É como eu me chego

por Convidado 27 de julho de 2015   Convidado

por Benício Rocha*

Observando as flores que eu dera à minha esposa há uma semana, já pálidas e murchando, não pude evitar a corrida dos meus olhos ao espelho, amigo de outrora, inimigo implacável de agora.

Ali estava meu rosto, que muda a cada dia. E vi que meus olhos diminuíram em tamanho e brilho, a boca como que retraiu, as sobrancelhas encontram-se no meio do caminho e não há dermatologista que dê jeito nisso. Minhas pálpebras, plácidas como orelhas de basset hound, despencam sobre meus olhos. E não quero incluir o cirurgião plástico no meu grupo de prestadores de serviços!

Fujo o olhar do espelho e viajo rápido pelo quarto. Estaciono no cesto de revistas. Sobre todas, uma edição especial da “Fatos e Fotos” remete minha  mente para a agitação de 68, do inumerável número de sonhos perdidos pelos anos subseqüentes. 1968, eu, cheio de mim. 1968, eu, perdido em mim.

Que privilégio viver em qualquer época, que privilégio viver quando o mundo está em mudanças como nunca, tudo e todos se pensando, repensando.

Já quase cansado sonho comigo, um garoto que amava os Beatles, Rolling Stones, Ivan Lins, Ivan Lessa, Mário de Andrade, Mário Quintana, Chico Buarque, Francisco Alves, Milton Nascimento, Cauby, Nelson, Noé, Garrincha, Tostão, Pelé, Jorge Ben, Jorge Amado, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, Clarice, Guimarães Rosa, Gil, Machado de Assis e amava, e amava, e amava…

Exausto, respiro fundo e viajo mais fundo ainda pra dentro de mim. Encontro minha mente a todo vapor, agitada, pensante, menos sonhadora, mais realista, mas também delirante, totalmente Kandinsky.

Estou, naturalmente, mais próximo da minha própria plenitude. Porém, pressionado e incompreendido pelos olhares e comportamentos limitadores dos que me rodeiam.

A sociedade e eu. Vinho maduro bebido por uma sociedade que desconhece a palavra degustar…

É como eu me vejo,

É como eu me sou,

É como eu me chego,

É como eu me vou…

*Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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No tempo em que eu era imortal

por Convidado 6 de julho de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti *

Um amigo me confidenciou que estava com depressão por ter lutado a vida inteira e não ter conseguido realizar seus sonhos. Alguns, disse ele, estiveram muito próximos de acontecer. Mas a lâmina do destino, de maneira incompreensível e muitas vezes injusta, cortou a trajetória de suas realizações. Ele acentuou que, entre uma frustração e outra, uma crise e outra, veio o tempo que, ininterruptamente, roubou-lhe o vigor, o brilho e a esperança. Inspirado em Jorge Luis Borges, disse que, se pudesse começar de novo, faria tudo diferente, mas sabe que agora não tem mais tempo.

Esse relato, infelizmente, não é raro. Muitas pessoas, independentemente da idade, estão fragilizadas, desiludidas e cansadas de ser coadjuvantes, quando possuem bagagem suficiente para ser protagonistas. Pessoas há que acreditam na sorte. Outras apostam no destino: maktub, tudo já está escrito. Eu não possuo opinião formada a respeito do assunto. Sinceramente, estou mais para a constatação de Sócrates: “sei que nada sei”.

Na realidade, caminhamos a passos largos para o mundo da exclusão social, palco da mais cruel e injusta distribuição de renda da história e de poucas oportunidades para os menos favorecidos. Como estamos no Brasil, os cenários são ainda piores.

Meu amigo atravessa uma fase difícil. Está velho e sofre de preconceito, independentemente dos eufemismos utilizados para mascarar a idade avançada. Para o idoso (melhor idade), apesar dos privilégios da lei, não é fácil lutar contra tantas limitações. Mas nem tudo está perdido. A passagem do tempo traz novos papeis – personagens que devemos encarnar no teatro da vida. Experiência é uma joia rara que só é dada a quem vive mais tempo.

Fiquei imaginando como poderia ajudar o amigo. Pensei em dizer-lhe que a mudança é inevitável, traz ameaças, sim. Contudo, proporciona oportunidades, emoções e momentos raros. Quem tem netos diz que é agraciado com um presente de Deus – privilégio dos que não morrem cedo. Há entendimentos que só virão com o tempo. Somente quando ficamos maduros é que descobrimos o porquê do verde ser a cor da esperança. Sonhamos com tantas coisas e, cá entre nós, já sabíamos que certos sonhos declarados eram mais da boca para fora do que verdadeiro desejo. Não iriam se realizar mesmo. Porém, os sonhos se renovam como células.

Aprendi, lendo Shakespeare, “que depois de algum tempo a gente aprende”… que nossos pais tinham mais razão naquilo que nos diziam do que poderíamos supor. E que, com o passar dos anos, a convivência com a morte de parentes e amigos torna-se frequente. E nos momentos tristes, nos encontros com velhos amigos, prometemos com uma mentira sincera que vamos nos reunir em outras situações para comemorar a vida e não para chorar as mortes de pessoas queridas. Passada a comoção, tudo volta ao normal. Não haverá encontro algum, tampouco o resgate das antigas amizades. A peça teatral que um dia, em algum lugar do passado, representamos juntos, não permite reprise, apenas recordação e saudade. Então nos resta a nostalgia. Eu adoro minhas lembranças e as guardo com saudades da minha infância, da rua calma do interior, numa casa com quintal, onde ser menino era ser imortal. Imaginava que nunca ficaria velho…

Lembranças, quantas lembranças…\ Das goiabeiras gentis, \ Dos abacates tão verdes quanto nossas esperanças,\ Dos limoeiros e laranjeiras, dos animais hostis,\ Lembrança de mim, de ti, dos demais.\ No tempo em que éramos imortais.

Quantos tios, tantos primos – muitos encontros.\ O futuro que nunca chegaria, a infância eterna.\ Nunca a desesperança, nunca o desencontro.\ Sempre o carinho de avó, de mãe terna. \ Os sonhos… tantos sonhos irreais… No tempo em que éramos imortais.

Amigo, recordar também é viver!

* Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br .

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Um amigo

por Convidado 22 de junho de 2015   Convidado

por Benício Rocha*

As palavras fluem mansas e tranquilas, reforçadas por agradáveis expressões faciais e um olhar arguto que continua registrando os fatos ao seu redor, de forma organizada, e indo além do visível…

A história da cidade escorre de dentro daquele homem pequeno, que consegue conter um amor por ela maior do que seu gigantismo próprio das metrópoles de hoje.

Ruas, rios, pessoas, personalidades, calçamentos, barro, bairros, bondes, obras acabadas, inacabadas, atualidades, Serra, Santa Tereza, serestas, serenatas, reminiscências, BH.

Com carinho pela história e nojo pelo seu agente, em breves palavras desconstrói o mito do machismo, de indomável libido, incontáveis camas, capangas, camarilhas, mulheres. Jovens, carentes, às vezes discriminadas pela cor, sempre pela pobreza, em seus braços conheciam um homem. Ou só um macho. Primeira vez!

A busca desesperada por uma vida melhor. A ilusão. Um presente. A vida de novo. Às vezes uma barriga, um bebê, um desespero novo. A carência, a dependência de sempre.

O uso do poder do dinheiro. O abuso do ser humano, reduzido a órgão genital.

Depois do sexo, dos negócios infindáveis, do acúmulo de capital, a solidão. O medo diário da morte. Hipocondríaco.

Seu legado, ambição, briga, vergonha…

Nem nome de rua importante se tornou!

Flagelo em nome do capital, na raiz da capital.

Asco.

Um sorriso e uma sentença simples, irônica, cortante: deixa pra lá, passou. E contribuiu pra formação do caráter de grande parte de nossa população…

Pra mudar de assunto, com jeitinho, pergunta se tenho certeza da queda da Graça Foster e acrescenta: “mas você acredita que esse assunto se exaure ali?”.

Fico sem entender como tanto amor por sua cidade, por seu país, cabe nesse homem simples, prático, que, apesar de 78 anos, ainda se indigna. Ainda tem esperança!

Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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por Sérgio Marchetti

Capítulo 2

Conforme dissemos no artigo anterior, o ato de falar em público tem sido apontado como um dos maiores medos e dificuldades dos seres humanos.  A angústia que muitos indivíduos sentem, dias e horas antes da apresentação, resultam num dos maiores desconfortos vividos pelas pessoas. Assim sendo, cuidemos de um dos fatores que mais afeta o orador, tanto psicologicamente quanto na qualidade do conteúdo, que é a escolha do tema. Portanto, quem apresenta deve ter pleno domínio do assunto, com uso de referências e fontes fidedignas. Algumas apresentações se tornam enfadonhas, e até desastrosas, justamente pela falta de conhecimento e de convicção do emissor.

É essencial que o orador conheça seu próprio estilo e potencialize suas qualidades. Pretender ser engraçado apenas por modismo sem dúvida será um passo arriscado com poucas chances de êxito. É importante manter o estilo e não inventar nada. Outra coisa: embora sejamos brasileiros e tenhamos uma cultura de pouco planejamento, algumas providências devem ser tomadas obrigatoriamente com antecedência. São elas:

  • escolha do tema,
  • objetivos e metas que espera alcançar,
  • identificação do público-alvo,
  • planejamento das estratégias e
  • seleção dos recursos.

Toda informação sobre o perfil do público para o qual irá se apresentar, será decisiva para a conclusão do planejamento.

Uma ação que faz muita diferença é conhecer o local onde será realizado o evento e saber sobre suas condições. Podendo, o palestrante deve ensaiar a palestra no local, ainda que por cinco minutos. Isso irá ajudá-lo significativamente.

Outro fator que pode levar um profissional da comunicação em público ao fracasso é a administração inadequada do tempo. É comum vermos palestrantes correndo com suas apresentações ou finalizando-as antes da hora. Passar slides rapidamente dizendo que não são importantes é gafe, além de demonstração de falta de planejamento e até de desrespeito para com aquele público. Justificar, principalmente de forma antecipada, o fracasso ou mesmo uma dificuldade, é falha imperdoável.

Em minhas andanças e observações pude presenciar episódios surreais em eventos. Num deles, o palestrante já se apresentou dizendo que não dominava o tema, e que estava extremamente nervoso. Também pudera… Acreditem, caros leitores, não parou por aí. Ele afirmou ainda: -“Temos duas horas pela frente, Deus é Pai e irá nos ajudar”. Em outra ocasião, um orador ficou mudo, levando a plateia a pensar que era algum truque. Mas ocorreu-lhe uma paralisia, um estado catatônico que o impediu de se apresentar. Foi retirado do palco dizendo repetidamente: -“esqueci tudo!”

Evitar o fumo, as bebidas alcoólicas e alimentos pesados também se fazem necessário.

No planejamento, é importante que o palestrante saiba se haverá perguntas depois da palestra. Digo depois, porque durante a explanação é totalmente desaconselhável quaisquer interrupções. Mas estar preparado para as perguntas é fundamental. Ao respondê-las o orador deve ser objetivo e conciso, evitando quaisquer prolongamentos, o que é muito frequente e cansativo.

Então, meus amigos, como vimos, o ideal é elaborar o conteúdo com um mês de antecedência, pesquisando o tema e fazendo anotações que poderão enriquecer sua palestra.

Por fim, imagine-se ovacionado e aplaudido de pé pelo público.

Clique aqui para ler o Capítulo 1 – Falar em público e comunicar… é só começar

Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br .

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por Joel Edmur Boteon*

O glaucoma é uma afecção ocular que causa cegueira irreversível. O diagnóstico precoce, através do exame oftalmológico anual, é imprescindível para manutenção da visão, o que é possível graças à evolução no tratamento clínico e cirúrgico desta afecção.

Os pacientes pertencentes aos fatores de risco, como familiares de portadores de glaucoma, etnia negra, altos míopes e altos hipermétropes, diabéticos, e traumatizados oculares, precisam fazer sempre os exames preventivos, considerando que o avançar da idade também é fator de risco.

Muitos pacientes não estão cientes da hereditariedade do glaucoma, não orientando os membros de suas famílias para exame de triagem para essa afecção.

Durante o exame oftalmológico, os dados da história clínica, a medida da pressão intraocular (tonometria), a visualização biomicroscópica (da presença de alterações da córnea, do cristalino, e da câmara anterior do olho) e do fundo de olho (forma, cor e escavação do disco óptico), orientam para a necessidade de investigação especializada para o glaucoma. A pressão intraocular considerada normal fica entre 10 e 20 mmHg, variando durante o dia.

Para confirmar o diagnóstico de glaucoma e seu controle, solicita-se a paquimetria da córnea (medida da espessura da córnea), a curva diária de pressão intraocular, a retinografia (fotografia colorida do fundo de olho), a determinação do campo visual computadorizado e a gonioscopia (exame do ângulo em que a íris encontra a córnea).

O diagnóstico precoce no glaucoma é fundamental para a preservação da visão. Novas tecnologias têm sido desenvolvidas nesse sentido. O OCT (tomografia de coerência óptica) é mais uma arma nesse arsenal, e seu aprimoramento pode trazer benefícios para um melhor controle da doença. O OCT fornece medidas automáticas do disco óptico (nervo óptico visto no exame do fundo de olho), da rima neural, da escavação do disco óptico, da razão horizontal e vertical da relação escavação-disco, e das medidas da CFNR (camada de fibras nervosas da retina).

Existem vários tipos de glaucomas: os primários e os secundários, os de ângulo aberto (ângulo onde a íris encontra a córnea é amplo e aberto) e os de ângulo fechado (ângulo onde a íris encontra a córnea é estreito ou fechado). O glaucoma mais comum é o glaucoma crônico primário de ângulo aberto.

No glaucoma agudo de ângulo fechado a pressão sobe rapidamente e o paciente percebe halos coloridos ao redor de focos de luz, sentindo dor ocular, náuseas, vômitos e baixa de visão. Trata-se de uma emergência.

No glaucoma de pressão baixa ou normal o olho apresenta alterações glaucomatosas com pressão normal ou baixa.

O glaucoma congênito ocorre em recém-nascidos. A criança apresenta fotofobia (sensibilidade à luz), observando-se as córneas turvas e aumentadas em diâmetro. O tratamento deve ser o mais precoce possível.

Entre os glaucomas secundários temos o glaucoma pigmentar, o pseudoexfoliativo, o traumático, o neovascular, o cortisônico (causado pelo uso de colírios com corticoide) e outros.

O manuseio do glaucoma depende do controle rigoroso da pressão intraocular, que pode ser obtido pelo uso de colírios antiglaucomatosos e/ou por tratamento a laser ou cirúrgico.

O controle do glaucoma deve ser avaliado a cada três ou seis meses, se a pressão intraocular (PIO) estiver normalizada, seguindo as recomendações do especialista em glaucoma – o glaucomatólogo.

A aderência ao tratamento é fundamental para conservação da visão.

*Médico, Doutor em Oftalmologia, professor e Diretor Técnico de Transplante de Córnea do Hospital das Clínicas da UFMG.

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Pássaros engaiolados

por Convidado 18 de maio de 2015   Convidado

por Benício Rocha*

Meu coração se partiu quado vi uma sacola plástica, dessas de supermercado, voando perto da janela de um apartamento do 5º andar de um prédio, presa por uma linha às mãos de um garotinho. Caixotinho saindo de um caixotão…

Não pude evitar as lembranças de um tempo em que as crianças viviam soltas, descalças, sem alergias e, esbanjando alegria, corriam, pulavam, gritavam e viviam pelas ruas e pastos de capins verdes.

Papagaios linha 24 ou 10, as pipas, cordonet, cuja grafia nunca aprendi.

Faquinhas, taquaras, linhas, papel de seda, tesoura, grude, cores, muitas cores – o roxo era lindo (pano de caixão)!

Carretilha de 8 cruzetas, as feitas pelo “sô” João, lá da Rua Coronel Antônio Salim, já velhinho, eram as melhores da cidade!

Os corações de nossas mães se tranquilizavam e elas sorriam quando, olhando para cima, nos viam em nossas obras coloridas que, alegremente, ocupavam um céu colorido, multifacetado, do qual um sol brilhante queimava nossos rostos.

pássaros engaiolados papagaio

Soltos, descalços, correndo na grama e soltando papagaio. / Foto: Marina Borges

Buscadas, laçadas, linhas pocadas, correrias, alegrias e tristezas, rápidas como pássaros, e a vida abundante que não coube num futuro de espaços mínimos, violência máxima, inteligências artificiais, um sol, às vezes inimigo, que, como caçador pega, fere, mata e se vai…

Uma parte vermelha, alegre, esvoaçante do meu coração uniu-se ao verde daqueles pastos num lindo papagaio menino e a outra parte, negra, triste anciã esquecida num asilo, prendeu-se àquela sacola de plástico pilotada pelo menino online, opaco, protegido pela tela daquela janela da cela por onde passarão seus netos num repetir futurista piorado a cada dia.

Crianças sedentas de vida. Sedentárias. Pássaros engaiolados.

*Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros e aprendiz de servo do Senhor. 

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Por Léo Heller

O direito humano à água e ao esgotamento sanitário foi explicitamente reconhecido por Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de julho de 2010, e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro de 2010, com forte apoio do governo brasileiro. A Assembleia Geral reconheceu que se trata de “um direito humano essencial para o pleno desfrute da vida”, o que pode ser compreendido em articulação com outras definições sobre os direitos humanos, como a de que todos os direitos são universais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre si. Esse reconhecimento, a par de tornar os cidadãos dos vários países portadores desse direito e aptos a reivindicarem-no judicialmente, traz obrigações aos governos e gestores públicos.

O cumprimento do Direito Humano à Água (DHA) supõe assegurar água com disponibilidade, acessibilidade física, qualidade e segurança, financeiramente acessível e que cumpra com os requisitos de aceitabilidade, dignidade e privacidade. Semelhantes atributos aplicam-se ao direito ao esgotamento sanitário. 

No atual momento, em que o país vive uma dramática crise no abastecimento de água, afetando fortemente sua região mais populosa, urbanizada e industrializada, cabe analisar a situação a partir da lente do DHA.

Inicialmente, avaliando o atual desabastecimento, verifica-se que, caso os princípios do DHA tivessem sido observados pelos responsáveis pela prestação dos serviços, as oscilações climáticas que vivemos não teriam se convertido em escassez de água para consumo humano.

Entre os princípios do DHA, espera-se dos Estados-membros das Nações Unidas que empreguem o “máximo recurso disponível” para assegurar o acesso. Violações a esse direito são consideradas situações de retrocesso. Obviamente, caso o planejamento do abastecimento de água nas localidades afetadas tivesse se dado de forma adequada, levando em conta as variações climáticas, mesmo as mais extremas, o problema não estaria ocorrendo com a atual magnitude.

As tendências científicas mais contemporâneas indicam que os sistemas de abastecimento de água têm de ser planejados de forma estratégica, criativa, adaptativa e capaz de aprender com as mudanças da realidade. Quando incorporarmos esses princípios efetivamente no Brasil, nossas cidades ganharão resiliência para enfrentar situações de estresse hídrico.

Outro aspecto que merece um olhar a partir do DHA são as medidas adotadas ou planejadas para enfrentar a crise. Aí reside a maior preocupação atual, pois sabe-se que, em situações de restrição de consumo, são justamente as populações mais vulneráveis as que mais sofrem seus efeitos. Justamente essa população mais indefesa, com menos capacidade econômica, tem de lançar mão de alternativas ao desabastecimento. Isso porque ela é a mais impactada, inclusive quanto à saúde. Refiro-me não apenas ao segmento da população visivelmente mais pobre, a exemplo da que vive nas vilas e favelas, mas também aos moradores de rua, aos idosos, às crianças e à população carcerária.

O atual momento requer colocar os princípios do DHA no centro da atenção dos decisores públicos. A gestão da crise, por meio de medidas para a restrição de consumo, sejam elas quais forem – redução de pressão nas redes, instrumentos econômicos punitivos, campanhas contra o desperdício, rodízio e racionamento – não deve assumir que todos os usuários sofrerão impactos equivalentes. Ao contrário de medidas de caráter universal, essas devem ser tomadas focalizando afirmativamente as parcelas mais vulneráveis da população, que devem ser protegidas, a bem do cumprimento do DHA.

Além disso, outros princípios do DHA também devem ser evocados neste momento: a transparência e a participação. Medidas para restrição do consumo não se restringem a um processo técnico de tomada de decisão. É um processo que tem implicações sociais diretas nas populações das cidades. Portanto, o processo decisório não deve ser uma exclusividade de gestores públicos e de especialistas. Deve ser um processo democrático, que conte com a participação dos representantes dos afetados, seja nos próprios fóruns constituídos para gerir a situação de crise, seja envolvendo os conselhos de participação social já instituídos.

Léo Heller é pesquisador da Fiocruz-Minas, relator especial das Nações Unidas para o Direito Humano à Água Segura e ao Esgotamento Sanitário e membro da Plataforma Política Social.

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Dizem que o Levy falou

por Convidado 13 de abril de 2015   Convidado

por Benício Rocha

No calor da tarde de mais um dia brasileiro de março de 2015, em que nos distanciamos mais e mais das coisas importantes do e para o país, e nos aproximamos mais e mais de futilidades, o ministro explicou, a presidenta (forma esdruxulamente esquisita) entendeu, que não era nada do que a imprensa estava falando e muita gente pensando….

Enquanto isso, quem se preocupa com os problemas conjunturais sérios?

Vítimas de uma guerra virtual entre governo e oposição, não podemos acessar as redes sociais, pois seremos bombardeados por “um fato novo” que a imprensa ou algum jornalista ou celebridade intelectual, acabou de divulgar e, se sobrevivermos à primeira arremetida da “onda informativa”, atenção, eu disse informativa, e não especulativa, podemos nos tranquilizar, pois algum amigo não nos deixará desinformados.

O golpe de misericórdia virá de um amigo. Tu quoque, Brute, fili mi!?

Parciais, imparciais, reacionários, revolucionários, petralhas ou coxinhas, eu os tenho. E não para só nisso, outros mais existem, graças a Deus!

31 de março é um dia para esquecer, lembrar, ignorar, comemorar, resgatar, rasgar da história!

De Fernando em Fernando o Brasil vai se acabando, declamavam apaixonados pela Pátria, muitos dos que agora sonham com a volta de, pelo menos, parte deles.

O despojamento e a cachacinha politicamente corretos de outrora viraram coisas de cachaceiro bolivariano…

Nossos sonhos, papos, amizades, agressões e carinhos vão por essas sinuosas estradas dos pensares mineiros, mineiramente solidários, trajando camiseta branca escrita em vermelho liberdade, igualdade e fraternidade.

Com fala baixa, olhares desconfiados e desgovernados, meus amigos e eu trocamos impressões, confidências. Modernos inconfidentes mineiros…

As opiniões da turma são infinitas, convergentes e divergentes entre si, mas carecem de diálogo, e até quanto a isso, são ricas em controvérsias.

A todos escuto, e aceito. Abundans cautela non nocet, cautela em excesso não faz mal a ninguém, alguém me disse num dia bem distante.

E assim vamos levando esse ano que, mal iniciado, já conseguiu distribuir medo e apreensão em doses cavalares a todos…

Dizem que o Levy falou …

Benício Rocha é caratinguense ausente e saudoso, mineiro da gema, amante da boa prosa, sócio da MGerais Seguros, aprendiz de servo do Senhor.

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Literatura em tempos cinzentos

por Convidado 6 de abril de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti

Quando eu era criança adorava ouvir histórias e cheirar livros novos. Naqueles primeiros anos de escola, quando ainda era verde e cheio de esperanças, pensava que somente os velhos morriam. Minha alma viajava pelo céu azul do infinito, enquanto ouvia a narrativa mágica que, na voz da professora, brotava das páginas do livro As Mais Belas Histórias. Foi assim que iniciei minha vida de leitor.

Minha escola ficava ao lado da Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em Barbacena, onde os sinos dobravam e tocavam nossos corações. Eu perguntava por quem os sinos batiam? – “Eles dobram para anunciar a morte dos velhinhos.” – dizia minha professora.

Daquele dia para cá, recebi A visita cruel do tempo (título do Livro de Jennifer Egan), e o tempo passou assustadoramente rápido. Descobri novas verdades, inclusive que sou um simples mortal com menos dias para viver.

Mas voltemos aos livros. Durante minha peregrinação em busca de luz, encontrei e gostei de incontáveis obras nacionais e internacionais. Cito apenas algumas: Grande sertão: Veredas – Guimarães Rosa; Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Marques; A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera;  Por Quem os Sinos Dobram? – Ernest Hemingway. Títulos e conteúdos maravilhosos. Percebi, depois de ler o livro de Hemingway, que ele havia feito a mesma pergunta que eu: “Por quem os sinos dobram?”. A resposta não importa muito. Aliás, constato que não obstante as pessoas buscarem tantas respostas, as perguntas são muito mais importantes. Muitas vezes a busca é mais importante do que o encontro. Penso assim, mas não sei se estou certo. O que sei é que viajo com os autores na garupa de suas interrogações em busca da essência da vida.

Foto: Marina Borges

Foto: Marina Borges

O livro é um amigo fiel que me revela segredos e descobertas. Mas nem todos gostam da companhia de nosso irmão de papel. Livro é igual gente. Alguns são chatos mesmo. Outros são pornográficos, detalhistas, intelectuais… tem de todo tipo. Mas a função primeira do livro é a de transmitir conhecimento. Escrever é, por princípio, um ato de doação, legado que se deixa para outras gerações. Porém, toda regra tem exceção. E a permissividade travestida de movimento evolutivo trouxe compêndios contendo escritos de toda sorte. Proliferam nesses ambientes escuros, textos estranhos e vulgares, perversões que, por virem trajadas de literatura e revestidas em tons de cinza, agradam a leitores (e leitoras) que, na sociedade contemporânea, confundem liberdade com vulgaridade. O que é chulo é sem graça e sem classe. Acredito em literatura que gere reflexões e contribua para o crescimento humano e social.  O Brasil é um país onde o hábito da leitura é pouco incentivado. Os comerciais do governo preferem falar de suas “obras e ações sociais”.  Mas nem tudo está perdido, além do horizonte existe um arco-íris com mais de cinquenta tons coloridos. Lá, só para ilustrar, O Pequeno Príncipe continua sendo um dos livros de melhor vendagem. Que ótima notícia, caríssimos leitores. Ainda tenho a esperança de ver salvas muitas  pessoas antes que se desumanizem. Muitas delas, por defesa e descrença sobre o amor, pregam um ceticismo que ridiculariza paixões e vivem a razão como se não existisse a emoção. “Ledo autoengano” que os faz duvidarem do abstrato, do invisível. Agir somente com o cérebro reptiliano não é evoluir. É regredir. É voltar a ser macaco.

Por fim, aconselho aos hedonistas de plantão – cópias grosseiras de Aristipo – perdidos na escuridão dos tons de cinza – que prestem muita atenção às suas convicções, pois, ao contrário do que pensam, são as coisas abstratas como o amor, a paixão e a generosidade que concretizam as nossas existências.  E saibam que

…O essencial é invisível aos olhos. Os homens têm esquecido dessa verdade…”

Antoine de Saint-Exupéry

Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br .

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Bolsonaro de Tróia

por Convidado 31 de março de 2015   Convidado

por Igor Costoli

Nunca me preocupei muito com Jair Bolsonaro porque, para mim, sempre esteve muito clara sua semelhança com a Mulher Melancia. Não se engane, o deputado e a subcelebridade têm muito em comum.

Para começar a fazer sentido, falemos de Andressa Soares, que se apresenta como dançarina, cantora e modelo. Despontou em 2008 na esteira do funk “Dança do Créu” (felizes os que não sabem do que estou falando), ano em que estampou pelo menos três capas da Playboy. O nome artístico Melancia tem relação com suas medidas avantajadas (à época, 121 cm de quadril).

Andressa Soares. / Foto: Extraída do Facebook oficial

Andressa Soares. / Foto: Extraída do Facebook oficial.

Agora, leitor, acompanhe este raciocínio. Você certamente já abriu o jornal ou acessou portais de notícia e encontrou notícias irrelevantes sobre gente que mal sabe quem é. Mais do que isso, você provavelmente já se perguntou: que fazem essas pessoas? Por que são famosas?

Esse é o ponto interessante – a subcelebridade é uma pessoa famosa que vive do fato de ser famosa. Isso mesmo. Sua notoriedade não é uma consequência, é um fim em si mesmo.

Andressa Soares é modelo, canta e dança uma música que não interessa a você, nem à maioria das pessoas. Aliás, muitas das notícias sobre ela são deboches. Coisas banais como ir à academia e fazer compras, e manchetes risíveis como “Depois de Mulher Maçã, Melancia é a nova fã de ‘Esteve Jobs’”. Contudo, o personagem Mulher Melancia faz rodar uma engrenagem que vive do clique dado no link da matéria.

Não importa se as pessoas acessaram porque são fãs ou para ridicularizar Andressa. O ponto é que o clique do leitor interessa tanto a ela quanto ao portal. Não importa que milhões sejam indiferentes ou detestem o trabalho da Mulher Melancia. O ponto é que essa rejeição expõe Andressa, atraindo convites comerciais e ajudando a encontrar as pessoas que pagam pelos seus shows.

A alma do negócio

“Falem mal, mas falem de mim” é um mantra que sustenta essa mídia de forma direta, e que amplia público e valoriza cachês da Mulher Melancia indiretamente. Se funciona? De agosto de 2011 para cá, apenas o Ego (um dos maiores sites nacionais de celebridades) registra 302 conteúdos diferentes citando Mulher Melancia. Parece que todos saem ganhando, exceto a qualidade de conteúdo.

O que nos leva de volta a Bolsonaro. Sem recorrer à pesquisa na internet, creio ser improvável alguém dizer um projeto de sua autoria ou mesmo reconhecê-lo pela relevância de sua atuação legislativa.

Contudo, ele é bom em confusões e no uso inadequado da imunidade parlamentar. O princípio, criado para proteger deputados de perseguição por suas convicções políticas, é frequentemente usado pelo ex-militar para ofender outros deputados e defender ideias que já foram legalmente abandonadas em quase todas as democracias evoluídas.

Apesar de se apresentar como um representante dos militares, o capitão da reserva não conta com a simpatia do alto escalão do Exército. Foi preso nos anos 80 por liderar reivindicações por melhores salários, e terminou aposentado às pressas enquanto era investigado por ter elaborado um plano para explodir quartéis em protesto. Como deputado, quase perdeu seu mandato por discursar na Câmara pedindo o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Isso faz dele ainda mais eficiente que a Mulher Melancia na estratégia de atenção negativa. Matérias com suas polêmicas atraem cliques de pessoas horrorizadas com a postura do deputado, e são compartilhadas na casa das dezenas de milhares com declarações de repúdio.

O ponto é que suas ideias encontram eco com ajuda dessa divulgação. Se a Mulher Melancia precisa dos cliques para receber convites para shows, Bolsonaro precisa dos cliques para receber eleitores. Ambos são semelhantes porque são notórios apenas pela própria notoriedade.

A música que Andressa Soares faz não tem alcance nacional, nem tende a representar algo para a história do país. Do mesmo modo, as conexões de Bolsonaro com o primeiro escalão político são fracas. Sua popularidade não vale o risco da rejeição que atrai. O motivo pelo qual não é punido por suas declarações provavelmente é o mesmo porque muitas pessoas sequer sabem que ele já apresentou na Câmara um pedido de impeachment da presidente Dilma: porque ele não é levado a sério.

Jair Bolsonaro / Foto: Retirada do Facebook oficial

Jair Bolsonaro / Foto: Retirada do Facebook oficial

Cavalo de Tróia

E assim eu segui, por muito tempo, sem dar atenção ao que o deputado diz ou faz, também para não aumentar sua força acidentalmente. Minha opinião mudou com a divulgação da lista de Janot.

O “destaque” no rol de investigados na Operação Lava Jato é o Partido Progressista. Descendente direto da Arena, que dava sustentação política ao governo militar no país após 1964, o PP encabeça mais da metade da lista. Na delação premiada, o doleiro Alberto Youssef chegou a dizer que havia uma “tabela de preços” de propina e que os membros do partido brigavam por ela.

Mas a grande curiosidade foi levantada pelo portal Vice: dos 18 deputados federais do PP investigados na Lava Jato, apenas Eduardo da Fonte se elegeu sozinho, ou seja, com os próprios votos. Os outros 17 integrantes se beneficiaram de votos excedentes da legenda, que tem seu maior expoente em … Jair Bolsonaro.

Deputado federal mais votado no Rio, Bolsonaro recebeu 464 mil votos, quatro vezes mais que o necessário para garantir uma vaga. O sistema político atual faz com que os votos sejam contados também de forma coletiva, o tal coeficiente eleitoral, distribuindo votos excedentes dentro das coligações. É por isso que todo partido abraça sem qualquer vergonha os chamados “candidatos bizarros”, pelo seu potencial imprevisível para atrair multidões.

Por isso, pela primeira vez percebi a postura de Bolsonaro não apenas como uma estratégia de sobrevivência pessoal. Bolsonaro é uma peça fundamental para que 17 investigados por corrupção na Petrobras tenham hoje uma cadeira na Câmara e foro privilegiado.

Estamos falando de políticos com cada vez menos eleitores a quem deveriam prestar contas diretamente, a quem deveriam respeitar. Será que a população está sendo bem representada quando os vitoriosos são candidatos sem maioria simples de votos?

Pois assim eles seguem, conquistando mandatos em Brasília e em todo o país na carona de homens como Tiririca e Bolsonaro. Dois candidatos que, enfim, passo a considerar problemáticos: porque possuem a capacidade de eleger não sabemos quem.

Igor Costoli é jornalista e radialista de formação e atleticano de coração. É produtor e apresentador do Programa Invasões Bárbaras, na Rádio UFMG Educativa.

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