Historinha pra boi dormir
* por Sérgio Marchetti
Era uma vez um país de sapos, onde todos viviam tranquilos em seus espaços. Era um enorme brejo, mas com muitas árvores e muito verde. Nos finais de tarde, quando a noite chegava, era aquela cantoria; canções de ninar para sapinho-boi dormir (boi, boi, boi… Boi da cara preta pega este sapinho que tem medo de careta). Em dias chuvosos, as cigarras cantavam sua última canção, e se “ouvia o canto triste da Araponga anunciando que na terra”… iria chover. Havia muitos pássaros cantadores, vagalumes que brincavam de engolir fogo e grilos malabaristas. O talento artístico se sobrepunha ao talento para tarefas e trabalhos mais rotineiros.
No início, os sapos viviam de acordo com suas leis selvagens e chamavam seu torrão natal de Sapolândia. Era um povo-sapo muito “brejeiro”, literalmente falando, e adorava seu espaço, úmido, com muito verde e muita água.
Mas, numa linda manhã de sol, aconteceu uma grande novidade que iria mudar para sempre a vida daqueles habitantes. Sapos de fora chegaram naquele lugar. Foi um verdadeiro pandemônio. Eram diferentes, vestiam roupas estranhas, coaxavam numa linguagem incompreensível para aqueles sapos nativos que falavam tupi-guarani.
Veio então a mudança. E, mesmo, que os sapos mais rebeldes dissessem em suas reuniões secretas – sob o céu risonho e límpido – que sapo de fora não ronca, não foi o que ocorreu. A Sapolândia foi invadida por sapos mais civilizados, e, apesar disso, não demonstraram, em seus costumes, que civilização era sinônimo de educação. Os invasores trouxeram sapos bandidos, oportunistas e golpistas que chafurdaram na lama.
Naquele tempo, vieram reis e rainhas-sapas, rãs e pererecas estrangeiras que fizeram de um lugar brejeiro uma enorme colônia de anfíbios. A Sapolândia, a partir de então, foi governada por príncipes e princesas, mas nunca foi bela como nas historinhas para boi dormir. Os sapos de fora deram um novo nome para o lugar. Nascia então o Brejil. Muitos anos depois, proclamaram a república e elegeram um presidente.
“Mas um dia tudo mudou, a vida se transformou e a nossa canção também ”. Houve revolução militar, comandada por sapos de fora que roncaram forte – americanos -, e anos sombrios dominaram o brejo.
O tempo passou e os cidadãos-sapos do Brejil pregaram a democracia. Porém, por não conhecerem a fundo os preceitos democráticos e, sem conseguirem abandonar a cultura da lama, instituíram a anarquia e meteram as mãos… digo, meteram os pés pelas mãos. Mantiveram o Brejil no lamaçal. Constatou-se que os sapos governantes não haviam evoluído, mas aprenderam a usar terno e gravata para consolidar a postura de poder. As princesas-pererecas, primeiras-damas que se passavam por sapas, também não foram nem um pouco parecidas com as dos contos de fadas e não foram felizes para sempre. E, os sapos oprimidos e sofridos, cantando seu lema de “não desistirem nunca”, continuavam esperando por um salvador da pátria – talvez um Messias que viesse do fundo do poço da Sapolândia.
Apareceram sapos cultos, arrogantes, simples, mal-humorados. Mas numa linda manhã de sol, eis que surge um anfíbio vindo do povo. Era bem tosco, “zuiúdo”, coaxando algo muito parecido com o tupi-guarani. Compunha as características que muitos habitantes do Brejil queriam. O perfil era adequado aos sonhos dos sapinhos da pátria amada, mãe gentil. Teve a adesão dos grilos falantes, muitos com talento artístico, que passaram a pregar liberdade, direitos humanos e falar de diversidade com tanta incoerência que seus discursos de bicho-grilo, ainda agora, não têm nenhuma fidelidade com suas atitudes burguesas.
O sapão da esperança ainda nos apresentou uma sapa-falante, cujo dialeto nunca foi compreendido, pois não tinha nexo. Chafurdaram na lama. Mas deixaram seguidores que adotaram os três macaquinhos como símbolo – não quero ver, não quero ouvir e não quero falar.
Em algum cantinho do Brejil, alguns sapinhos cantam o hino (Brejo adorado, Entre outros mil, És tu Brejil, Ó Pátria amada!…) e continuam a alimentar a esperança de que um dia serão felizes para sempre.
Mas acho que tudo isso é conversa para boi dormir.
* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.