internos indo na direção de um setor de frios ou bebidas, por exemplo. Vale lembrar também dos que ficavam atrás de nós na fila do caixa, esbarrando o carrinho de compras em nossos calcanhares com enorme ansiedade e conferindo com o olhar fixo a passagem de nossas compras pela registradora, a embalagem dos produtos nas sacolas plásticas, a escolha da modalidade de pagamento. Isso tudo imaginando que o sistema da registradora não cairia ou que algum produto estava sem preço na etiqueta.

De vez em quando se via um carrinho de compras abandonado no saguão após o caixa, no estacionamento de veículos ou mesmo na rua. De tempos em tempos, viria um empregado do supermercado para recolhê-los e dar destinação a tudo.

Nada muito diferente numa padaria, com algumas pessoas tentando passar à nossa frente para serem atendidas mais rapidamente, enquanto outros tomavam café ou o pingado – café com leite – acompanhado por pão com manteiga ou presunto e queijo.

No sacolão, a compra de frutas, verduras e legumes também sempre tinha alguns afoitos querendo resolver tudo rapidinho, até pedindo para furar a fila do caixa por estarem comprando poucas unidades, mas se esquecendo que todos devem fazer a gestão do tempo numa sociedade civilizada e respeitosa.

Agora, ao compararmos o antes da pandemia com esse durante que está passando pelo 16º mês, o que é possível perceber diante da necessidade de se cumprir os novos padrões e protocolos sanitários para combater a transmissão do vírus da Covid -19 e suas variantes?

Os comentários mais frequentes que ouço de quem vai fazer as suas necessárias compras tendo a disciplina do uso de máscaras, álcool em gel e mantendo distância para não aglomerar, é que sempre existem algumas pessoas que não seguem os procedimentos que são para todos. Alguns deles não usam máscaras ou ficam com ela no queixo e deixam a sensação de que a pandemia acabou.

Interessante observar que na padaria que atende pelo delivery as encomendas são preparadas nos balcões do café da manhã enquanto no sacolão os pedidos são preparados nos carrinhos que transitam diretamente pelos mesmos corredores em que os demais clientes escolhem seus produtos.

Se a educação é a base de tudo, o que nos resta é compreender que ainda estamos longe da excelência, mas sonhando que “esta terra ainda vai cumprir seu ideal”. Mas tudo também depende de nós e de nossas escolhas.

Como tem sido a sua experiência ao fazer compras nos supermercado, padaria e sacolão?

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A pandemia da Covid-19 surpreendeu a todos, de uma maneira ou de outra, e exigiu muita criatividade na busca por soluções imediatas para problemas inesperados. Ficou visível a necessidade de se ter estratégias de sobrevivência diante de tanta ameaça.

Agora estamos passando pelo 16º mês de pandemia preocupados com sinais de uma 3ª onda e na esperança do aumento da velocidade da vacinação. Que avaliação já podemos fazer de alguns aspectos evidenciados com maior frequência após a expansão do homeoffice – trabalho profissional em casa? Se ele era uma leve tendência antes, tornou-se uma realidade imediata na pandemia. A necessidade vem sendo encarada com diferentes graus de estruturação lógica ou simplesmente sendo feita através do delineamento de experimentos com os erros, ajustes e acertos inerentes ao processo.

Vou relatar a experiência de dois profissionais que estão mergulhados no trabalho em casa. Um deles é graduado em Engenharia Mecânica, especializado em Gestão de Negócios, tem 29 anos e é analista de dados numa empresa do segmento de telecomunicações. O outro é bacharel em Ciências da Computação, também com 29 anos, e trabalha como gerente de tecnologia da informação num banco digital.

Na avaliação deles, e é claro que a amostra não é representativa do todo mas tem sua importância enquanto observação, essa modalidade de trabalho veio para ficar e sua adequação ocorrerá permanentemente em função da natureza e do porte dos negócios conforme suas especificidades e localização geográfica de seus mercados.

Segundo eles, os primeiros meses foram extremamente desafiantes, pois muitas coisas tiveram que ser feitas rapidamente para assegurar uma estrutura consistente ao mesmo tempo em que o mercado abalado aguardava as entregas. Em meio às incertezas, medo e insegurança vieram uma extensão de jornadas de trabalho, muitas chamadas a qualquer instante pelos dispositivos tecnológicos, como se a disponibilidade fosse permanente, o que na prática acaba acontecendo para as funções de confiança da direção em alguns segmentos privados. Assim, houve gente perdendo o horário clássico do almoço para “dar conta do recado”, outros desequilibraram o organismo diante de tantos fatores estressantes.

Nessa fase ficaram evidentes as dificuldades para ter em casa um local minimamente adequado para trabalhar à distância. Ainda hoje são muitos os que trabalham nas salas de visitas de suas casas, apartamentos ou edículas, nas mesmas limitadas condições do início dos processos atuais. Sendo assim, é possível ouvir durante uma transmissão o som de um televisor ligado, a fala de crianças, o latido de um cachorro, o barulho da reforma na moradia de um vizinho ou de uma obra na rua… E ainda assim na expectativa de que a conexão nunca caia.

Ainda quanto à saúde os dois profissionais falaram sobre queixas relativas a dores na cabeça, no pescoço e na coluna, além de secura nos olhos que piscam menos diante de tantas abas abertas na tela do computador. Citaram também as diferentes condições dos dispositivos tecnológicos, muitos dos quais não possuem câmeras, e das diferentes condições oferecidas pelas empresas para a sua aquisição, manutenção e demais gastos para a sua utilização.

A conversa foi mais longa, mas o espaço aqui acabou e espero voltar ao tema num outro momento. E você, o que acrescentaria, de imediato, ao que foi abordado nessa Pensata?

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O médico veterinário Fred Lima, 57 anos, e a psicóloga Neusa Ávila, 51 anos, são casados há duas décadas e não tem filhos. No início deste ano foram contaminados na segunda onda da Covid-19, com diferentes desdobramentos. Ela ficou em casa, se cuidando conforme o protocolo e tudo caminhou para o resultado de cura esperado. Ele teve um quadro de piora contínua, procurou ajuda num hospital credenciado pelo SUS, onde ficou internado durante 2 meses e entubado na maior parte do tempo.

Há 3 semanas Fred teve alta hospitalar e prosseguiu sua convalescência no apartamento onde moram e tem a companhia de uma estimada cachorra.

Acontece que no sábado, 22 de maio, Fred fez aniversário de nascimento e Neusa resolveu romper a mesmice do isolamento e do cansaço mental promovendo um lanche. Fred se convenceu de que seria uma boa ideia, mesmo estando recolhido ao próprio quarto e se deslocando com o auxilio de um andador. Assim convidaram um grande amigo, o professor Lutero Almeida, de 54 anos, para um breve encontro lá pelas 17 horas. O amigo manifestou suas preocupações quanto aos riscos que todos correriam, lembrando a eles que ainda não se vacinou contra a Covid-19 e nem o influenza, mas acabou por concordar diante dos apelos de Neusa, que disse ser ele a única pessoa convidada. Ainda assim, o professor consultou seu médico de confiança que deu parecer favorável à ida com os devidos cuidados após ouvir todos os dados do caso.

Em torno da hora combinada, o professor chegou ao apartamento. Usando máscara, cumprimentou o convalescente na porta do quarto, sentou-se à sala de visitas e ouviu a campainha tocando. A porta foi aberta e entraram três vizinhos do mesmo prédio – pai, mãe e filha – todos com máscaras, que conversaram efusivamente e brincaram com a cachorra de estimação; seguiram todos para o quarto de Fred. Enquanto o professor se recuperava da surpresa, que furava o que tinha sido combinado, a campainha tocou novamente. Dessa vez chegou um sobrinho de Neusa, acompanhado pela esposa e uma filha, todos usando máscaras, e este foi direto ao quarto do convalescente enquanto a esposa tentava entabular uma conversa com o professor.

Neusa dava atenção aos convidados que chegaram enquanto o professor aguardava; pensava ele que realmente seria o único convidado conforme lhe adiantaram.

Minutos depois a aglomeração recebeu ainda uma tia de Neusa, beirando os 80 anos de idade, em companhia de uma filha com idade em torno de 50 anos, com máscaras e beijoqueiras ao cumprimentar Fred e Neusa. Por último entrou um irmão de Neusa, sem máscara, cumprimentando todos com apertos de mão, abraços e também beijoqueiro. Se dirigiu ao professor igualmente, mas o professor foi claro com o inoportuno senhor dizendo-lhe com ousada clareza  “mantenha distância”. Este, sempre muito brincalhão, movimentou –se em direção aos demais convidados expressando “o ambiente está tenso”.

Já tinham se passado 35 minutos da chegada do professor quando Neusa chamou a todos para se servirem de uma torta de frango; na mesa também foi colocada uma bela torta de morangos. Todos em volta da mesa falavam ininterruptamente em cima das tortas. O professor percebeu o grande acúmulo de pessoas, sem o esperado distanciamento, e decidiu se retirar, sem degustar as tortas tão expostas.

No caminho de volta o professor Lutero passou numa confeitaria especializada e comprou uma torta de frango para degustar em casa.

Se o que foi narrado tivesse acontecido com você, que atitudes você teria?

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Arrumando a própria casa

por Luis Borges 17 de maio de 2021   Pensata

Enquanto a pandemia da Covid-19 persiste com suas ondas e variantes ameaçadoras ao longo do tempo que passa, prosseguimos na esperança permanente da chegada de mais doses das vacinas, apesar de todos os pesares. Também ainda vale lembrar dos alertas sempre difundidos como o “se puder, fique em casa”; “lave as mãos”; “use máscaras”…

Mas o que as pessoas que estão ficando em casa para trabalhar remotamente, cuidar de crianças e idosos… tem feito além disso? Sei que são inúmeras as possibilidades e impossibilidades em função das necessidades, expectativas e recursos de cada um, inclusive levando em conta uma certa fadiga inerente ao próprio prolongado processo pandêmico.

Tenho conversado por telefone com pessoas próximas, a maioria acima dos 50 anos, que tem destinado um pouquinho do tempo para observar e analisar a quantidade de documentos, artigos, comprovantes diversos, relatórios e livros, por exemplo, acumulados em algumas décadas e praticamente inertes desde então. Invariavelmente as pessoas tem relatado as lembranças – boas ou ruins – suscitadas ao ver de novo algo que estava parado há tanto tempo com a justificativa de que um dia poderia ser necessário o seu uso.

Foi interessante também o relato que todos fizeram sobre a quantidade de itens descartados por não serem mais necessários e dos poucos que foram mantidos em função dos critérios definidos para justificar a sua preservação. Entre os itens descartados, só para ilustrar, foram citados convites para formatura, atas de assembleias de clubes, convites para casamentos, o projeto de uma casa que nunca foi construída, o planejamento de uma viagem ao nordeste brasileiro, o plano de um negócio que ficou só no plano, uma enorme variedade de revistas, recortes de jornais… Isso me fez lembrar o programa 5S, utilizado pelos japoneses para iniciar a implementação da gestão pela qualidade em seus negócios. No programa, são aplicados cinco sensos – utilização, arrumação, limpeza, saúde e autodisciplina.

No caso das conversas ficou evidente a aplicação do senso da utilização, que nos ajuda a combater o desperdício. Ele propõe que fiquemos só com aquilo que precisamos e que o desnecessário seja doado para alguém que esteja precisando ou então seja descartado de maneira adequada. Muitos se disseram surpresos com a quantidade de espaços que estão ficando livres em gavetas, estantes, arquivos e que provavelmente uma parte deles poderá não ser mais necessária.

Por outro lado, alguns poucos disseram que aproveitaram para rever a configuração de suas casas e descobriram que havia excesso de móveis e aparelhos eletroeletrônicos, muitos dos quais estão em desuso devido ao avanço tecnológico acelerado, cheio de inovações. Também usaram o senso da utilização e os principais ganhos foram os espaços mais livres, a redução do estoque de bens não utilizados e uma menor quantidade de tropeços em móveis. Um dos amigos passou até a pensar na possibilidade de se mudar para um espaço menor, casa ou talvez apartamento. Porém tudo vai depender dos demais membros da família.

Enquanto isso, podemos tentar encontrar mais coisas que precisam ser feitas e para as quais nunca tivemos tempo ou ainda não temos. A gestão do tempo é um desafio permanente, difícil de terceirizar principalmente porque sabemos que tudo começa com a gente.

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Lá num dia não tão belo do verão do ano passado ficamos sabendo que a Covid-19 tinha chegado ao Brasil e logo veio a informação sobre a primeira morte causada pelo vírus. Fomos surpreendidos pelo acontecimento que chegou trazendo medo, incerteza, insegurança e ansiedade diante do que estaria por vir.

O que e como agir diante da nova conjuntura? Naquele momento, desenhar cenários era mais difícil ainda. Desde o início ficou claro que não havia unidade de ação entre os entes federativos para combater o problema, que era nacional e mundial, conforme reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

De lá para cá quase todo mundo sabe ou tem alguma noção do que foi feito ou deveria ter sido feito. Mas hoje, proponho uma reflexão sobre o processo de vacinação. Tomo como exemplo o município de Belo Horizonte.

Na semana passada, entre os dias 3 e 7 de maio, as pessoas da faixa etária de 64 a 67 anos esperavam receber a segunda dose da vacina Coronavac, produzida em parceria pelo Butantan com a chinesa Sinovac. Essas pessoas começaram seu ciclo de imunização em abril e receberam o cartão de vacinação marcando a segunda dose para até 28 dias após a primeira agulhada no braço, o que seria em maio. Depois dessa agulhada, surgiu naturalmente a expectativa de algo bom para acontecer – a imunização completa – mantida pela municipalidade até a tarde da sexta-feira, 30 de abril.

Só a partir dai é que a Prefeitura começou a assumir que não tinha, em estoque, as quase 80 mil doses da Coronavac necessárias para o cumprimento do cronograma para todas as pessoas dessa faixa etária. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde a causa foi a orientação do Ministério da Saúde para que não se reservasse estoque para garantir a segunda dose, pois outras remessas chegariam em tempo hábil. Porém, isso não aconteceu e, com isso, o cronograma de vacinação foi atrasado. Essa informação foi repassada via imprensa pois, para quem consultou o portal da Prefeitura até o dia 06 de maio, a informação era conflitante e dizia que havia estoque de Coronavac, o que não era verdade. As causas internas dessa diferença cabe à Prefeitura explicar.

O fato é que ficou uma frustração para quem tinha a expectativa de concluir o processo de imunização no prazo marcado. Alguns até compareceram aos postos esperando “dar uma sorte” e outros ainda tentam entender os impactos para a saúde de esperar mais 10 ou 15 dias além do prazo inicialmente fixado. Hoje, 11 de maio, a Prefeitura está aplicando a segunda dose apenas para os que tem 67 anos, fazendo uma “rapa” do estoque e juntando com algumas doses que recebeu do Ministério da Saúde. Para os idosos de 64 a 66 anos resta seguir aguardando.

Essa acaba sendo uma boa oportunidade para refletirmos sobre nossas reações diante de um processo sobre o qual não temos autoridade nem controlamos, como no caso da pesquisa, produção, aquisição, distribuição e aplicação das vacinas. Se a expectativa for maior do que a realidade acabaremos sofrendo – e muito.

O que nos resta é treinar nossas competências emocionais para aumentar a paciência, a perseverança e a resiliência para nos fortalecer no enfrentamento de tantos problemas que a pandemia trouxe. Isso também não deixa de ser um cuidado mental que devemos ter.

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O engenheiro civil e sanitarista Décio Gonçalves, 54 anos, casado, 2 filhos solteiros, trabalha há quase 30 anos no serviço autônomo de água e esgoto de um município do interior de Minas Gerais, na bacia hidrográfica do Rio Grande. A esposa é professora do ensino fundamental na rede estadual e os filhos estão prestes a concluir o curso de Engenharia Agronômica numa Universidade Federal do estado.

Com o passar do tempo o engenheiro Décio foi se comprometendo cada vez mais com seu trabalho, sempre atualizando os conhecimentos técnicos específicos e também se sentindo confortável com a estabilidade de um servidor municipal concursado. Para ele ficou claro que um dia chegaria a hora de se aposentar por ali mesmo. Desde o início da carreira profissional ele estabeleceu a meta de poupar 15% dos rendimentos mensais, sempre colocados em aplicações financeiras conservadoras.

Há 5 anos Décio ficou muito incomodado e preocupado com a “falação” sobre a Reforma da Previdência Social. Pensou muito em obter uma renda para complementar os proventos vindos da aposentadoria e também numa atividade suficiente para não deixá-lo sentado nos aposentos, ou seja, “apo-sentado”. Foi aí que surgiu a ideia de ter um pequeno negócio próprio, no qual aplicaria a metade dos recursos financeiros até então acumulados. Dois anos depois conseguiu comprar uma fazendinha distante 30 km do perímetro urbano. O lugar tem bom acesso, instalações físicas em razoável estado de conservação, água em quantidade e qualidade adequadas. A propriedade adquirida mede 3 alqueires – 14,4 hectares – algo em torno de 150 mil metros quadrados.

Hoje ele se ressente por não ter feito o passo-a-passo de um plano de negócios documentado e ter apressado tudo em função da ansiedade e se esquecendo que estava arriscando seu próprio dinheiro. Assim, cada dia desses três últimos anos tem sido uma peleja para fazer as coisas acontecerem diante de tantos problemas que surgem. A começar por ele mesmo, que só pode ir ao local nos finais de semana e feriados, pois ainda não se aposentou.

Ele possui 30 cabeças de gado bovino, das quais 10 são vacas leiteiras cujo leite se destina a produção de queijo artesanal, não certificado. Nesse momento, os custos da ração estão pesando muito – mais que dobraram – e não dá para repassar quase nada ao preço pago pelos clientes.

Mas a maior dificuldade mesmo está na rotatividade dos profissionais para trabalhar na função de caseiro e de auxiliar de caseiro, que são fundamentais para operar bem o dia-a-dia. Até agora ninguém chegou a completar um ano no trabalho, mesmo recebendo salários e benefícios competitivos no mercado regional. Um dado interessante é a baixa escolaridade de todos, pois a maioria não conseguiu cursar além da primeira metade do ensino fundamental, e a idade deles varia na faixa de 30 a 40 anos. Mesmo eles sendo treinados em procedimentos operacionais padrão, escritos ou verbais, é grande a dificuldade que sentem para colocá-los em prática. Eles querem fazer tudo do jeito que já conhecem e são muito resistentes a outras práticas que podem ser melhores ou mais eficientes.

Décio não conseguiu mais poupar os 15% dos seus rendimentos mensais, que têm sido direcionados ao negócio. Às vezes ele pensa em “chutar o balde” diante da análise mensal das contas que não fecham, das raivas que tem passado, das surpresas ruins como a morte de uma vaca, os ovos de galinha que não aparecem, ou do uso “recreativo” da cachaça, por exemplo. Mas quando pensa na vida depois da aposentadoria ele ainda acredita que tudo vai melhorar quando for possível a sua presença diária na operação do negócio.

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O planejamento estratégico de qualquer negócio trabalha com o desenho dos cenários para fazer projeções sobre que futuro poderia vir a ser no curto, médio e longo prazo. É claro que é muito difícil acertar tudo no centro do alvo, mas é possível ter uma boa aproximação, principalmente para quem tem disciplina no uso do método para perceber as mudanças permanentes que ocorrem em função do dinamismo dos acontecimentos.

O que me inspirou a dizer isso foi uma entrevista de Marco Antônio Lage, filiado ao PSB e prefeito do município de Itabira, MG, concedida ao repórter Eduardo Costa no programa “Chamada Geral”, da rádio Itatiaia de Belo Horizonte, que foi ao ar em 2 de abril.

Segundo o prefeito, a população de seu município é de 120 mil habitantes. A arrecadação de tributos é a 8ª do estado – entre 853 municípios – e a 90º do país, entre 5.570 municípios. Ele enfatizou que no próximo ano a exploração do minério de ferro no município, feita pela Vale, completará 80 anos e é pioneira no país. Por outro lado, ele lembrou que segundo as informações obrigatórias passadas pela Vale para a Bolsa de Valores de Nova York, a exaustão das jazidas em Itabira está prevista para o ano de 2028. Se assim for, faltam apenas pouco mais de 7 anos para o início do fim ou, quem sabe, até venha uma certa sobrevida.

O prefeito falou também que seus antecessores e a Vale não fizeram nenhum planejamento estratégico para o município levando em consideração a sua sustentabilidade após a exaustão da mina. Afirmou que 25 municípios fazem parte da microrregião de Itabira e somam em torno de 450 mil habitantes. O orçamento de Itabira para 2021 prevê arrecadação de R$ 638 milhões. Dos quais, estima o prefeito, 85% estão relacionados à cadeia produtiva da mineração. É importante lembrar que o atual marco regulatório da mineração, aprovado em 2017, estabeleceu que a Contribuição Financeira sobre a Exploração Minerária (CFEM) deve ser calculada sobre o faturamento bruto das empresas mineradoras e que para o minério de ferro a alíquota é de 3,5 %. Até então o calculo era feito com base no  faturamento líquido. A arrecadação da CFEM no país passou de R$ 1,8 bilhão em 2017 para R$ 6 bilhões em 2020. O município minerador fica com 60% do valor gerado e 15% vão para os municípios diretamente impactados pela atividade. Cabe aos municípios e à Agência Nacional de Mineração (ANM), a fiscalização do cumprimento da Lei.

Como estará o município de Itabira em 2029, sem a receita da CFEM e as demais receitas correlatas à mineração? Prevalecerão as estratégias de sobrevivência ou serão construídas – com muita transpiração e um pouco de inspiração – as estratégias de manutenção, crescimento e desenvolvimento?

Infelizmente quem não tem estratégia esta condenado à morte. Nunca é demais lembrar dos versos do poeta itabirano Carlos Drummond Andrade dizendo que:

Itabira é apenas um retrato na parede / mas como dói!”

Importante também lembrar da situação de outros municípios mineradores de Minas Gerais, como Araxá, Nova Lima, Brumadinho, Ouro Preto , Itabirito, Mariana, Congonhas. Há planejamento estratégico para quando as minas se exaurirem?

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