O exame

por Convidado 12 de dezembro de 2017   Convidado

por Sérgio Marchetti *

Um tio meu estava adoentado em sua fazenda lá na Zona das Vertentes. Fui visitá-lo. A família me incumbiu de convencê-lo a fazer exames. Porém, a tarefa não era fácil. O velho era tinhoso, como diziam os seus.

Chegando lá…

– Boa tarde, tio Totonho.

– Deus te abençoe, meu filho – falou e esticou a mão para mim.

– Já sei que “tu não veio só me visitar” – falou o velho tio, meio que olhando de esguelha para mim. – Velho só é visitado quando está para morrer. Eu estou?

– Que eu saiba, não. Vim lhe visitar porque queria vê-lo.

– Fica velhaco rapaz, eu sei das coisas. Enquanto vocês plantavam a semente eu já tinha chupado o fruto. Deixe de desengano que não nasci ontem. Caso tenha vindo para se despedir, seja bem-vindo. Mas se for para me convencer a ir aguentar lorota de doutor, perdeu seu tempo. E lhe complemento: põe sentido numa coisa: caso eu esteja doente, o médico não irá me salvar. E, não estando doente, não preciso dele.

– Ninguém está falando de morte. Mas é importante ser prudente. Sentir dor não é bom, nem normal. O senhor está sentindo o quê?

– Nada não.

– Pode dizer para mim – insisti.

– É só um “comichão” por baixo da “carcunda”. Mas prefiro ficar com a dor a ter de andar naquela cidade grande, desmapeado, sem saber se estou vindo ou se estou indo. E com aquele povo que me “alembra” um formigueiro fugindo de tatu. A última vez que fui para aquelas bandas eu era menino. Num pus fé em voltar.

– Não precisa ir para uma cidade muito grande. A medicina está em lugares pequenos também.

– Mas “os doutor” daqui receitam é chá. Para tomar chá eu não preciso de receita.

– Eles receitam antibióticos também. Tudo isso será rápido, tio.

– Não será. O “desinfeliz” do doutor vai mandar para outro doutor. Aí o excomungado vai me pedir um desmesurado de exames, e não vai ter paz enquanto não encontrar uma bendita doença e dar cabo de mim. Eles formam para achar a doença. Por essas e outras que eu descreio da modernidade. E, enquanto isso, estou desperdiçando tempo de vida que já está encurtada demais da conta. O sô, na minha idade o desviver não dá aviso. A bruta chega e bate na porta da gente. Aí não tem fuga nem esperança que afugente a coisa ruim.

– Mas, vamos deixar de “entretantos” – disse tio Totonho. E continuou: – vamos prosear sobre outra coisa. Tu vai pernoitar aqui e, mais tarde, comer uma jantinha da hora. Antes disso, nós vamos tomar um café com bastante bolacha, broa quente e outras iguarias que sei que “tu gosta”.

– Obrigado, tio Totonho, mas, só para encerrar, sei que o senhor está assim por causa de um exame meio chato. Olha, posso lhe garantir que é rápido. É só um toque na entrada….

– Epa! Ficou doido, rapaz. Que desrespeito é esse!? – gritou.

– “Num vem cum” modernidade aqui não. Fique sabendo que aqui num tem entrada, não senhor. E não se fala mais nisso.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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