Tô nem aí

por Convidado 3 de julho de 2022   Convidado

*por Sérgio Marchetti

Quando fazia Letras na UFMG tive um colega que dizia que a cada dia a escola estava mais longe da sua casa. E, para quem estudava literatura e figuras de linguagem, aquilo era uma linda metáfora. Mas, se me permitem plagiar aquela ideia, digo que a educação está a cada dia mais longe dos jovens. E não me canso de repetir que nada acontece de maneira isolada. Então o contexto atual indica que as mudanças na educação dos filhos foi um fracasso?

Acredito que nenhum adolescente vá ficar com raiva de mim. Eles não vão ler o que escrevo. Não têm esse hábito. Mas não os culpo. Eles são o resultado de um sistema que diz que “evoluiu” e que ter respeito e educação são meras “caretices”, como também a própria palavra (careta) deve estar ultrapassada. Eu sou retrógrado. O que é isso? Alguém que não progrediu. Não conseguiu acompanhar a evolução da sociedade. Sim. Estou velho, tão velho que sou daquele tempo em que respeitávamos as pessoas com mais idade do que nós. Cedíamos o lugar para eles. E, mesmo que não tivessem razão, não ousávamos discutir. Falar palavrão? De maneira alguma, principalmente perto de uma mulher. Hoje, muitas delas evoluíram, e já falam muitos palavrões.

Eu moro no bairro Sion e aqui, bem perto da minha casa, tem uma escola para meninos de classe média alta. Mas, acreditem, meus crédulos leitores, muitos, não todos, mas muitos mesmo, não sabem o que é ser educado. E, para explicar melhor, digo que aqui está impossível almoçar em restaurante no horário entre meio dia e uma hora. Para vocês terem uma ideia, outro dia eu estava na fila para o almoço quando, sem nenhuma cerimônia, três meninas furaram a fila. Fiquei assustado e não disse nada, tamanha a naturalidade delas. Imaginei que já estivessem lá e, por alguns instantes, sem que eu percebesse, houvessem saído. Mas não parou por aí. Em seguida, mais quatro meninos me fizeram lembrar da frase do meu colega de faculdade: senti que meu almoço estava ficando a cada minuto mais distante de mim. Foi aí que intervi. E disse que estava na fila e que não poderia deixar tanta gente passar na minha frente. Fizeram caras de deboche. — Esse velho ridículo está nos atrapalhando— imagino que pensaram. E ainda argumentaram que os lugares estavam guardados, acompanhados de um som de “tô nem aí”. O prazer do almoço prosseguiu. E, finalmente, quando já havia atingido minha meta de ter um prato servido, veio a segunda etapa: não encontrei lugar para me sentar. Com o prato na mão, lembrei-me de um conto surreal de Murilo Rubião. As mesas estavam todas ocupadas, sem que os anjinhos estivessem almoçando. É que na minha completa incompreensão, não percebi que enquanto alguns estavam furando a fila, outros guardavam os lugares nas mesas. Compreendi, naquele instante, que a amizade é uma coisa linda de se ver. Sou ranzinza? Nem tanto. Não estou reclamando do barulho, digo dos gritos que, na minha rabugice, não percebi que eram a maneira de deixar os idosos surdos participarem do rico momento.

Não se preocupem, leitores casmurros, não vou falar da fila do pagamento. Depois do almoço, fui ao supermercado. Não havia vaga para estacionar. Perguntei ao segurança se estava acontecendo alguma coisa diferente. Ele me disse que era o horário. É que os pais estacionam no supermercado para deixar ou buscar os filhos na escola. Em minha pertinácia compreendi que as mães e pais, movidos pelo egocentrismo, “super” confundiram, inocentemente, o nome do estabelecimento, que, por ter a palavra “nosso”, seria o estacionamento deles.

Ao adentrar no recinto, como diz a polícia, tive vontade me evadir. Estava cheio de meninos. Parecia com aqueles filmes de invasores… Fiz a compra de dois itens e fui para o caixa de idosos, direito que já adquiri, e… vocês não acreditam… havia uma fila enorme somente de meninos uniformizados.

Depois da odisseia, sei que vocês estão pensando que fugi para casa para ter sossego. Mas não tive. Explico: minha rua era calma, sem trânsito, sem passar ônibus. Podíamos entrar e sair da garagem tranquilos. Mas, um belo dia, segundo alguns cidadãos que frequentaram as reuniões dos moradores do bairro, um certo vereador, por ter filhos na escola, conseguiu mudar o sistema de trânsito nas ruas Venezuela e Estados Unidos, visando, claro, melhorar o conforto dos pais dos alunos, em detrimento dos moradores e dos idosos das casas de repouso. Agora, não nos deixam sair ou entrar na garagem. Temos buzinaços, congestionamentos, conflitos e, até, acidentes de trânsito. Mas nada disso importa; o que vale é a intenção.

Por isso, dizem que “de bem-intencionados, o inferno está cheio” e aqui na Terra também.

*Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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