Contador de histórias

por Convidado 12 de outubro de 2018   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Quando era criança, enquanto meus amigos e irmãos vislumbravam um futuro como médicos, engenheiros, advogados, eu dizia que seria contador de histórias. Tal aptidão deixava meu pai desesperançoso, pois o pragmatismo era, como ainda é, sua doutrina.

Um tio emprestado, também não satisfeito com minha opção, disse-me que contador de histórias não era profissão. Era coisa de professora primária. Eu deveria pensar melhor e ser um doutor “adevogado”. De fato, lembro-me – e com saudade – que nos antigos grupos escolares, obrigatoriamente, as professoras (ainda não eram tias) nos contavam histórias. Eu adorava ouvi-las.

Mas as histórias não se resumiam às aulas. Meus avós contavam histórias melhores ainda. Nunca vou me esquecer de que minha bisavó italiana perdeu um filho durante sua viagem de navio para o Brasil. Segundo narrava meu avô, filho dela, em apenas 15 dias minha bisavó branqueou todos os fios de cabelo. A perda fora grande demais. De histórias tristes às mais amenas todas sempre me agradaram e ainda agradam. Os amigos de meu irmão atribuíam a ele uma história muita curiosa: quando ele era muito pequeno ganhou um relógio Lanco de nosso pai. Posteriormente, esse irmão foi passar férias na fazenda de nosso avô e, por lá, para sua tristeza, acabou perdendo o relógio. O tempo passou. Quinze anos depois meu irmão caminhava pela mata quando decidiu parar para descansar sobre o tronco de uma frondosa árvore. O silêncio era total. E foi justamente naquele momento que, de olhos fechados, ouvindo o som do silêncio, meu irmão captou um ruído que lembrava o batimento cardíaco. Pasmem, meus perseverantes leitores. Era o batido do relógio perdido. Sim, ele era automático e com o crescimento da árvore o milagroso relógio nunca deixou de funcionar. “É verdade Terta?”

Mudando de contexto e de ambiente, as empresas estão redescobrindo a importância de criar histórias para que seus stakeholders e clientes possam sentir a essência que vem sendo perdida num mundo tecnológico, frio, calculista e sem tempo para entender ou exercitar a visão sistêmica.  A empresa fabricante do relógio Lanco poderia explorar a história para proclamar sua qualidade e durabilidade.

Segundo a revista Exame, uma pesquisa recente feita pela Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) com 159 executivos, indicou que 45% conhecem aplicações de storytelling no mundo corporativo; 27% afirmaram que sua empresa a utiliza em alguma área e 22%  afirmaram que a praticam na organização.

O crescimento do fator storytelling é iminente, a exemplo de empresas como Ritz-Carlton Hotel, Sodexo Health Care, Hospital Albert Einstein entre tantas outras que desenvolveram histórias e obtiveram resultados excelentes.

Não me tornei engenheiro, nem médico e muito menos advogado. Tampouco  consegui ser um bom contador de histórias. Mas continuo adorando ouvi-las e acreditando que são formas infalíveis de envolvimento e aprendizado, seja nas empresas ou nas escolas. E conforme Cícero, a história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida e anunciadora dos tempos antigos.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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