Atenção demais também incomoda
Tenho conversado com diferentes pessoas nesses primeiros meses do ano e, coincidentemente, muitas delas estão reclamando da mesma coisa. O problema está nos outros que, a título de lhes dar atenção, estão errando na dosagem, só que pra mais. Como sabemos é a dosagem equilibrada que faz a diferença entre o remédio e o veneno, ainda que cada caso seja um caso.
As situações que ouvi vão de menos infinito a mais infinito, da expectativa do nascimento de uma criança até o luto após a morte de um ente querido.
Um casal anunciou a gravidez de seu primogênito para o círculo mais próximo de parentes e amigos. Receberam os votos de excelente pré-natal e desejos de uma boa hora para o momento da luz. O passar do tempo fez aumentar a ansiedade dos outros e começaram as perguntas sobre o dia exato do parto, se seria normal, as possibilidades de adiantamento e as expectativas e emoções vividas pelos futuros pais. Até que o pai informou a todos que o casal não entraria na ansiedade coletiva e que, quando viesse o primeiro choro, todos seriam devidamente informados pelas mídias disponíveis. Senti que eu também cresci no processo pois minha ansiedade, que já era baixa, ficou baixíssima e tendendo a zero. Imagine quantas pessoas importunariam o casal se nada fosse falado!
Uma situação médica foi o gatilho para o segundo caso. Uma profissional de saúde que se submeteu a um transplante de coração. A ansiedade e a expectativa pelo momento em que surgiria um doador que a tiraria da fila foram grandes e cansativas. Mas ela se cansou mais com a pergunta “cumé que cê tá?” logo depois da cirurgia. Já recuperada e circulando nos ambientes de outrora, muitos que a encontram perguntam toscamente “mas cê tá boa mesmo?” e disparam a falação, ávidos por detalhes da cirurgia e da recuperação.
No último relato que ouvi, uma senhora de 99 anos perdeu o filho mais velho, num processo rápido e doloroso, que durou menos de uma semana. Já no dia seguinte ao sepultamento, passou a receber longas visitas de condolências. Recebeu-as pacientemente, enfrentando os limites físicos da audição. Mas não foi só isso. Quase todos os seus visitantes, tanto da terra natal quanto de Belo Horizonte, queriam saber detalhes do passamento. A senhora começou a se cansar com as repetidas narrativas, que só aguçavam sua dor em pleno luto. Sua única filha, percebendo o processo, resolveu fazer uma gestão mais racional das visitas. Começou a explicar aos visitantes que havia limites, inclusive de duração e horário. Afinal, a mãe se aproxima do centenário de nascimento e haja coração para elaborar a perda!
Se o excesso incomoda e se forma e conteúdo caminham lado a lado, como se comportar diante de situações como as descritas aqui? Você tem enfrentado casos semelhantes ou sou só eu que estou na contramão?