O ano perdido
*por Sérgio Marchetti
O que dizer sobre o momento que estamos passando? Acho que todos já disseram tudo e qualquer comentário será mera repetição. Já sabemos que morreram e morrerão muitas pessoas. Mas não só por COVID 19. Morre-se por muitas outras doenças. Também sabemos que teremos o maior desemprego de nossa história.
O que me impressiona é a descaracterização do papel de algumas mídias, somadas à falsidade de alas políticas. A informação perdeu sua veracidade nestes tempos conturbados. Ex-Ministros parecem ter pretensão de se candidatar a papéis de protagonistas quando as novelas voltarem a ser gravadas. E o Presidente da República, além de não contribuir com as recomendações dos órgãos de saúde, ainda fornece munição para seus inimigos fazerem pauta. Diria a ele: você tem o direito de permanecer calado, pois tudo que disser será usado contra você. Mas nós, brasileiros, já estamos vacinados contra bobagens de presidentes. Haja vista que tivemos anos de falas desconexas, incoerentes e até ébrias.
A pandemia por si só já representa um incômodo suficiente para a população, sem precisar deste debate repetitivo, cansativo e desgastante. Até o tom de voz dos âncoras de alguns jornais está afetado. Há ódio no olhar e na entonação. Já não sabemos distinguir a verdade da inverdade. Alguns olham para o céu e veem estrelas entre nuvens, outros, porém, veem apenas as nuvens. E como escreveu Machado, em Quincas Borba: “O cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.”
Mas o que deve ser tratado é a estratégia. Os próximos passos têm que contemplar as consequências da doença. E o planejamento não deve se restringir às perdas financeiras e econômicas, mas também emocionais.
Talvez, depois de tudo isso, o mundo não seja mais o mesmo. Estão dizendo isso nas redes. E creio que tenham razão. Cabe, entretanto, lembrar que o mundo tem mudado numa velocidade exorbitante e que já não é o mesmo há 60 anos, aproximadamente. Óbvio que, agora, há um fator novo e que abalou o mundo. Mexeu com o orgulho e a falsa ideia de força e, mesmo, do poder que o dinheiro garante a quem o possui. Houve um nivelamento. O vírus é “democrático” – não é esta a palavra que bocas enganosas repetem todas as noites em seus jornais novelísticos. Sim. O nome pandemia já garante a igualdade e a extensão da doença.
Mas, cá entre nós, o isolamento ou distanciamento nos castigou com muito rigor. Gerou saudade, vontade de abraçar um filho, um neto, nossos pais, nossos amigos. Estão tão perto do coração e tão longe dos braços. E que estranho mal-estar nos envolve quando temos entre nós e nossos entes mais queridos um inimigo que nos separa e nos ataca sem que tenhamos como nos defender.
Até quando viveremos separados pela grande muralha invisível que se instalou entre nós? E a quantos já foi e ainda será negado o direito da resiliência? Não temos as respostas e, por pior que seja o regime de cárcere, ainda temos a esperança de voltar à normalidade ou a um recomeço.
Mas este ano está perdido para grande parte dos cidadãos do mundo. E, se 1968 foi o ano que não terminou (Zuenir Ventura), 2020 será lembrado como o ano que não começou.
Quem viver verá.
* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.