Amizades sobreviventes

por Luis Borges 5 de outubro de 2021   Pensata

Passados quase dois anos de enfrentamento do vírus da Covid-19 e de suas mutações, bem como das consequências da pandemia – que ainda não acabou, é bom lembrar – fico pensando nos rumos que as amizades entre as pessoas tomaram e continuaram tomando. As mudanças não param. Penso em duas músicas de Milton Nascimento. Nada Será Como Antes é a primeira. A segunda é Canção da América, na qual Milton canta que

“amigo é coisa para se guardar debaixo de 7 chaves, dentro do coração”.

Como estou cheio de perguntas, penso: será que é isso mesmo? Ou cada caso é um caso, em seu devido tempo?

Constato que muitas pessoas amigas de vários quinquênios e outras de alguns anuênios estão bem mais sumidas. De algumas até penso se não estão escondidas por questão de segurança, de cabeça cheia de preocupações generalizadas que se acumulam e consomem mais tempo em sua já intrínseca escassez. Com certeza, falta gestão. Mas, e se nos lembrarmos das principais características de nossas amizades antes da pandemia? Será que elas estavam sendo bem cultivadas e polidas? Havia tempo dedicado a elas apesar de toda a correria estressante de cada dia, semana ou mês? Antes da pandemia, qual era o real valor da amizade pra nós, mesmo que várias tenham se acabado após o prazo de validade?

Trazendo isso para hoje, tomando todas as precauções para conter a disseminação do vírus, é importante avaliar o nosso querer, os motivos que temos para continuar mantendo – e bem – as nossas amizades, com todos os conteúdos que podem ser abordados nessas relações. Depois que aconteceu o acontecido, que veio trazendo tantas consequências ameaçadoras para todos, do eu ao nós, será mais fácil gastar a energia que ainda temos na solidão? Quem sabe será possível caminhar para a solitude, sozinhos, mas nos sentindo bem, com energia suficiente para gastar um pouquinho do tempo para ser dedicado às amizades, mesmo que mais no modo remoto e ainda quase nada presencial? Será que é tudo isso mesmo ou dá para flexibilizar mais ? Qual o nível de medo de uma contaminação pelo vírus após a imunização que nunca será absoluta?

Diante de tudo que vai rolando e respeitando o momento que minhas amizades estão atravessando, tenho tentado encontrar as pessoas para conversar em viva voz, pelo telefone celular e rarissimamente no fixo, que quase ninguém tem mais.

Mesmo tendo a iniciativa de procurar as pessoas amigas sem cobrar reciprocidade, muitas são as dificuldades encontradas e que se acentuaram nessa pandemia. Uma delas é o fuso horário. Qual seria a hora adequada para fazer um contato usando o dispositivo tecnológico? Será que as pessoas estão dispostas a conversar e com qual profundidade, duração, capacidade de ouvir e falar? Pode ser que a fase esteja levando as pessoas a uma revisão de muitos valores, questionamentos de crenças jamais imaginadas.

O desafio permanece, mas espero que as amizades sobreviventes continuem ajudando mutuamente a quem nelas acredita e cultiva.

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E se vier a estagflação?

por Luis Borges 21 de setembro de 2021   Pensata

Faz tempo que estamos vivendo na expectativa de uma recuperação econômica – já são 7 anos (2015-2021). A prevalência tem sido de recessão ou crescimento pífio do PIB. O ideal seria um crescimento anual de 4% diante de uma população estimada em pouco mais de 213 milhões, dos quais 14,4 milhões estão desempregados e 6 milhões estão desalentados (desistiram de procurar trabalho).

É importante lembrar que, se a expectativa é maior do que a realidade, só nos resta o sofrimento diante da percepção de que tudo tem ficado bem abaixo do esperado. Os indicadores mostram os resultados entregues, apesar de algumas narrativas tentarem justificar os efeitos sem analisar as causas. Fica evidente que não dá para revogar a lei da gravidade.

O que pensar e o que esperar nesse momento em que a primavera chega para fechar o ano pelo calendário gregoriano diante de tantos problemas críticos, cujas soluções são vitais para a retomada consistente do crescimento econômico?

Podemos ilustrar isso com a crise hídrica, que ameaça pela falta d’água para o  consumo humano e demais seres vivos bem como a geração de energia elétrica. A saída mais fácil tem sido recorrer às caríssimas usinas termoelétricas que precisam ser bancadas pela cobrança de tarifas extras sobre as quais incidem também os tributos estaduais (ICMS) e federais (PIS- COFINS).

Outro problema crônico está na política de preços dos combustíveis praticada pela Petrobras desde 2017. Hoje o barril de petróleo gira em torno dos US$72 e a cotação do dólar tem ficado ao redor de R$ 5,25 . Segundo alguns economistas mais realistas o melhor seria que ficasse lá pelos R$4,00. É claro que quem está ganhando mais com o dólar alto não vai concordar com essa afirmação.

Vale também lembrar dos preços lá nas alturas das carnes, milho, soja, arroz, café… Ainda falta a chuva e sobram as queimadas, os desmatamentos e a mudança no clima, que resulta em aquecimento global.

Para completar esse quadro macro ainda temos a crise política permanente entre os poderes que constitucionalmente devem ser independentes e harmoniosos. No horizonte, as eleições de 2022.

Em meio a tudo isso haja inflação diante do desequilíbrio entre oferta e demanda, além da brutal perda de poder aquisitivo, principalmente para as camadas da base da pirâmide social, formada pela maioria da população, que reflete a brutal concentração de renda.

Agora está no Congresso Nacional a lei orçamentária para o ano eleitoral de 2022. Ela foi feita partindo da premissa de que o INPC terminará o ano em 6,3%, mas o Ministério da Economia já revisou o índice para 8,4%. Esse indicador é usado para reajustar o salário mínimo, aposentadorias e pensões do INSS. Pelo visto, é uma peça de ficção para cumprir a lei. Enquanto isso a inflação dos últimos meses medida pelo IPCA do IBGE ficou em 9,68%(a meta para o ano é 3,75%) e o PIB está projetado para um crescimento em torno de 4,9% no final do ano, após ter recuado 4,1% no ano passado. O mercado já projeta um crescimento do PIB inferior a 1% para o ano que vem.

E ainda temos a pandemia da Covid-19 e suas variantes, que ainda não acabou. Pelo que se vê diante de tantos sinais, não podemos descartar a possibilidade da economia continuar estagnada e com inflação alta, crescente, ou seja, a estagflação está no horizonte próximo. Quanto pior, pior mesmo!

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As preocupações com aquecimento global, mudança do clima nas quatro estações clássicas do ano, seca, geada, crise hídrica e de energia elétrica estão em evidência nas diversas mídias em variadas abordagens. Entretanto, não aparecem com a mesma frequência os problemas trazidos pela poluição sonora e seus impactos para os seres humanos e os animais, que fazem parte do ecossistema. Mas por que trazer à tona mais uma preocupação diante de tantas outras que já estão a nos incomodar? Acontece que o nosso sistema auditivo tem perdas significativas, mas silenciosas, ao longo do tempo de exposição aos barulhos, ruídos e sons acima de determinados limites.

Meu ponto aqui é relatar a percepção que tenho do aumento vertiginoso do nível de barulhos no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde resido há 33 anos. Se for feito ou atualizado o mapa acústico do bairro, veremos que o trem de ferro, que circula ininterruptamente 24 horas diariamente nos sete dias da semana, é a garantia de barulho permanente.

Tudo decorre da passagem de até 50 composições diárias do trem de ferro com dezenas de vagões de carga. Ao passar pelo bairro de Santa Tereza indo da ponte sobre a Avenida do Contorno até a Avenida Silviano Brandão, a composição se arrasta durante pelo menos 5 minutos em cada trecho, que é cercado e faz divisa com as residências a partir da beirada da cerca. Além do barulho naturalmente incômodo da composição, ainda vem os sucessivos e longos buzinaços, independente da hora em que passa, seja dia, seja noite, inclusive na alta madrugada.

Alega-se que isso é feito como um sinal de alerta para alguém que esteja parado na linha ou fazendo a travessia. Acontece que os trilhos que fazem a linha sobre os dormentes são cercados, o que dificulta bastante o acesso de pessoas, embora existam aquelas que conseguem furar o bloqueio da cerca. Dá para contar nos dedos das mãos qual é a frequência diária desse tipo de ocorrência.

Um buzinaço desse ecoa por todo o bairro e também nos bairros vizinhos, notadamente os que acontecem de madrugada.

Outro momento muito desagradável é quando o trem de ferro fica parado na região da estação Santa Efigênia do metrô de superfície da CBTU acionando o motor da locomotiva de 3 em 3 minutos durante 60 minutos na maior parte dos casos. Imagine o desconforto disso durante a madrugada, na alvorada do dia, na hora do almoço, no crepúsculo do dia ou à meia-noite. O descontentamento dos moradores é crescente e circula entre eles uma proposta reivindicando que haja um toque de recolher para os trens das 23 horas até as 6 da manhã. Outros moradores mais antigos se lembram do MOREL – Movimento para a Retirada das Linhas dos Trens do Centro de Belo Horizonte.

Não está nada fácil aguentar a barulheira, e vale lembrar que existem barulhos vindos também de casas de shows e eventos sem a devida proteção acústica além do trânsito das ruas e avenidas mais movimentadas nos horários de pico. E olha que Belo Horizonte possui a Lei do Silêncio 9.505/2008 que regulamenta os níveis de emissão de sons e ruídos nas diversas atividades em seus respectivos horários, mas a fiscalização do seu cumprimento ainda deixa muito a desejar. É o que temos para hoje, enquanto ouvimos, sem mobilização mais forte dos moradores, o barulho dos trens de ferro em Santa Tereza.

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Um inventário de preocupações

por Luis Borges 30 de agosto de 2021   Pensata

Vieram me perguntar se estou voltando a frequentar lugares que faziam parte de minha pauta antes da pandemia da Covid-19. Eu disse que, depois de tudo o que foi e tem sido enfrentado, não tenho pressa para voltar ao passado, já que estou aposentado do trabalho profissional, mas não da vida com todos os seus riscos. Acredito que essa parada quase que obrigatória em alguns segmentos foi desigual na medida em que para uma grande parte o obrigatório foi continuar trabalhando e circulando no ir e vir de cada dia.

Tenho reafirmado que minha estratégia tem sido a da sobrevivência e que a “cada dia se mede a água com o fubá”. Mas por que tanta precaução num momento em que os padrões sanitários e os protocolos estão sendo flexibilizados em suas inúmeras dimensões, me perguntou um colega que vive circulando de uma cidade para outra na região metropolitana de Belo Horizonte? Logo ele que já foi infectado duas vezes pelo vírus ao longo da pandemia.

Disse a ele que estou esperando o cumprimento da meta de aplicação da 1ª dose da vacina para as faixas etárias previstas até o final de setembro. Enquanto isso, a 2ª dose prosseguirá avançando e o reforço da 3ª dose para idosos também caminhará.

Tudo isso convivendo com as variantes Delta e Lambda da Covid-19, mantidos o uso de máscaras, higienização das mãos, distanciamento, ambientes ventilados livremente…

Só então terei mais confiança para ousar circular por ai afora, mas cumprindo os padrões sanitários que os novos momentos exigirem.

Contudo, se a saúde mental é sempre uma preocupação permanente, nesse momento novos entrantes só contribuem para aumentar mais ainda as preocupações mentais e consumir ainda mais as nossas energias que nem sempre são suficientes.

Uma nova preocupação além da pandemia, da saúde e da existência de trabalho, está nos balões de ensaio diários do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS( mostrando que o racionamento de energia elétrica “subiu no telhado”.

Pelo visto, o apagão da energia elétrica se faz presente, as usinas térmicas mais caras serão largamente usadas nos secos meses de setembro e outubro e o jeito será economizar energia na faixa dos 20% para não se assumir explicitamente o racionamento.

Vale a lembrança do apagão da energia elétrica em 2001 e os 20 anos que se passaram na janela sem que o problema da matriz energética fosse resolvido por quem deveria resolvê-lo.

Outra preocupação dentro da crise hídrica é com a água para o abastecimento humano, que precisa de energia elétrica para sua purificação e distribuição, bem como para o consumo de animais e plantas.

Para completar esse inventário de preocupações tem a inflação impulsionada pelos combustíveis, cujos preços são atrelados à cotação internacional do petróleo e à variação do dólar, como também aos preços da energia elétrica com bandeira tarifária vermelha no nível mais alto e dos alimentos de origem animal e vegetal com variações anuais subindo no mínimo 50%. Haja resiliência para constatar a enorme perda de poder aquisitivo para a inflação que nenhuma reposição salarial ou de proventos de aposentadoria trarão de volta. Essas perdas serão definitivas e o que nos resta é refazer o orçamento. O jeito é parar por aqui.

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Observando um quarteirão da rua

por Luis Borges 23 de agosto de 2021   Pensata

É interessante avaliar periodicamente a nossa capacidade de perceber com atenção os detalhes das coisas que estão ao nosso redor. O que dá pra perceber, por exemplo, sobre as atitudes que tomamos automaticamente ou mecanicamente todos os dias, na cidade, no bairro, na rua ou, mais precisamente, no quarteirão em que moramos?

Imaginemos algumas coisas que acabam sendo observadas e analisadas por um atento morador do quarteirão de sua rua. Esse morador percebe, do ponto de vista macro, algumas casas – com ou sem barracos no fundo, pequenos edifícios, nenhum lote vago e poucas unidades adaptadas para algum tipo de negócio.

Uma descrição básica mostra que esse quarteirão da rua tem passeios estreitos, algumas lixeiras instaladas a meia altura nas calçadas, pequenas árvores, galeria para águas pluviais, pista de rolamento asfaltada, trânsito de veículos em mão dupla e estacionamento permitido nos dois lados. As pessoas caminham nos passeios e na rua propriamente dita, onde há trânsito local. Isso não impede que alguns veículos passem por ela em velocidade acima do limite permitido ou que muitos moradores saiam de suas casas automaticamente, sem se atentar para o que está em movimento. Às vezes acontece algo indesejável e uma das causas é a desatenção que poucos admitem existir.

Nessa rua a maioria dos vizinhos são antigos moradores, alguns são herdeiros de pais e mães que já partiram para outro plano espiritual.Os vizinhos mais antigos se conhecem e trocam informações sobre as transformações do espaço. Existem também alguns imóveis para aluguel, como apartamentos e barracões, que trazem caras novas se mostrando aos poucos. Aí também dá para perceber que outras caras já deixaram suas moradias, pois simplesmente não são vistas mais. Fazem parte da rotatividade natural de inquilinos.

Apesar das muitas regras para o bem estar de todos no convívio, ainda falta disciplina para cumprir alguns procedimentos padrão. Um dos mais visíveis se refere ao lixo domiciliar, que é coletado às segundas, quartas e sextas a partir das 20 horas. Alguns moradores colocam o lixo na calçada com muita antecedência, às vezes até no sábado ou domingo, e outros poucos colocam a embalagem depois que o caminhão já passou.

Vários moradores tem cachorros, gatos e pássaros, que recebem os devidos cuidados. O mais difícil fica por conta dos moradores de outras ruas, que aproveitam uma certa tranquilidade do trânsito local para passear com seus cachorros e alguns não recolhem os dejetos que eles deixam na calçada ou na parte da pista próxima ao meio-fio.

É perceptível que alguns poucos vizinhos gostam de música num volume mais alto e pouquíssimos tem feito festas ou encontros em plena pandemia.

Nessa rua os vizinhos demonstram estar atentos em termos de proteção e segurança, principalmente os mais antigos, que também são mais solidários e atentos à movimentação na ruas. Entretanto poucos são os que se visitam.

E você, caro leitor, tem conseguido observar, analisar e perceber detalhes das coisas que acontecem no quarteirão da rua em que mora?

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Se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer/ Mas depois de um ano eu não vindo / Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”, diz Chico Buarque em sua música “Acorda Amor”, composta em 1974, quando a ditadura militar tinha 10 anos. 

Lembrei-me dessa música a propósito de tanta falação e de pouca discussão mais consistente sobre o trabalho presencial e o remoto, notadamente feito em homeoffice. Inicialmente é importante lembrar que o trabalho profissional feito em casa já existia antes da pandemia da Covid-19, ainda que em pequena quantidade, mas com condições tecnológicas razoavelmente adequadas. Ele ganhou muita aceleração dentro das condições possíveis, buscando a melhoria contínua, para contribuir com efetividade no combate à disseminação do vírus e também para manter as possibilidades das pessoas continuarem trabalhando em meio a tantas incertezas. Ainda mais sem a vacina para a imunização das pessoas. Vale lembrar também que uma grande parte das atividades e tarefas dos processos de trabalho só podem ser feitos presencialmente. É só lembrar do motorista dirigindo um ônibus lotado, o padeiro fazendo pão já na madrugada da padaria, o repórter da televisão fazendo uma entrada ao vivo, o serviço de atendimento no pronto-socorro de um hospital funcionando, a conservação e a limpeza de um edifício, os entregadores de encomendas pela da cidade… tudo com as devidas e indispensáveis medidas sanitárias de segurança.

Agora que a vacinação avança e a variante Delta também está na cena, chegou o momento da flexibilização das medidas sanitárias, de maneira gerenciada para avançar ou recuar, mas contando sempre com a responsabilidade e a cooperação de cada indivíduo a favor de todos.

Muitos foram os que pensaram no trabalho remoto como solução definitiva para aqueles cujos processos tiveram que ser feitos em casa todos os dias da semana e meses. Por outro lado, para muitas pessoas só coube compreender que só lhes restava cumprir a decisão monocrática de seus diretores, que ganham para dar a direção, para trabalhar em casa como questão de sobrevivência.

Agora que o momento da pandemia está em outro patamar, menos desfavorável mas inspirando cuidados, vai ficando visível um modelo híbrido – trabalhar alguns dias presencialmente na sede física do local de trabalho e uma maior parte no modo remoto, em casa. Talvez 3 dias em casa e 2 na sede física a cada semana, por exemplo. A tendência é a prevalência desse modelo. Isso tudo em função das estratégias de sobrevivência principalmente para quem trabalha no setor privado construindo suas entregas – resultados – cotidianamente. No setor público as condições de contorno são outras, financiadas pela alta carga tributária paga pela população sem o devido retorno compatível com o valor arrecadado, e precisam ser abordadas em outra pensata com mais especificidades.

Enquanto isso, são comuns os relatos sobre os casos de trabalhadores na faixa até 29 anos preferindo se demitir do trabalho para não voltar ao modo presencial, mesmo sendo uma determinação superior. Também existem os casos de pessoas da faixa etária de 50 anos ansiosos para voltar ao modo presencial por estarem cansados do trabalho doméstico, a começar pela obrigação de colocar o lixo na calçada, e outras atividades que exigem mais comprometimento. Aliás, sei de casos de empresas que adotaram o modelo híbrido há mais tempo e de outras que farão o mesmo até o final do ano, sempre com decisões monocráticas da direção superior. Como se vê, nem tanto à terra, nem tanto ao mar. É o que temos para hoje.

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Mudando de casa

por Luis Borges 9 de agosto de 2021   Pensata

De vez em quando converso com alguém ou alguns que abordam a vontade ou a necessidade de mudar de casa, apartamento ou edícula onde moram. Geralmente são pessoas que possuem moradia própria, pouquíssimas são as que estão no aluguel mas sonhando saltar do trampolim para um imóvel próprio.

Um caso interessante – que tenho visto aumentar a frequência de sua repetição – retrata a situação de um casal com a “síndrome do ninho vazio”. Ele com 69 anos e ela com 67, casados há 42 e morando há 26 anos na tão sonhada casa, de onde viram os 3 filhos partir para seus vôos próprios.

A partir daí o casal começou a se perguntar sobre a real necessidade de continuar morando num espaço tão grande – 190 m² – e com tanta coisa para apenas duas pessoas. Ainda mais diante da dificuldade para contratar trabalhadores diaristas para a prestação de serviços ligados à casa. A pandemia da Covid-19 acelerou a tomada de decisão rumo a uma moradia menor. Então, colocaram a casa à venda no final do ano passado, enquanto passaram a procurar um apartamento medindo em torno de 90m², com 3 quartos, num edifício de 6 apartamentos com 2 por andar e 2 vagas de garagem. Tudo se concretizou ao final de junho, com a melhoria do mercado para imóveis residenciais.

Ao se preparar para a mudança perceberam muitos detalhes que ficaram quase invisíveis ao longo dos anos que passaram na casa. Muito do que deixou de ser feito foi em nome da falta de tempo, da correria louca em função do trabalho sempre priorizado em função da sobrevivência e do crescimento. Se “consumo, logo existo”, ficou fácil de perceber porque o quartinho de bagunças estava tão cheio de bens parados, sem colocar a energia em  movimento a favor da renovação da vida. Assustador também foi descobrir a quantidade de livros, revistas e artigos de jornais armazenados na expectativa de que um dia poderiam vir a ser consultados – mesmo diante da escassez de tempo. Qual não foi o espanto diante de tantas roupas, inclusive dos filhos, sapatos, cintos, bolsas… abarrotando boa parte dos guarda-roupas, armários, mesmo que em muitos momentos tivessem dificuldades para escolher o que seria usado.

Outra descoberta foi a quantidade de modelos de aparelhos de telefones celulares e carregadores de baterias, bem como computadores, teclados, impressoras em desuso.

Na hora de reduzir a quantidade de móveis à metade para se adequar ao espaço da nova moradia é que o casal percebeu como a casa foi ficando entulhada de móveis e equipamentos eletroeletrônicos. Surgiu daí uma constatação tardia de que muito daquilo que ficou acumulado poderia ter sido útil para outras pessoas. Um pouco de desapego poderia ajudar a contrapor o alto desejo de acumulação primitiva de bens.

O fato é que a mudança de moradia trouxe a percepção, na prática, da importância e da necessidade da mudança a favor da melhoria das condições de vida em conformidade com a capacidade de processo em cada ciclo ou fase da vida, de preferencia para se viver só com o necessário e possível em função da renda, de cada um.

E você, o que pensa sobre o caso que abordei? Como está a acumulação na sua casa?

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Estamos chegando ao 18º mês da pandemia da Covid-19 sob a égide da variante Delta e outras denominações caracterizadas pela velocidade da transmissão do vírus. Enquanto isso o processo de imunização prossegue dentro do possível, premido pela capacidade política, gerencial e comportamental de todos os envolvidos. É claro que a cada qual com o seu qual, cumprindo ou descumprindo os papeis que lhes cabem.

Enquanto isso o tempo vai passando, cada pessoa e cada organização humana pulando de toda maneira para sobreviver em meio à crise gerada, que pegou todo mundo de surpresa e instalou o medo, a incerteza e a insegurança. Diversas mudanças se fizeram necessárias e obrigatórias em novos e rigorosos comportamentos sanitários e trouxeram as discussões sobre os trabalhos presenciais essenciais e os que poderiam ser feitos remotamente. O que se percebeu rapidamente foi a aceleração dos serviços de entrega de bens via delivery decorrentes das compras online. Esse serviço já era uma realidade e apenas ganhou um grande incremento para resolver as novas necessidades da logística.

Nesse momento é mais que importante avaliar a qualidade dessas entregas, que são a parte final do processo de compra. Também é importante analisar as condições de trabalho dos entregadores – muitos deles ficaram desempregados na pandemia – bem como a relação da essencialidade do trabalho com a priorização para a vacinação e os treinamentos recebidos para realizar um trabalho consciente, não alienado.

Nunca é demais relembrar fundamentos da gestão que devem nortear as relações das pessoas quando estão no papel de clientes ou de fornecedoras, que podem mudar dinamicamente de lugar em cada processo em que se envolvem. Uma pessoa ao adquirir um bem ou serviço vive a expectativa que ele tenha a qualidade intrínseca especificada, um preço justo e o atendimento marcado pela entrega no prazo combinado, na quantidade requerida e no local definido. Cabe ao fornecedor saber que a sua entrega, os seus resultados serão medidos pelo seu cliente ao avaliar se tudo foi feito conforme as especificações combinadas no início da compra.

No caso aqui, podemos avaliar as compras de alimentos provenientes de restaurantes, lanchonetes, padarias, sacolões e distribuidoras de bebidas, por exemplo.

Como tem sido a sua própria experiência e a de outras pessoas da sua rede de relacionamentos nesses casos? Será que existem mais elogios do que reclamações sobre as entregas feitas pelos profissionais, que geralmente em sua maioria usam motocicletas? Os prazos combinados para as entregas tem sido cumpridos à risca ou às vezes acontecem atrasos? De vez em quando até acontecem alguns adiantamentos inesperados e o cliente reclama porque estava sozinho em sua residência e resolveu tomar um banho enquanto esperava a hora prevista para a entrega, me contou um vizinho. Uma outra vez alguém comentou que solicitou 4 sanduíches e 1 dúzia de latinhas de cerveja e quando foi conferir, já dentro de casa, percebeu que estava faltando 1 unidade de cada modalidade. O frete já embutido no preço, o modo de pagamento, a embalagem dos bens recebidos ou um pedido de uma boa avaliação feita pelo entregador também recebem muitos comentários e considerações. O que você acrescentaria a esses tópicos?

Já imaginou como seria sua postura se você estivesse no papel de entregador durante a pandemia?

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Há quanto tempo você ouve alguma afirmação sobre a necessidade de fazer uma reforma tributária no país, que a carga tributária é alta- 37% do PIB – e que a taxação é regressiva – proporcionalmente, paga mais quem ganha menos? Essas constatações estão no ar há pelo menos 30 anos, e ganharam mais intensidade de 2015 para cá, período marcado por recessão ou baixíssimos índices de crescimento econômico.

Segundo o dicionário Houaiss o substantivo reforma significa “mudança introduzida  em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados; nova organização, nova forma; renovação”, conforme consta no segundo dos 10 verbetes. Nesse sentido é importante trazer à lembrança os processos de reformas como a político- partidária que nunca avança, enquanto convivemos com remendos na lei a cada ano que antecede as  eleições, inclusive com o abusivo fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões para o próximo ano. Vale também lembrar das reformas de base, a começar pela Agrária, falada desde o início dos anos 60 do século passado, ou da reforma Urbana em décadas mais recentes

Por outro lado é fundamental perceber criticamente as reformas que chegaram a ser aprovadas, como a Reforma Trabalhista em 2017, que precarizou as relações de trabalho, e a Reforma da Previdência Social em 2019 cujos efeitos já são sentidos na pele, notadamente no setor privado. Essas reformas foram vendidas como a panaceia para resolver problemas como o desequilíbrio das contas públicas, remover privilégios de algumas categorias profissionais e combater o desemprego com a geração de 10 milhões de postos de trabalho, para citar apenas algumas premissas. E nem sempre os falados benefícios se verificaram na prática.

Finalmente, a primeira fase da Reforma Tributária foi enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso Nacional em julho do ano passado. Ela propunha a simplificação do processo de arrecadação de tributos com a fusão de alguns impostos e contribuições com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS. Tudo continua parado na Câmara dos Deputados.

No final de junho chegou ao Congresso a proposta da segunda fase da Reforma Tributária, tratando do imposto de renda (IR) das pessoas físicas e jurídicas, cujo texto base foi feito pela Receita Federal. Foi um balão de ensaio, com uma mera correção de 32% da altamente defasada tabela do IR, a limitação da declaração do IR no modelo simplificado só para quem tem renda de até R$40.000,00 anuais e a taxação de lucros e dividendos em 20%. Tudo isso para ser aprovado a toque de caixa pelo Congresso até dezembro para entrar em vigor no ano eleitoral de 2022.

Diante das reações imediatas das pessoas jurídicas o deputado federal relator da proposta apresentou um substitutivo em 13 de julho – assinado também pelo Ministro da Economia, o Superintendente da Receita Federal e o Presidente do Banco Central – reduzindo drasticamente a alíquota do IR das pessoas jurídicas para 2,5% ao invés dos 15% atuais. Além disso, cortou os incentivos fiscais para o programa de alimentação dos trabalhadores das empresas optantes pelo lucro real para a apuração do Imposto de Renda e jogou quem recebe de R$40.000,00 a R$83.000,00 anuais no modelo completo do IR, com gritante aumento de carga tributária numa verdadeira “passagem da boiada”.

No momento a falação e os questionamentos recaem sobre se haverá aumento ou redução da carga tributária, impacto do volume de recursos do imposto de renda a ser repassado pela União para os Fundos de Participação dos Estados- FPE e dos Municípios- FPM, a tributação de empregados que recebem seus salários como Pessoa Jurídica-PJ e o incremento da dedução de despesas diversas não ligadas diretamente ao negócio no caixa de empresas optantes pelo lucro real.

Haverá mesmo condições de discutir tudo isso em tão pouco tempo? O que será entregue à sociedade vai ser melhor para quem? A conferir!

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Sem cair na indiferença

por Luis Borges 13 de julho de 2021   Pensata

Faz tempo que a civilização brasileira tem sido marcada pela polarização política, que deve prosseguir cada vez mais intensa até as eleições presidenciais em outubro de 2022 – em pouco menos de 15 meses. Diante de tantas convicções de lado a lado, eis que vem à tona a tentativa de criar uma terceira via, buscando dizer que “nem um, nem outro”. Para tornar tudo um pouco mais complexo e complicado ainda temos a pandemia da Covid -19 a desafiar a arte de viver. Quantas mudanças tornaram-se obrigatórias diante do foco na necessidade de sobreviver apesar de todas as pedras do caminho, muitas delas surgidas por ações e omissões?

Considerando que tudo começa com a gente, seja individualmente e, a seguir, nas relações familiares e com os amigos, que percepções temos e que avaliações podemos fazer sobre o impacto da polarização no nosso cotidiano? Será que estamos conseguindo dar conta de prosseguir na caminhada mantendo a saúde mental e o convívio saudável, agradável e respeitoso com aqueles que estão mais próximos de nós? Percebo que tudo está muito desafiador e a nos exigir grande paciência histórica no esforço para viver e vencer um dia de cada vez, mas também carregados de expectativas sobre o que pode estar vindo por aí. Tudo isso sem deixar cair no esquecimento o filósofo grego Heráclito que no ano 508 antes de Cristo disse que “nada é permanente a não ser a mudança”. Como tem sido nossas atitudes e posturas diante do despreparo que nos torna mais fracos para enfrentar novas condições na sociedade em suas diversas camadas e nas nossas vidas com suas particularidades?

A cada dia ficamos sabendo de casos numa família ou num grupo de amigos, colegas de trabalho ou de vizinhos protegidos, por exemplo, em que alguém postou algo num grupo de WhatsApp e que alguns membros não gostaram. A consequência mais imediata tem sido o cancelamento, a exclusão monocrática, fora os demais desdobramentos na sequência. É obvio que se gasta muita energia para se ter uma participação efetiva nesse tipo de rede com variações em torno de uma bolha. Aliás, muitos são aqueles que sabem falar – e muito – quase como juízes do mundo da verdade absoluta. Porém não sabem ouvir. Os ditados populares dizem que “quem fala demais dá bom dia a cavalo” e “quem fala o que quer, ouve o que não quer”.

Imagine especificamente os casos de famílias ou amigos rachados pela polarização política e pelos patrulhamentos ideológicos. Muitos já são aqueles que tem preferido ficar à margem dos grandes embates para só conversar amenidades e prosseguir na convivência. Dizem que é melhor ficar no “modo silencioso” para não criar transtornos. Porém, qual deve ser a dosagem desse silêncio para não cair na indiferença?

 E você, caro leitor, como tem se posicionado em tempos tão belicosos?

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