Barrado na despedida

por Luis Borges 24 de março de 2016   Pensata

Parentes, amigos e familiares de um senhor, morto aos 69 anos, encontraram-se no adro da igreja após a celebração da missa de sétimo dia de sua passagem para outro plano espiritual. A troca de cumprimentos, condolências e informações sobre o ocorrido foi permeada pela distribuição dos santinhos, que se tornarão mais um meio de lembrança do morto enquanto o luto vai se dissipando para dar lugar à saudade. Esse clima não impediu que numa das rodas de conversas alguém perguntasse por qual razão um dos irmãos do falecido não estava presente. Esse mesmo alguém, aliás, não percebeu que outros irmãos também estavam ausentes. Mas o fato é que um primo, de ouvidos atentos e que estava próximo à roda, entrou na conversa se dispondo a explicar as causas.

Segundo o primo, tudo começou quando foi diagnosticada a doença que causou o óbito. O irmão se colocou à disposição da família do morto para colaborar na gestão da empresa do irmão enfermo caso eles sentissem necessidade de um suporte solidário. A oferta foi interpretada pela esposa e filhos como oportunismo, típico de quem tinha interesse de “mamar na teta da vaca”. Chateado por ter sido mal interpretado e sem chance de clarear mais a sua boa intenção, o irmão se manteve à distância enquanto a doença avançava célere.

Foram poucas as possibilidades de visitas, mas o dito irmão ausente comparecia dentro do possível. Quando soube que o fim se aproximava, ele tentou fazer uma visita ao irmão enfermo. Foi à sua residência um dia antes da partida. Seria um gesto de despedida, ainda que o irmão estivesse sedado. Após insistentes chamadas pelo interfone, seu acesso à residência foi autorizado e lá dentro um dos sobrinhos lhe disse que não seria possível sua entrada no quarto do pai, conforme orientação médica fixada na porta, com restrição à visitação (o enfermo já estava em coma), para que ele não ficasse agitado. Ao tentar engatar uma fala reforçando a decisão da família, o sobrinho foi interrompido peremptoriamente pelo tio que disse a ele: “não gostei, e vou te poupar de continuar falando, tentando de forma incoerente justificar a atitude de vocês, pois estou aqui como irmão de seu pai, não sou visita, e tentei exercer o direito de me despedir dele ainda em vida”. Logo em seguida deixou o local.

Assim só lhe restou se despedir do irmão no espaço onde se realizou o velório, no qual permaneceu tempo suficiente para consumar o seu ato. Não havia espaço para mais nada em função das circunstâncias.

Aos poucos as pessoas foram se dispersando na porta da igreja e foi cada um para o seu lado, no prosseguimento do curso da vida de quem ficou por aqui. Quando nada, fica o benefício da dúvida sobre o que poderá acontecer durante o processo do inventário dos bens do irmão morto.

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