Um “ser” professor

por Convidado 10 de agosto de 2018   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Segundo pesquisa divulgada em julho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil está entre os países que tem as salas de aula mais cheias, ou seja, mais alunos por professores. A mesma pesquisa informa que somente 2,4% dos alunos envolvidos na pesquisa desejam ser professores em escolas de ensino básico e médio.

Triste realidade. Mas me espantaria se fosse diferente. Com escolas públicas sucateadas, alunos sem os princípios mais básicos de educação, advindos de famílias que não têm a menor noção da importância do conhecimento, o resultado não seria outro. O fato é que o “saber” não é valor na cultura brasileira. Um cientista de uma universidade federal ganha menos do que um jogador de futebol iniciante.

Diante de uma realidade como a nossa é bem melhor tentar ser cantor, jogador de futebol e, até, ser diarista em casa de família, pois, qualquer que seja o ganho, é maior do que o de um professor de ensino básico ou médio. É sim. O salário desses “ensinantes” gira em torno de R$2.200,00 por mês. E ainda, para completar, convivem com dificuldades conjunturais como falta de recursos, estrutura, material didático, equipamentos obsoletos e estragados, ausência de laboratórios etc. E as autoridades, para justificarem sua má-fé, dizem que são despreparados para exercerem suas funções. Mas a culpa é de quem? Como um profissional que ganha dois salários mínimos pode fazer cursos de pós-graduação, participar de congressos, comprar livros? Isso sem dizer que deveriam receber aulas de defesa pessoal. Sim. São alvos de violência de alunos insatisfeitos. Bem, meus caros e persistentes leitores, esse é um pedacinho do quadro caótico de nossa educação.

Mas, mudemos de cena. Convenhamos, estudar para quê? Para ser jogador de futebol precisa saber escrever? Para ser político precisa ter diploma? Parece que muita gente já chegou à conclusão de que vivemos num país onde ética, honestidade, cultura e educação não têm nenhum valor. Aqui, nesta terra descoberta por Cabral, os valores são outros. Um amigo, fazendo um trabalho com jovens carentes e incentivando-os a estudar e buscar profissões como advogados, engenheiros etc ouviu a seguinte pergunta: “mas isso dá dinheiro?”. O jovem não está errado. Vivemos, principalmente no Brasil, um capitalismo cafajeste, pois nosso principal objetivo é obter lucro. E, acrescente-se, “a qualquer custo”.

Lembremos de que o tempo dos mártires já passou. Ninguém admira heróis pobres. Os millennials e a geração Z são mais frios, pragmáticos, egocêntricos e buscam uma forma de hedonismo pós-moderno, com muita tecnologia, sexo e rocknroll. Nós, passageiros de um trem antigo que ouvimos Taiguara, temos um pé no passado e outro no presente. E podemos cantar: “Lá onde eu estive, o sonho acabou”. E, em outra canção: “Hoje/ Trago em meu corpo as marcas do meu tempo/… Ah, sorte/ Eu não queria a juventude assim perdida/ Eu não queria andar morrendo pela vida…”

Enfim, é doloroso para grande parcela da população amadurecida encarar os novos valores que, muitas vezes, desprezam a fidelidade, a linguagem respeitosa e culta e, até mesmo, a honestidade.

Ser professor nestes novos tempos não é fácil. Mesmo em cursos de pós-graduação e em palestras nos deparamos com um público composto por boa parte de pessoas mal-educadas e desrespeitosas que, a despeito do trabalho do outro, insistem em utilizar seus smartphones, chegando a falar em voz alta, como se estivessem em suas casas.

Já enfatizei, em oportunidades anteriores, que a profissão de professor já foi motivo de orgulho. Não é mais. Hoje é motivo de deboche, sinônimo de pobreza e, por ironia, de alguém que sabe pouco. Duvidam? Basta olhar para dentro de suas próprias casas e ver quem deseja que o filho seja professor.

Por isso, ressalto que um “ser” professor é um ser especial. É um missionário. E para cumprir sua missão é necessário ter conhecimento, empatia, humildade, amor ao próximo, resiliência, saber doar, e ter consciência de que “Mestre não é aquele que sempre ensina, mas aquele que de repente aprende”. (G.R).

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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