É com a alma lavada e enxugada…

por Convidado 5 de março de 2019   Convidado

* por Sérgio Marchetti 

Apesar de toda a evolução tecnológica sobre a qual o homem mergulha de cabeça, deslumbrado com as maravilhas do novo mundo cibernético, ainda assim, será necessário falar em público. Mais do que isso, teremos que falar com propriedade, conhecimento e ótima argumentação.

Como preconizou Aristóteles, (384 a.C. – 322 a.C.) serão essenciais ao discurso o ethos, que apela para a ética, o pathos, que traz sentimento ou emoções, e o logos, que é a própria lógica. Com estes elementos as possibilidades de sucesso tendem a aumentar.

Não será excesso de rigor dizer que em muitas apresentações tem faltado a ética. Alguns profissionais mentem absurdamente e fazem comentários deselegantes. Também presenciamos apresentadores fazendo charme e carregando a voz de maneirismos. Em outros momentos, assistimos a técnicos que dispõem de uma boa pronúncia, de uma base sólida de conhecimento, mas dão a impressão de serem alimentados por algoritmos e de não terem alma – tamanha a distância mantida entre eles e a plateia.

Conheci instrutores de oratória cuja fala tem mais tempo de cacoetes e sons estranhos ao tema do que de palavras que compõe os seus discursos. Em meus tempos de coordenador acadêmico, diretor e professor de faculdade, tive a oportunidade de conhecer excelentes professores, porém, muitos daqueles traziam em suas apresentações vícios que os marcaram eternamente perante os alunos. Sons inadequados, palavras e expressões repetidas e quase cadenciadas os tornavam professores e oradores cansativos. Um caso que ilustra minha observação é do Pelé – atleta do século, melhor jogador do mundo, campeão mundial pela seleção brasileira e pelo Santos – , mas, quando chamado para realizar um comercial, o que exigem dele é que diga “entende?”, por ser o seu vício de linguagem. Ora, o cacoete linguístico parece ser mais forte do que todas as conquistas do rei do futebol.

Os “campeões” do repertório de sons indesejáveis são: né, é, tá, e aquele chiado arrastado de UUU. Mas as dificuldades não param por aí. A lógica apregoada pelo referido filósofo também parece faltar em algumas apresentações. É um tal de começar do fim ou do meio. E o apresentador vai… volta, repete, ratifica, acaba transformando o conteúdo numa mistura de ideias que algumas vezes perdem até o nexo. São os “Odoricos Paraguassus” (que ainda se dizem falsamente que não merecedores de tamanha homenagem). Há algumas pessoas, porém, que se justificam, se dizendo “modernas” e apresentadores e apresentadoras vanguardistas. E, com essa autorrotulação, transformam uma palestra em picadeiro, e devem fazer Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, os modernistas genuínos, se arrepiarem em seus túmulos.

Ressalto, para que não pairem dúvidas, que sou totalmente favorável aos movimentos de mudança e, obviamente, sei que a arte de se expressar acompanha e até antecipa as transformações. Não é diferente com a evolução linguística. Tudo se transforma o tempo todo, mas tudo deve ter início, meio e fim. Também já tive a oportunidade de informar que me incomoda a forma como alguns palestrantes abordam a plateia. Muitas vezes a prática de interação agride e menospreza algum espectador, quando é solicitado que participe e que suba ao palco e, não raro, para fazer algo que o ridicularize. Estou reiterando meu incômodo para que outras pessoas possam evitar tamanha falha, o que ainda pode lhes custar uma ação na justiça. Lembro aos palestrantes que não temos o direito de “convidar” (intimar) um membro da plateia para fazer qualquer coisa caso aquele não se sinta à vontade. Em alguns episódios, “as vítimas” são submetidas a dancinhas infantis e protagonizam um teatro, cuja comédia gira em torno de um cidadão ou cidadã que não recebeu cachê para fazer papel de palhaço.

Talvez você não esteja preocupado com meus comentários, pelo fato de não realizar palestras ou não ter contato direto com o público. Porém, me compete informar-lhe que processos de seleção, entrevistas, apresentações de projetos e até aquele evento em família irão surgir na sua vida. Não dá para fugir eternamente da sua dificuldade. O domínio das técnicas é o primeiro passo para vencer o medo, a timidez e a insegurança. E saiba que falar em público e comunicar… é só começar.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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