Não me interprete mal

por Convidado 6 de junho de 2021   Convidado

*por Sérgio Marchetti

Napoleon Hill conta uma história de um avô que, estando perante seu neto:

“retirou milho do galinheiro, espalhou pelo chão de terra e cobriu com palha. Quando indagado por que se dera a todo esse trabalho, ele respondeu: — por dois motivos muito bons: primeiro, porque cobrir o milho com palha, de modo que as galinhas tenham que ciscar para encontrá-lo, proporciona o exercício de que elas precisam para ficar saudáveis; e, em segundo lugar, dá a elas a oportunidade de terem o prazer de mostrar o quanto são espertas ao encontrar o milho que pensam que tentei esconder delas”.

O que tem a história das galinhas a ver conosco, pode estar pensando meu leitor mais questionador. Mas acredito que a interpretação dela nos possa ser útil. E quero crer que seja um exercício salutar, pois, segundo o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, em pesquisa de 2016, somente 8% da população brasileira conseguia ler e interpretar textos. Pesquisas atuais confirmam que não houve melhoria, apesar de, em 2019, segundo o IBGE, a internet ser utilizada em 82,7% dos domicílios brasileiros. Podemos deduzir que o fato de utilizarmos a tecnologia não ajudou na melhoria do entendimento das mensagens. Ao que nos parece, as evidências indicam que piorou. O que não nos surpreende, pois quantidade de informações não é igual à qualidade de informações.

Constatadas as dificuldades, vale praticar um pouco de interpretação. De volta ao galinheiro, poderíamos dizer que o autor desejou nos mostrar que fazer exercício é saudável e essencial, e que não menos importante é estarmos felizes por atingirmos nossos objetivos. Será que exagerei na interpretação, meu contido leitor? E digo mais. Acredito ser impossível alcançar a felicidade sem conquistas, sem descobertas e tendo nossa liberdade tolhida. Porém, atualmente, um dos erros mais cometidos em nossa sociedade educada é a superproteção dos filhos. E, sem perceber (ou percebendo), muitos pais não permitem que seus filhos evoluam, andem sozinhos e façam suas necessárias descobertas. Com suas mãos de tesoura, como Edward, podam suas asas para não voarem alto nem longe do ninho. O resultado é simples; criam-se filhos mimados, egocêntricos e que continuam, como se fossem crianças, dependendo do esforço dos mais velhos para lhes prover de tudo que necessitam, enquanto trabalham (isso quando trabalham). E, tudo isso, sem falar dos “nomofóbicos” e “autistas tecnológicos”, que se dedicam mais de doze horas por dia à doentia utilização de seus smartphones e computadores — razão mais do que justificada para não poderem auxiliar nas tarefas domésticas, compras no supermercado e trazerem um copo d’água para aquele pai idoso e cansado.

E as causas principais? Reputamos, entre outras, o ensino ruim, a apatia de muitos pais e a péssima influência de algumas mídias, que funcionam como alavancas propulsoras da inversão de valores, incentivando os jovens a tomarem a batuta e regerem, como se soubessem, a orquestra de seus lares.

Mas jovens envelhecem e, com o passar do tempo, irão perceber (já estamos percebendo) suas dificuldades — patrocinadas pela tecnologia — de concentrar, ouvir, interpretar e compreender as entrelinhas das mensagens.

E você, meu atento leitor, como interpretaria as causas dessa grande dificuldade?

Eu, na minha humilde opinião, acredito que esteja sobrando tecnologia e faltando galinheiro.

*Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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