Um sonho

por Convidado 22 de dezembro de 2014   Convidado

por Benício Rocha

O contraste da blusa alva sobre a calça preta só era menos lindo do que a harmonia composta do lado de cima pelos abundantes e levemente anelados cabelos negros, adornos de uma pele morena, boca grande, olhos verdes e sorriso leve, suave, quase enigmático.

E a moça subia a Rua da Bahia sem precisar conhecer a previsão da meteorologia, pois a chuva de olhares e os ventos fortes dos gracejos e sussurros eram intensos sobre ela. E faziam dançar seus cabelos.

Era possível ver relâmpagos nos olhares masculinos e femininos e ouvir trovões dos corações. E ela seguia soberana, régia, Regina…

Seu cérebro rápido, quase alheio ao mundo ao seu redor, pensava em como agir para conquistar aquele menino da faculdade cujos olhos eram tão ausentes dela. Por isso, então, sentia-se numa passarela ensaiando para o quando o visse.

Em seu querer de menina, em seu desejo de mulher, o universo masculino resumia-se a ele, único, separado. Perfume sedutor para ela, mulher. Doce veneno. Romeu.

Olhos que se buscam, vidas que se cruzam. O amor que renasce. Que nunca morre. Que sempre vence.

Uma vida a dois, Regina, Romeu…

Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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Olhe bem as montanhas

por Convidado 15 de dezembro de 2014   Convidado

por Sergio Marchetti

Eu cresci entre as serras da Mantiqueira e do Ibitipoca.  Naqueles belos tempos, nós sabíamos quando era a época de chuva, de sol e de frio.  A natureza estava equilibrada e nos indicava com precisão cada estação do ano. Eu escalava montanhas e, junto de irmãos e primos, buscávamos gado de um pasto para outro. Depois crescemos e descobrimos que em Minas Gerais não havia montanhas. O Brasil não tem montanhas. Tem serras. As montanhas, teoricamente, seriam mais altas.

mar de morros em MG

Montanhas de Minas em Glaura, distrito de Ouro Preto (MG) / Foto: Gustavo Borges

Houve de lá para cá um desequilíbrio humano. Sem saber que andava errada, a humanidade se embrenhou por caminhos tortuosos. Fomos tomados por uma neurose coletiva, uma compulsão por prazer, por compra, pelo dinheiro a qualquer custo. A cultura cedeu, mesmo com má vontade, espaço para a futilidade. O “saber” deixou de ser valor. O intangível foi desconsiderado, num mundo visual. Para muitos, vale mais um par de peitos de silicone do que ter a consciência do mundo em que vivemos. Vale o que é visível, ainda que seja falso. O hedonismo de Aristipo encontrou muitos adeptos. Também nunca a falsidade teve tanto valor. Já não importa mais “como” a pessoa fez sua escalada na vida, mas sim “onde” ela está. Oh! Maquiavel, que mau exemplo tu nos deste: “os fins justificam os meios”. O mais curioso de tudo isso é que os alpinistas sociais nunca leram Maquiavel…

Porém, sei que nesse ganho desumano e amoral, num surto coletivo, as montanhas ou as serras foram incluídas no pacote “do dinheiro a qualquer custo”.

Cabe lembrar que alguns brasileiros bem intencionados e ajustados emocionalmente, há mais de quarenta anos, estavam preocupados com o que poderia ocorrer com nossas serras. Mas a visão de futuro e a precaução de muitas pessoas de bem não foram suficientes para evitar a catástrofe. O grande Martinho da Vila já cantava.

E ontem deu no jornal / Que a cachaça aumentou / Tiraram o bosque de lá / Um prédio se levantou / Agora o sonho acabou / O som ficou devagar / A voz do Ciro calou / E a banda não vai tocar…

Na mesma época da música, fuscões e opalas carregavam nos vidros traseiros ou laterais, plásticos adesivos que diziam: “Olhe bem as montanhas”. Depois, uma segunda mensagem foi acrescentada: “Elas vão desaparecer”.

O tempo passou e pudemos constatar que, de fato, as montanhas – sejam lá com os nomes que quiserem dar a elas – estão desaparecendo. Agora, não existem nem serras, nem montanhas. Elas se transformaram em minério.

Não pretendo abrir discussão sobre a falta de atitude do governo, sobre a agressão às serras e ao descaso por outras questões vitais. Quero, por assim dizer, abrir os olhos das pessoas para que possam se conscientizar de que estamos destruindo a nossa própria vida quando deixamos que derrubem nossas montanhas e as nossas matas. As taxas anuais de desmatamento na Amazônia brasileira aumentaram 28% entre agosto de 2012 e julho de 2013.

A cada ano, a Amazônia Legal perde, em média, uma área de quase 5 mil quilômetros quadrados. Os cálculos foram feitos pela ONG Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Olhem bem os rios…

Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br 

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A rádio cabeça da minha cabeça

por Convidado 8 de dezembro de 2014   Convidado

por Luiz Lobo

Paro o meu carro em um estacionamento e no carro da frente um adesivo chama minha atenção: “Pratique Gentileza”. A leitura me remete a vários lugares ao mesmo tempo, enquanto ouço na Rádio Cabeça a cantora Marisa Monte

“apagaram tudo, pintaram tudo de cinza, só ficou no muro, tristeza e tinta fresca (…) ler as letras e as palavras de Gentileza”.

O profeta Gentileza, que escreveu palavras suaves nos pilares do viaduto do Caju, no Rio de Janeiro, nasceu de uma tragédia – o incêndio criminoso do Gran Circus Norte Americano em Niterói, em dezembro de 1961. Lá morreram 500 pessoas, a maioria crianças. Gentileza, que ainda se chamava José Datrino, morou no que sobrou do incêndio e depois levou uma vida de andarilho, de maluco beleza, escrevendo coisas como “gentileza gera gentileza”.

Procuro uma nova estação na Rádio Cabeça, mas não acho. Portanto sem trilha sonora, enquanto o dial vagueia, começo a reparar nas pichações da cidade. Como é que este pessoal sai destruindo a paisagem assim? Com coisas sem sentido, sem nexo, esteticamente inqualificáveis. Porque não escrevem frases como o Gentileza?

Até as palavras de ordem são desconexas. Quando vejo uma pichação política, parece que entro em um túnel do tempo, tem gente que ainda está nos anos sessenta lá do século passado. Porque este pessoal não desenha coisas agradáveis? Sei lá… deve ser pelo mesmo motivo que o pessoal que tem aqueles sons de trio elétrico em seus carros só ouve música ruim. Você imagina um mané desses ouvindo a 9ª Sinfonia de Beethoven numa altura dessas? Ou Bach?  Só para ficar nos mais populares. Você já reparou o perfil de quem ouve música alta no som turbinado do carro? Repare: homem, jovem, sozinho e de boné… Deve ser fase oral mal resolvida. Um pouquinho de terapia e estaríamos todos livres de tanto mau gosto musical.

Já que o assunto pulou para o carro, quer lugar melhor para expressar a raiva do mundo que o trânsito? Tem gente que sai de casa com disposição de matar ou então morrer. Costura, fecha, corta, faz zigue zague, xinga, ameaça, e mais uma lista enorme de grosserias. Não posso deixar de pensar que essa postura se relaciona com alguns fatores, digamos assim, estranhos. Veja só, esses caras que saem acelerando, mostrando o carrão, o barulhão, a buzina, a coragem, me parecem ter o carro como uma extensão do corpo, ou melhor, extensão de uma parte do corpo que eles gostariam que fosse maior, mais saliente, enfim mais ativa…. Mas e se for mulher fazendo isso? Bom, acho que devem ser as mulheres  desses caras… De novo a terapia. Se infrator de transito fosse condenado a sessões de terapia, o número de acidentes com certeza diminuiria.

Vou andando e estou quase chegando ao meu destino, um cartório… Essa cruel invenção portuguesa, um agrado que os poderosos distribuíam aos seus apaniguados. Imagino que na porta do inferno, não há um portal como descrito por Dante e depois forjado por Rodin, mas sim um cartório. Os condenados ficarão uma parte da eternidade na fila, juntando papéis, documentos, fotos, assinaturas etc. Pensem bem no que um cartório faz. Ele cobra para dizer que aquilo que é seu… é seu! Que você é… você! Que a sua assinatura é… a sua assinatura! Se você respirar fundo dentro de um cartório terá de pagar mais um pouquinho. Tomam seu dinheiro na maior desfaçatez, mas é tudo legal, cheio de normas, regras, leis etc etc. Apesar disso tudo uma coisa me chama atenção: como os donos de cartório conseguem selecionar tanta gente mal humorada ou de mal com a vida para trabalhar atrás de seus balcões. Fala sério, deve ser uma tarefa difícil…

Bom,  resolvido o problema no cartório, retorno ao estacionamento, o carro com o adesivo da gentileza foi embora, sintonizo a Rádio Cabeça na programação de notícias. Lobão está falando mal do PT, Álvaro Dias conta detalhes de mais uma aplicação de botox, Arnaldo Jabor pede a canonização do cara da Petrobrás… Identifico um fundo musical… Noventa milhões em ação, pra frente Brasil !!!  Vou mudar de estação…

Luiz Lobo, engenheiro,  poeta bissexto, casado com Diva, cujo nome já a descreve muito bem, e também blogueiro. Escreve e fala de futebol, embora a bola não goste dele. Também escreve sobre música ou sobre qualquer outra coisa que faça barulho. Gosta de traduzir o economês dos jornais e de falar das coisas que o incomodam na política, sem nenhuma isenção.

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