Poesia, a voz da alma

por Convidado 4 de abril de 2016   Convidado

* por Sérgio Marchetti

“Quero falar de uma coisa. Advinha onde ela anda. Pode estar dentro peito ou caminha pelo ar.” (Milton Nascimento e Wagner Tiso).

Quero falar da poesia. Dizem que ela morreu. Que ninguém mais declama versos, nem se lembra dela. É que os tempos são outros – menos versados e mais proseados. Confesso que já tive uma paixão muito forte por ela. Andamos juntos na mesma estrada. Depois veio o tempo…

Lamento que não tenhamos mais a leitura de poemas, como faziam os alunos de antigamente. Sinto falta também de poetas. Eles eram um misto de homens e santos. Hoje, dizem que alguns desses homens eram chatos. Mas o mundo era melhor quando tínhamos mais poetas do que ladrões.

Quero chorar pela morte da poesia e prestar minha solidariedade aos poetas vitimados pelo vento devastador – efeito colateral da contemporaneidade. Sei que os mais jovens nem vão me entender, porém remeto minhas palavras àqueles que conheceram e que conviveram com a poesia. Ela foi cupido de muitos casais apaixonados. Era universal e serviu, tanto aos amores realizados como aos nunca correspondidos. Servia de catarse. Aliviava dores, sobretudo dores de amor. Possuía muitos trajes, várias formas e também deu voz aos insatisfeitos com governos e outras situações.

Confesso que não sei definir o que é poesia. Mas imagino que sua finalidade não era a de atacar e sim de conquistar, de exaltar. Seus alvos eram os corações das pessoas amadas. Os poetas eram os magos do amor.

“Poetas, seresteiros, namorados, correi/ É chegada a hora de escrever e cantar/ Talvez as derradeiras noites de luar …” (Gilberto Gil)

O que era poesia? A pureza das donzelas? O respeito ao próximo ou os versos inteligentes de outrora? Talvez tudo isso fosse poesia. No seu período de esplendor, a poesia tinha variadas linguagens que veneravam um amor ideal. Sei, caros leitores, que isso tudo é apenas fantasia. Então a poesia é uma ilusão? Penso que em parte sim. E este pensamento está representado nestes versos:

“o poeta é um fingidor/ e finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente…”  (Fernando Pessoa, psicografado).

Detalhe da casa de Fernando Pessoa, em Lisboa (Portugal). | Foto: Marina Borges, set. 2013.

Detalhe da casa de Fernando Pessoa, em Lisboa (Portugal). | Foto: Marina Borges, set. 2013.

Convenhamos, pense em você, seu traje de executivo não é uma fantasia? Sua maquiagem não é uma forma de se fantasiar? A vida é ilusão, “é o sopro do criador numa atitude repleta de amor” (Gonzaguinha).

A poesia, se estivesse em uso, provavelmente poderia atenuar os “sapos” que engolimos em nossa rotina do dia-a-dia. Antes se fazia poesia. Hoje se faz terapia.

“O imposto, a conta, o bazar barato/ O relógio aponta o momento exato/ da morte incerta, a gravata enforca/ o sapato aperta, o país exporta/ E na minha porta, ninguém quer ver/ Uma sombra morta, pois é, pra quê?”(Sidney Miller)

Dizem que ser poeta é ser “brega”. Mas antes era característica de destaque social e cultural. Havia o poeta do bem. Havia o poeta do mal. Também havia o poeta ruim. Oscar Wilde, o talentoso escritor irlandês, disse que “os verdadeiramente grandes poetas escrevem a poesia que não conseguem viver; já os poetas medíocres vivem a poesia que não conseguem escrever – por isso são tão encantadores”.

Com tudo isso eu afirmo que a poesia pode ser ressuscitada. “Mas há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto”. (M.N. e W.T.).

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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* por Sérgio Marchetti

– Então, como posso ajudá-lo?

– Seu doutor me dê licença para minha história eu contar. Eu já fui muito feliz, vivendo no meu lugar. Hoje eu tô numa terra estranha, é bem triste o meu penar. Nasci na zona rural. Fui roceiro e dono de curral. Adorava olhar para a serra, com seu verde de esperança. Espiar o azul do céu, que ainda trago na lembrança. Sendo adulto, era criança que subia a serra, que mergulhava no rio e cultivava a terra. Tinha um cavalo baio que gostava de campear, enquanto o vento vinha me acariciar, cochichando ao meu ouvido segredos do meu lugar. Seu doutor não imagina o que é sentir um vento mimoso, um arzinho fresco e cheiroso que a natureza lhe doa. Por que a terra, seu doutor, é grata e boa. E fique o senhor sabendo que ela proseia com a gente. Lá no meu sertão, quem nos aconselha é a natureza. Lá não tem luxo de doutor com cadeira e mesa. E digo mais, pode não ter conforto, mas tem gente de presteza. Pessoas que se acolhem, amizade sincera, com certeza. A prosa era verdadeira – não carecia de muito pensar. As palavras iam saindo e arranjando seu lugar. As conversas tinham sentido e não precisava florear. Nosso céu tinha mais estrelas na amplidão; aqui, apesar da luz, tudo é escuridão. Agora, falando assim, uma saudade invade meu peito. Desculpe seu doutor, que eu lhe devo respeito, mas quando a represa das lágrimas invade as cercas do meu quinhão, eu me deito a ruminar as lembranças do coração. Mas não vou mais tomar o seu tempo. Vim aqui para consultá-lo, recuperar a calma. Estou padecendo de uma dor, seu doutor, mas não é dor de corpo é dor de alma.  Estou amuado como um boi que comeu erva. Nada me anima, só me enerva. Estou como um capim esturricado que a geada queimou. Eu perdi a fé nas pessoas – a falsidade me decepcionou. Então, seu doutor, o senhor ainda não me examinou, mas tem cura esta dor?

– Meu senhor, que posso eu dizer, mesmo sendo doutor? A sua doença é tristeza de quem perdeu o chão. É sentimento doído de tanta decepção. É angústia e solidão. É doença de gente normal, que não se conforma com um mundo desigual. Não tenho um remédio para tal dor. Também sofro desse mal. Estamos todos muito tristes com tanto desamor. A humanidade enlouqueceu. Trocou tudo por dinheiro, agrediu a natureza e em desatino se perdeu. O desgoverno roubou a nossa liberdade, matou nossos sonhos e nos faltou com a verdade. O seu caso é muito grave, mas o senhor vai sobreviver. Sua moléstia é lucidez e, para tal doença, nada há que cure de vez.

– Mas não há um remédio, seu doutor, que resolva doença tão tinhosa?

– Lucidez é uma doença nervosa. Seus sintomas incomodam a todos que praticam a fala enganosa.

– E a receita, seu doutor?

– Volte para o seu ranchinho à beira-chão, conviva com seus bichos e não assista à televisão. Em breve nosso céu terá estrelas novamente. Observe-o e, quando a estrela solitária for cadente, é o sinal de que haverá esperança de um povo contente.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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Olha o Brasil aí, gente!

por Convidado 3 de fevereiro de 2016   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Então é Carnaval outra vez. Samba, suor e cerveja. O tempo passa, corre desenfreadamente como um trem desgovernado. Mas, embora as energias tenham se renovado para o novo ano, o Brasil é o mesmo. Um gigante adormecido, deitado em berço esplêndido. Também está desgovernado – continua endividado e explorando seus cidadãos. Os números dizem tudo. PIB negativo, desemprego (em torno de 10%), inflação (10,67%), dólar nas alturas, 60 mil assassinatos por ano, mais de 40 mil mortes nas estradas, milhões de assaltos, 40 mil crianças e adolescentes desaparecidos por ano.

Vivemos uma democracia – dizem os governantes do Planalto. Mas não podemos ter uma bicicleta, porque ladrões vão roubá-la. Não temos a liberdade de caminhar com nosso cão, pois, se tiver pedigree, será levado por alguém que nos aponta uma arma. O Brasil é muito “democrático” para os bandidos, sejam eles de gravata ou de bermuda e boné.

Mas pelo menos a comitiva de viagem da presidente Dilma (talvez a maior entre todos os países) está em alta. Entre hospedagem, aluguel de carros de luxo (com direito a limusine), restaurante e transporte aéreo, uma pequena fortuna é gasta sem nenhum pudor. Aliás, pudor é o que não houve nos últimos anos de desgoverno. Mas o governo tem a solução. Vai aprovar a CPMF, vai fazer uma reforma na Previdência. Talvez possamos nos aposentar quando tivermos 100 anos de idade e 80 de contribuição. Interessante é que tem brasileiro que se aposenta com oito anos de trabalho. Trabalho?

Para piorar, vivemos hoje duas pandemias. Primeiro a do mosquito aedes aegypti, muito bem adaptado às zonas urbanas. Gosta de água fresca em locais preferivelmente de sombra. Podem ser pretos ou rajados.  Vivem do sangue alheio.

O mosquito aedes aegytpti. | Fonte da imagem: Portal Brasil

O mosquito aedes aegytpti. | Fonte da imagem: Portal Brasil

A outra pandemia, a do hominis corrupti que, assim como o mosquito, teve sua população aumentada nos últimos tempos. Também gosta de sombra e água fresca. Cresceu muito nos últimos anos e possui ótima adaptação à zona urbana. Habita em todas as regiões do Brasil e prolifera tanto em regiões frias quantos nas quentes. Sua massacrante maioria tem o hábito de subtrair dinheiro alheio. Seus corpos são, em sua grande maioria, cobertos por ternos.

Mais do que nunca, entendo o sentimento de Ruy Barbosa:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Observação: é Carnaval e sou brasileiro. Vou tomar minha cerveja e cantar um samba-enredo que me faça esquecer da situação do Brasil, pelo menos enquanto é Carnaval.

“Luz, divina luz que me conduz/ Clareia meu clarear, clareia/ Nas veredas da verdade, cadê a felicidade/

Aportei num santuário de ambição/ Eu quero liberdade, dignidade e união/…

Chega de ganhar tão pouco/ Tô no sufoco, vou desabafar/Pare com essa ganância, pois a tolerância/Pode se acabar…”

(BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS-2003)

Um ótimo Carnaval para vocês.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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Depende, uai!

por Convidado 5 de janeiro de 2016   Convidado

* por Sérgio Marchetti

Eu tenho repetido sempre em meus cursos e trabalhos com o público que tudo é circunstancial. Tudo depende do contexto. E alerto-os para que não cometam inferências sem analisar o processo. Compreender o todo ou exercitar a visão sistêmica são práticas decisivas para a compreensão das causas e dos efeitos. Mas num mundo tecnológico de pessoas impacientes, nomofóbicas e robotizadas, parece não haver tempo para contextualizar mais nada.

Talvez para sair desse manicômio, dia desses fui para o interior desta nossa Minas Gerais e aproveitei para visitar uma tia idosa. Constatei (eu já sei há tempos) que a vida no interior é mais intensa. Eu disse vida – coisa de gente ultrapassada que cumprimenta os vizinhos e conversa com os amigos… Algum leitor deve estar se perguntando: vida intensa, como? O tempo não passa, as pessoas falam devagar. Não há diversão nas pequenas cidades. Ressalto que isso é relativo. Ou como diria minha tia, mineirinha legítima: “aí depende, uai!”. Fiquei pensando naquela frase e percebi nela uma profundidade bem maior do que imaginava. O mineiro – desconfiado por natureza – não se arrisca a responder nada sem pensar bastante. Por isso o “depende, uai!” vem sempre antes de qualquer afirmação. E, ao contrário do que muitos pensam, há sim muita sabedoria contida naquela expressão. Porque tudo depende mesmo do contexto e das circunstâncias. Nada deve ser visto, resolvido, respondido sem que se conheça o processo. Minha tia possui visão sistêmica, mas não sabe o que é isso, nem precisa saber.

Mas em meu agradável diálogo com a parenta idosa, fiz uma viagem ao passado e revivi momentos, além de um vocabulário muito especial. Ela usou frases interessantes: “de primeiro, uma moça não saía de casa desacompanhada de seus pais”. Há quanto tempo eu não ouvia o “de primeiro”. E faz tempo que “moça” não podia sair desacompanhada dos pais. E continuou me “interteno” com aquela prosa quase musicada, me dizendo para por sentido na modernidade e falando que não era do “feitio” dela falar mal de ninguém, mas as mulheres de hoje não “se dão ao respeito”. “A vizinha, por exemplo”, disse ela, “é uma sirigaita daquelas”. “Vê se tem base uma coisa dessas, meu querido” – completou minha tia com um olhar compenetrado e com volume de voz bem baixo para que ninguém ouvisse suas inconfidências sobre a vida alheia. Enfim, prosseguiu com suas histórias que trouxeram à tona a Emulsão de Scott, a gemada, os chás caseiros, inclusive o de Macela – que de tanto ser chamado de Marcela foi aceito nos dicionários como tal. Também se referiu às suas chinelas, à “cardeneta” que anotava o fiado. E sempre surgia o “depende, uai!” Não posso deixar de mencionar que em nossa conversa ainda surgiram acode, arreda, marmota, cruz-credo, “partileira” e outras pérolas do mineirês que me fizeram gostar ainda mais de minha origem. E, antes de sair, claro que não faltaria o café “quentin” passado no coador de pano e acompanhado com quitandas, broa de fubá, pão de queijo, sonhos e muita iguaria. Mas mineiro não sai de mãos abanando da casa de um parente. Além da azia, trouxe na mochila doces de leite cortados em losango e goiabada cascão na caixinha de madeira.

Pão de queijo não pode faltar em mesa mineira. / Foto: Marina Borges

Pão de queijo não pode faltar em mesa mineira. / Foto: Marina Borges

Ao me despedir, decidi que iria andar à pé pela cidade e usufruir da calma e do ar puro que muitas cidades ainda ousam exalar. No caminho, um homem me abordou com toda educação e perguntou quanto tempo levaria para chegar ao centro da cidade. Eu, sem pensar, talvez ainda contaminado pela autenticidade de minha tia, respondi a ele: depende, uai!

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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E agora, José?

por Convidado 7 de dezembro de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti*

Caríssimos leitores,

Venho por estas mal traçadas linhas contar a minha história. Não vou tomar o tempo de vocês, pois não tenho muito para falar. Meu nome é José, mas sou conhecido como Zé do Bento. Isso mesmo, Zé do Bento Rodrigues. Nascido e criado num distrito de Mariana. Ninguém me conhecia. Eu não tinha fama e nunca havia aparecido na televisão. Hoje sou famoso. Vejam a ironia do destino. Por causa da lama, criei fama e já estou até fazendo rima. Digo a vocês que “Eu já fui muito feliz, vivendo no meu lugar. Eu tinha um cavalo bom e gostava de campear… Morreu minha Vaca Estrela, se acabou meu Boi Fubá. Perdi tudo quanto eu tinha, nunca mais pude aboiar”... (P.A.)

Minha casa era humilde. Uma casinha branca com varanda e vista para a serra, um quintal e uma janela para ver o sol nascer. Eu queria ter na vida, simplesmente, um lugar de mato verde pra plantar e pra colher (P.). E tive. Mas um dia, como num filme de terror, parecendo o vulcão de Pompeia, um rio, com a força do mar bravio, invadiu o nosso mundinho e cobriu de lama a nossa história. Nós não temos mais memória. Não perdemos “apenas” o gado, nossas casas, familiares e amigos. Perdemos nossa referência, nos perdemos de nós mesmos e, literalmente, tiraram nosso chão. Agora, caminhamos “contra o vento, sem lenço e sem documento”. (C.V.) Éramos religiosos, festeiros e muito alegres. Recebíamos os visitantes que queriam encontrar a paz, a simplicidade e o silêncio. Jipeiros, ciclistas, motociclistas e caminhantes preenchiam nossa rotina com uma prosa agradável.

Em nossa inocência, por estarmos longe das grandes cidades, pensávamos que éramos imunes à lama de desonestidade que cobre o Brasil. Porém, havia outra lama, que não continha metáforas nem escondia a sujeira de um Brasil em decomposição. Mas, em vez disso, uma enchente que viria carregada de rejeitos de minério para soterrar a nossa história.

Imagem de satélite mostrando a área atingida pela lama em Mariana. / Foto:  Globalgeo Geotecnologias, retirada do portal G1

Imagem de satélite mostrando a área atingida pela lama em Mariana. / Foto: Globalgeo Geotecnologias, retirada do portal G1

Mesmo ferido de morte pelas perdas, mesmo com a alma em frangalhos e o coração estraçalhado penso que nossa única opção é a de refazer alguma parte de nossas vidas, já que outras estão definitivamente sepultadas. Não gosto de falar de culpados. Encontrá-los é uma forma de distrair a atenção de quem está emocionalmente revoltado e aspirando por justiça. Mas não resolve o problema. As autoridades devem procurar as causas – por trás delas, fatalmente, se houver, estarão os verdadeiros culpados.

Sei que aos olhos da ganância nós não possuíamos nada. Mas quando o nada é tudo que temos, aprendemos a amar e preservar o pouco que a vida nos permitiu conquistar. Perdemos tudo sim  – não caçoem nem nos impeçam de dizer esta frase – porque está doendo em nós.

Saibam, leitores que tiveram a paciência de ler meu relato, que acredito que o ambiente molde as pessoas e que, de tanto lidarem com o minério, algumas delas ficaram duras, frias e com alma de ferro. Há mais de quarenta anos muitos brasileiros vêm lutando para que preservemos as montanhas e deixemos nossas serras e sertões existirem. Mas a ganância cega é maior do que a preservação da própria vida. E o sertão virou mar… de lama.

Vocês, leitores, me perguntam: e agora, José? “Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?” (C.D.A.)

Que as perdas imputadas aos moradores e ao meio ambiente de todos os municípios atingidos possam ser reparadas no menor espaço de tempo possível.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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Eu quero é me arrumar

por Convidado 9 de novembro de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti*

Não desejo falar de crise econômica. Tampouco falar de corrupção e de violência. Estes assuntos preenchem vinte quatro horas as mídias… e só progridem. A impressão que temos é que nossos governantes moram em outro país. As mais de 50 mil mortes anuais por violência (extraoficialmente passam de 60 mil) não tocam seus corações. Mas queria falar mesmo era de amor, de felicidade, de solidariedade, de prosperidade, porém, sendo filho de Deus e habitando este mesmo latifúndio podre, também fui picado pelo mosquito da descrença (pensou que fosse da dengue?). Passar incólume pelo momento Brasil é como caminhar por um lixão que exala um fedor insuportável e dizer que não sente o cheiro. Um país sem lei e sem regra, onde prevalece acentuada desigualdade e se pratica uma das maiores injustiças sociais sobre cidadãos honestos do planeta.

Mas, apesar de todo o desânimo, falar do que está mal sem buscar uma solução é cultivar a semente negativa dentro de nós. Lembro aos caríssimos leitores de que o mal possui uma força muito maior do que o bem e um poder de disseminação que corre na velocidade da luz. Os efeitos negativos ou acontecimentos não desejáveis acontecem frequentemente na vida pessoal e na profissional. São inevitáveis. Então, o caminho para quem pretende continuar lutando começa na descoberta do efeito. Depois se identifica a causa e busca-se a solução. Ocorreu-me a fórmula dos seis “Ms”, de Ishikawa, para chegar à causa do problema: método, matéria-prima, mão de obra, máquinas, medição e meio ambiente. Mas no caso do Brasil é falta de caráter mesmo. A origem de todos os problemas está nas pessoas.

Na sociedade, em casa, nas empresas “gente” é sempre a causa dos episódios indesejáveis. Por quê? Porque pessoas são diferentes, possuem idiossincrasias próprias. Mas o item que causa mais problema é o bendito interesse pessoal. Lamentavelmente há muito mais pessoas interesseiras do que pessoas interessantes. Para alcançarem seus objetivos muitos desses seres lançam mão de atitudes desonestas. Denigre-se a imagem alheia com inverdades que podem destruir suas vidas pessoais e profissionais. Sem nenhum peso na consciência traem alguém que lhes estendeu a mão. Caluniam, acusam. Não há mais a lealdade e gratidão. Outras pessoas lançam mão de trabalhos em terreiros de macumba para destruir relações, fechar caminhos alheios e obter ganhos. Não sei dizer sobre seus efeitos, mas o que vale é a intenção. A impressão que temos é que para sobreviver neste País precisamos abrir mão dos escrúpulos e aprender a jogar o novo jogo da vida. Nele as regras incorporaram conceitos que menosprezam integridade, honestidade, honra, entre outros valores que antes eram pilares sociais. Confunde-se anarquia com democracia e liberdade com promiscuidade. Hoje, sob o manto da falsa liberdade – conveniente a um governo corrupto e a um povo indolente – desonestidade passou a ser sinônimo de esperteza.

Afirmei que desejava falar de amor, mas não consegui. Infelizmente, no enredo que descrevemos, não há como esperar que muitos cidadãos brasileiros escolham registrar as suas realizações nas páginas da história. Ao contrário e, a exemplo dos governantes, estão deslumbrados pelo “ter” em detrimento do “ser”, e optam por marcar seus nomes nas páginas policiais e deixar para a posteridade um rastro de podridão humana.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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A dona do mar

por Convidado 26 de outubro de 2015   Convidado

por Benício Rocha*

Praia no Rio de Janeiro / Foto: Marina Borges

Praia no Rio de Janeiro / Foto: Marina Borges

O céu azul estava refletido no mar e no olhar daquela que passava sem me ver, apressada para o mar. Como se ele fosse secar, ou a terra acabar.

Contraste de cores, sandálias, canga branca transparente, biquíni vermelho marcante, respirar meio ofegante, pressa!

Finalmente a areia de encontro aos pés e às roupas que excediam (excediam?) estiradas sobre a areia, o correr quase aos saltos, as ondas gulosas, o abraço de tudo com o mar.

O sonho que nem se pode sonhar, o Sol que quase não se pode suportar e ela lá, poesia, harmonia, música e o mais lindo cantar!

Eu que nem gosto do mar queria poder comprá-lo e pra casa levar, esse seria o meu jeito mineiro de ter bem junto de mim aquela partícula humana que ele absorvia, consumia e que a mim prenderia numa inexplicável e deliciosa escravidão loira, de olhos azuis.

Enciumado, cheio de manchas vermelhas decorando meu corpo branco amarelecido em alguns pontos, escurecido noutros, assistia aquele ato prolongado azul e canela, de amor e posse.

Ela se deliciava, saía, entrava…

Ele fazia o jogo, fingia ir embora, voltava aos poucos, em ondas, denso, envolvente, irresistível…

E ela se jogava, afundava, subia, pulava, gritava, deitava, espreguiçava.

E ele nem via as pessoas que o buscavam aqui, desencontravam ali. A todos tratava com rispidez, grosseria e indiferença. Como aqueles débeis seres não percebiam?

Seu momento era outro, único, toda sua atenção estava voltada para ela que, em êxtase, misturava sessenta por cento de seu ser a ele que, total e solidário, integrava-se a ela.

Enxertos recíprocos de necessidades mútuas, duplicidade na felicidade única.

Senti-me levado dali por um par de sandálias coloridas de tiras eternas e inodoras, para as quais, cabisbaixo, humilhado, eu olhava de forma fixa, como se fossem as coisas mais importantes do mundo…

Mas não via nem a mim.

*Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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Um dia branco

por Convidado 5 de outubro de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti*

Acordei saudosista de um tempo que não volta mais. Aliás, sou um apaixonado pelo passado, pelas edificações coloniais, móveis e automóveis antigos, pelas casas que conservaram varandas onde se pode ler um jornal, sentado à sombra de um telhado rústico. Porém, não me esqueço de que o mundo é aqui e agora. Hoje é domingo, e decidi procurar meus discos (ainda tenho LPs) e ouvi-los ao som da vitrola. Sim, a vitrola dá a esse conjunto um ar de retrô que me mantém na moda.

Foto: Gustavo Borges

Foto: Gustavo Borges

Ao som da música, abro meu baú de memórias e me encontro comigo mesmo. Caminho sobre a névoa das canções e de suas letras que dizem muito. Assim, pego carona na garupa do pensamento que voa rápido e descortina um mundo encantador, onde me encontro com Luiz Vieira em algum lugar do passado. Nesta viagem revejo antigos amigos, ressuscito pessoas e recordo meus ídolos que, iguais a mim, eram mais românticos e acreditavam em um mundo melhor. Aí, naquele momento, eu me perco em meus versos e me encontro na canção de Sérgio Bittencourt, e se eu pudesse ser menino eu roubava uma rosa e ofertava todo prosa à primeira namorada… Sigo escutando minhas músicas num dia calmo, quente e com muito sol. E neste dia branco se branco ele for. Esse tanto esse canto de amor. Já vem Geraldo Azevedo nos encorajando ao amor mais instigante: se você vier pro que der e vier comigo…

Mas outro disco me chama para a realidade e me diz: um homem se humilha se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida e vida é trabalho. E sem o seu trabalho um homem não tem honra, se morre, se mata. Não dá pra ser feliz De Gonzaguinha para cá o Brasil não mudou nada, caríssimos leitores mais jovens.

Meu baú é grande, mas meu dia é pequeno para ouvir a todos os artistas que selecionei. Então, começo a organizar e guardar meus discos e me deparo com Taiguara. Pensei ouvi-lo. Pus para rodar: eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia. Um lugar que me dê trégua ou me sorria. Uma gente que não viva só pra si…

Foto: Gustavo Borges

Foto: Gustavo Borges

Parei por ali. Afinal era domingo, haveria o sofrimento do futebol e eu ainda teria que torcer para um tal de “Burro com sorte”.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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Narcisismo solitário

por Convidado 28 de setembro de 2015   Convidado

por Benício Rocha*

Fantasia e tolice sempre povoaram nossas mentes.

Mas agora, com as informações correndo à velocidade da luz, superficialmente, a gente imagina que o mundo melhorou. Fantasia!

A grande tolice é a deformação daí advinda.

O que você vê quando se olha no espelho? / Foto: Marina Borges

O que você vê quando se olha no espelho? / Foto: Marina Borges

Outro dia a modelo quase morreu. Agora, um pobre rapaz, inseguro, injetou hidrogel em si mesmo, imaginando que toda diferença da vida advém de algum volume além do natural. Não lhe ocorreu que “volume morto”, assim como hidrogel, está na moda como coisas problemáticas…

Uma vida ceifada por um desejo imposto por quê? Por quem? Será que fruto de bullying?

Que tristeza para os pais, que talvez se sintam culpados por terem – ou não terem – conversado com ele da forma acertada.

Por não terem demonstrado a ele que o amor é muito maior que detalhes físicos. Que pessoas, normalmente, amam pessoas.

E ouvimos mesmo nossos pais, sempre? Ou as influências “de fora” falam mais alto?

De quem é a culpa? Existe um só culpado?

De qualquer forma, o fato fatal é que o pobre foi envolvido por esse mundo exibido, que busca a imaginação muito mais do que a realidade, que se deixa ser transformada e transtornada pelo gozo do faz-se de conta.

Narcisismo adolescente. Narcisismo solitário.

Ai de quem prioriza o externo em detrimento do interno.

Expomos nossas vidas na web. Fotos nossas, que não mostraríamos nem pra nós mesmos, correm o mundo, destroem nossas vidas.

Acordamos anônimos. Tomamos café famosamente destruídos.

E não paramos de ver moldes do que deveríamos ser diariamente. E, no dia seguinte, outros moldes nos são estampados. O jeito é lançarmos mãos de coisas que nos modifiquem rapidamente.

Pessoas bonitas correm para as academias para virarem “monstros”, suplementos, emagrecimentos, fortalecimentos, frigidez, fim da ereção, problemas nos rins, insuficiência respiratória, morte.

E seguimos loucos, dominados pela loucura renovada a cada dia.

Bons tempos aqueles em que de nada sabíamos, nossos medos eram de assombração…

*Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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Liderança ou chefia?

por Convidado 7 de setembro de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti*

Desde que o mundo é mundo, buscamos estabelecer comparações entre liderança e chefia. Teoricamente, a liderança é adotada por todos. Os discursos são brilhantes e recheados de características da liderança na pós-modernidade, mas na prática não é bem assim. Como diria o poeta, liderança é carnaval e chefia é quaresma. Liderança é comédia e chefia é tragédia.

liderança

Uma amiga me confidenciou que não vai mais fazer palestras sobre liderança. Segundo Sofia, minha amiga palestrante, o sentimento que a invadia era o de estar enganando pessoas ou falando de utopias, quando sugeria a adoção da Liderança Servidora. Hunter, em seu modelo, conceitua diferentemente poder e autoridade e propõe autoridade em vez de poder como atitude dos líderes que servem (do verbo servir). Aliás, autoridade do latim “auctoritas” que vem de “auctor”, que vem de “augere” significa “fazer crescer”. Assim, o líder é aquele que faz seus liderados crescerem.

Na realidade, afirmou minha amiga, nós ainda estamos no tempo dos feitores, dos jagunços e dos chefes.

Eu a compreendo, pois em muitas ocasiões senti a mesma frustração que me descreveu. A humanidade caminha a passos largos para o egocentrismo e a deslealdade. É com tristeza que concluo que o espírito de Maquiavel continua vivo nas atitudes dos dirigentes de muitas organizações. O poder continua sendo a alavanca que movimenta as engrenagens do mundo. Para muitos, os fins justificam os meios escusos que utilizam. Ser líder servidor, conforme sugeriu James Hunter, está muito distante de nossa realidade. Afinal, estamos no Brasil, o último país do mundo a libertar os escravos. Estamos no Brasil – país sem lei e sem líderes. País comandado por chefes, no qual prevalece a filosofia “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br.

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