No tempo em que eu era imortal
por Sérgio Marchetti *
Um amigo me confidenciou que estava com depressão por ter lutado a vida inteira e não ter conseguido realizar seus sonhos. Alguns, disse ele, estiveram muito próximos de acontecer. Mas a lâmina do destino, de maneira incompreensível e muitas vezes injusta, cortou a trajetória de suas realizações. Ele acentuou que, entre uma frustração e outra, uma crise e outra, veio o tempo que, ininterruptamente, roubou-lhe o vigor, o brilho e a esperança. Inspirado em Jorge Luis Borges, disse que, se pudesse começar de novo, faria tudo diferente, mas sabe que agora não tem mais tempo.
Esse relato, infelizmente, não é raro. Muitas pessoas, independentemente da idade, estão fragilizadas, desiludidas e cansadas de ser coadjuvantes, quando possuem bagagem suficiente para ser protagonistas. Pessoas há que acreditam na sorte. Outras apostam no destino: maktub, tudo já está escrito. Eu não possuo opinião formada a respeito do assunto. Sinceramente, estou mais para a constatação de Sócrates: “sei que nada sei”.
Na realidade, caminhamos a passos largos para o mundo da exclusão social, palco da mais cruel e injusta distribuição de renda da história e de poucas oportunidades para os menos favorecidos. Como estamos no Brasil, os cenários são ainda piores.
Meu amigo atravessa uma fase difícil. Está velho e sofre de preconceito, independentemente dos eufemismos utilizados para mascarar a idade avançada. Para o idoso (melhor idade), apesar dos privilégios da lei, não é fácil lutar contra tantas limitações. Mas nem tudo está perdido. A passagem do tempo traz novos papeis – personagens que devemos encarnar no teatro da vida. Experiência é uma joia rara que só é dada a quem vive mais tempo.
Fiquei imaginando como poderia ajudar o amigo. Pensei em dizer-lhe que a mudança é inevitável, traz ameaças, sim. Contudo, proporciona oportunidades, emoções e momentos raros. Quem tem netos diz que é agraciado com um presente de Deus – privilégio dos que não morrem cedo. Há entendimentos que só virão com o tempo. Somente quando ficamos maduros é que descobrimos o porquê do verde ser a cor da esperança. Sonhamos com tantas coisas e, cá entre nós, já sabíamos que certos sonhos declarados eram mais da boca para fora do que verdadeiro desejo. Não iriam se realizar mesmo. Porém, os sonhos se renovam como células.
Aprendi, lendo Shakespeare, “que depois de algum tempo a gente aprende”… que nossos pais tinham mais razão naquilo que nos diziam do que poderíamos supor. E que, com o passar dos anos, a convivência com a morte de parentes e amigos torna-se frequente. E nos momentos tristes, nos encontros com velhos amigos, prometemos com uma mentira sincera que vamos nos reunir em outras situações para comemorar a vida e não para chorar as mortes de pessoas queridas. Passada a comoção, tudo volta ao normal. Não haverá encontro algum, tampouco o resgate das antigas amizades. A peça teatral que um dia, em algum lugar do passado, representamos juntos, não permite reprise, apenas recordação e saudade. Então nos resta a nostalgia. Eu adoro minhas lembranças e as guardo com saudades da minha infância, da rua calma do interior, numa casa com quintal, onde ser menino era ser imortal. Imaginava que nunca ficaria velho…
Lembranças, quantas lembranças…\ Das goiabeiras gentis, \ Dos abacates tão verdes quanto nossas esperanças,\ Dos limoeiros e laranjeiras, dos animais hostis,\ Lembrança de mim, de ti, dos demais.\ No tempo em que éramos imortais.
Quantos tios, tantos primos – muitos encontros.\ O futuro que nunca chegaria, a infância eterna.\ Nunca a desesperança, nunca o desencontro.\ Sempre o carinho de avó, de mãe terna. \ Os sonhos… tantos sonhos irreais… No tempo em que éramos imortais.
Amigo, recordar também é viver!
* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br .