Parece que foi ontem

por Convidado 21 de agosto de 2020   Convidado

*por Sérgio Marchetti

Outro dia, mexendo em papéis antigos e guardados por minha mãe, encontrei um caderno que usei em minha infância. Junto com os escritos vieram as lembranças de um passado precioso, vivido em família. Coincidência ou não, pois, já sou saudosista por natureza, acionei o “recordar é viver” e viajei num lindo avião contornando a rota presente-passado, e ele foi pousar justamente na infância. Parece que foi ontem, minha mãe me ensinando a escrever o meu nome, o dela, o dos meus avós. Como um simples caderno pode trazer tanta recordação e reviver os mortos que um dia estiveram conosco? Estavam ali: um registro de vida, um momento, um carinho, um cuidado. Na contracapa do caderno azul constava a letra do Hino Nacional (a mídia ainda permitia), escrita por Joaquim Osório Duque Estrada. E, embora não pudesse naquele momento ouvir a música, é bom registar que o autor foi Francisco Manuel da Silva.

Toda essa anamnese por causa de um caderno velho, preenchido por garranchos inocentes de uma criança que começava a despertar para o mundo. Aliás, devo lembrar-lhes, leitores persistentes, um mundo tão mais simples do que o de hoje. Sei que pensaram que o mundo é o mesmo. Sim, porém, é só o lugar. O cenário e o palco não são os mesmos, muito menos as personagens. Nada é igual ao que já foi um dia. Tudo flui, tudo muda o tempo todo – já disse Heráclito.

Cabe observar que somente o caderno não se modificou. E que, talvez por isso, tenha me vindo à mente a canção maravilhosa de Mutinho e Toquinho:

“Sou eu que vou seguir você/ Do primeiro rabisco até o bê-a-bá./Em todos os desenhos coloridos vou estar:/ A casa, a montanha, duas nuvens no céu/ E um sol a sorrir no papel… Só peço a você um favor, se puder:/Não me esqueça num canto qualquer”.

E eu o esqueci num armário qualquer.

Assim, simplesmente assim, a estrada do tempo nos conduziu e, hoje, de posse de um outro caderno, parecido com o meu, estou ao lado de minha mãe, pedindo a ela que escreva seu nome, o de seus filhos e o de meu pai. E ela, com seus olhos grandes de boneca, já cansados e descoloridos, lentamente começa a escrever, mas com lentidão e um certo tremor nas mãos. Olha para mim e, assim como eu fazia, espera aprovação – que dou imediatamente.

Agora, devido à doença, sou eu quem a ensina e, talvez, não tenha tanta paciência e calma como ela me dedicou. Mas trago comigo um sentimento de gratidão do tamanho do mundo por tudo e por todos que fizeram algo por mim. Ser grato me faz ser mais solidário e compreensivo com as pessoas. E é aconselhável pensar no amanhã, e em quem irá colocar sua cadeira no sol. Não riam, o ontem e o hoje sempre estão nos demonstrando o quanto é importante plantar para um dia, bem próximo, ter o que colher. Sim, meus amigos, a lei da vida se resume nisso. Assegure-se do que está plantando para o futuro. Caso contrário irá colher ervas daninhas.

Muitos dias se passaram e o vento os levou. O menino cresceu e precisa cuidar da velha-menina que carece de proteção. E, assim:

“um menino caminha/E caminhando chega no muro/E ali logo em frente a esperar/Pela gente o futuro está…/ Nessa estrada não nos cabe/ Conhecer ou ver o que virá /O fim dela ninguém sabe/ Bem ao certo onde vai dar… / vamos todos / Numa linda passarela/ de uma aquarela que um dia enfim…

…Descolorirá.”

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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