Paradoxos
por Benício Rocha*
A chuva mais rala do que a cabeleira do meu pai insistia em cair, como os sonhos dele.
Isso era mais um paradoxo em sua vida, pois se de um lado as plantas agradeciam, e ele dependia delas para viver, do outro a estrada tornava impraticável a distribuição e a venda delas.
Mas, para ele, a vida era mesmo um paradoxo. A bela idade sobre os ombros, tão desejada e defendida ao longo dos anos com uma alimentação ajuizada, noites bem dormidas e vida com muitos movimentos ao ar livre, trazia em si a lembrança, diariamente, às vezes através de pequenas dores, às vezes através de exames laboratoriais feitos lá na cidade e interpretados pelo médico sempre sorridente e condescendente. Era a certeza de que o fim se aproximava, inexoravelmente.
E seus poucos cabelos se eriçavam ao olhar aquela estrada lamacenta rodeada por uma vegetação sorridentemente verde…
O longo caminho o trouxera ao nunca querido e sempre sonhado tempo dos poucos sonhos e muitas apreensões, das despedidas diárias e da lembrança de que o verde passa rápido e tudo fica seco, sem vida. E tudo se transforma em parte da história, que é eterna.
A vida do meu pai foi longa e rápida, seus ensinamentos curtos e eternos.
Ao longe ainda posso ver um Jeep, café-com-leite, pequenino, lutando e sendo vencido pela estrada gigantesca e lamacenta.
Combate entre a morte e a vida.
*Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.