Enquanto o dia cresce o calor aumenta. A sensação térmica também se acentua para muito além do que o termômetro mede na plenitude desse verão. Constato mais uma vez, no casulo da inércia de todos que não veem, que o aquecimento global só prossegue avançando e ajudando a prevalecerem os extremos do calor da estação. Até que outro extremo se manifestará no contraste com o inverno. Faço da constatação dos contrastes inspiração para os versos da poesia. Como se isso fosse um alento para atenuar o aquecimento irradiante, a aumentar o efeito estufa, pela ação sem limites dos próprios habitantes desta Terra que marchando neste ritmo tornarão tudo insustentável. Nem mais será necessário exclamar "que calor"! Nosso lamento de agora que sequer será balbuciado.
Ainda que nada inesperado Estivesse sendo esperado Não é que de repente Tudo aconteceu num instante Fazendo tudo rodar Para deixar o corpo Marcado pelos limites físicos A denunciar tantas restrições. Oh! Quanta resiliência se faz necessária Para manter tanta esperança De um dia voltar a caminhar Pelo espaço físico Que apenas povoa a imaginação. Se a condição funcional Colide com a expectativa Que logo a percepção anula Um novo acalanto ressurge Como que a dizer Que depois que aconteceu o acontecido O que mais importa É não estar vencido Nas bandas do mundo Em que ainda se faz presente A complexa arte da solidariedade Ajudando a recompor O que não se esperava Ser decomposto um dia.
O caminho rumo à luz contava com a luz para iluminar a trajetória, até que as contas de luz não mais fizessem questão da luz sempre buscada na estação da terra. Mas de gota em gota, e de conta em conta, o claro foi se escurecendo e os olhos de luz se silenciaram por não ser mais necessária a luz da terra, muito embora todo o caminho continue a ser trilhado na luz ainda que seja apenas o alento possível na plenitude da imaginação que tão bem conhece o universo do imaginado.
As mãos da idosa senhora
Denotam alguma agilidade
No contato com as coisas.
Mas a textura da pele
Que as recobre
Não consegue esconder
O tanto tempo que passou.
O rosto já cansado
Ainda dá sustentação
Aos lindos olhos azuis
De córneas que já se ressecam,
Como que a exigir
Um reforço farmacológico
Para melhor conforto visual.
Se as pálpebras começam a cair
E bolsas a se formar
Marcando o rosto,
Os olhos coriscam atentos
Todo o ambiente do entorno,
Num registro instantâneo
A contrastar com a falta que sente
Da presença de mais pessoas
Para melhor conversar
Enquanto não se sente
No decurso da vida.
Resignada e poliqueixosa
Continua esperançosa
Do aumento da iniciativa
Daqueles que lhe foram próximos,
Por parentesco ou amizade,
Na esperança viva
De ter mais valor
Em suas agendas tão cheias,
Incapazes de perceber
Que a fase idosa da vida
Se aproxima para todos.
Percebo com tristeza
E também com dor na alma
O fim de um ano
Que se esvaiu
Como água entre os dedos
Numa suicida polarização
Entre políticos partidários
Buscando o poder pelo poder.
Esquecida fica a nação
Onde só aumenta a anomia
E se acentua a entropia
Para acalantar e embalar
O grito vivo das ruas
Em busca de uma primavera
Em que não se aceitará
Mais do mesmo que se tem.
Que olhar é esse? Que atravessa a escuridão sem ver a claridade, ainda que bem longe no fim do túnel? Os limites não se mostram definidos nos contornos da visão tubular, determinados de maneira glaucomatosa, que não mais enseja contar estrelas. Mas trazem a nítida sensação de que a lua cheia minguou. A vida prossegue em constante reinvenção. E atenta à dor não doída de trabalhar com o imaginário, para formar a imagem que os ouvidos só amplificam. O inconsciente fala no claro escuro da complexa arte de viver, que nos desafia em caráter permanente rumo à aprendizagem, que faz triunfar a sabedoria para a temperança do essencial.