Ainda bem que cachaça não é água…

por Convidado 9 de fevereiro de 2015   Convidado

por Sérgio Marchetti

E o Carnaval chegou. Carnaval é comédia, espontaneidade. E o ridículo, no Carnaval, é quem não está ridículo. Vale o deboche, as caricaturas que mostram verdades. Figura e fundo, sombras e luzes – tudo se mistura e tem valor na decoração carnavalesca. Adoro o Carnaval. Adorava, melhor dizendo. Já participei intensamente, apaixonadamente de bailes, de blocos e até de escola de samba. Gostava dos sambas e das marchinhas. Cantava todos de cor e salteado. Com esta frase dá para saber que faz tempo. Queria ter vivido na época dos corsos, pois representam a origem da festa carnavalesca.

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Foto: Marina Borges

Eu amava os salões cheios de gente bonita e cheirosa. Sempre achei que o Carnaval era a festa mais democrática que existia. Todos podiam ser felizes e sair pelas ruas, sozinhos ou em bando. Hoje, Carnaval é outra festa. O luxo das fantasias deu lugar à nudez. Era mais inocente. A brincadeira se transformou, e os “ficantes” vão para as ruas para exercer o hedonismo sexual. É uma licença frenética. Não tem nada de poética. “…Mas é carnaval! Não me diga mais quem é você! Amanhã tudo volta ao normal…” e é assim mesmo. “Quero me perder de mão em mão, quero ser ninguém na multidão.” O que era refrão virou atitude. Mas cada um sabe de si. Então vamos cantar, pois quem canta seus males espanta, mesmo que os presságios para 2015 não sejam os melhores; sem contar com a falta d’água. Ainda bem que cachaça não é água… “Pode me faltar tudo na vida… só não quero é que me falte a danada da cachaça.” E “…pra frente é que se anda…

Vamos viver uma coisa de cada vez. O povo brasileiro está mais triste. Mas apesar de tantos pesares, ou “apesar de você, amanhã há de ser outro dia…” Dia de alegria, afinal “o importante é ser fevereiro e ter Carnaval pra gente sambar”. Esquecer as mágoas, vestir fantasias e tirar a máscara gasta e surrada que usamos o ano inteiro. É isso mesmo. Muita gente tira a máscara somente no Carnaval. Então vamos entrar no primeiro bloco que surgir. “Ô abre alas que eu quero passar. Eu sou da Lira não posso negar…” “… e este ano não vai ser igual àquele que passou. Eu não brinquei. Você também não brincou…”. O Carnaval era brincadeira, liberdade para se apaixonar. Era início de uma paixão e fim de namoro. Mas depois tudo voltava ao normal. Havia o perdão. Mas, pudera, nos salões havia mulheres lindas que encenavam peças com “o Pierrot apaixonado que vivia só cantando e que por causa de uma colombina, acabou chorando…”. As bandinhas tocando marchinhas provocativas. Era o paraíso na terra: “tanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão. E o arlequim está chorando pelo amor da colombina no meio da multidão”. E vinham o estribilho e a felicidade dos foliões: “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval.” Arrepiante! E alguém que flertava em busca de um namoro, tirava a sorte cantando: “eu perguntei a um mal-me-quer, se meu bem ainda me quer. Ela então me respondeu que não. Chorei, mas depois eu me lembrei que a flor também é uma mulher. Que nunca teve coração…”.

Assim era a festa do povo, três dias de total libertação. Baile a noite inteira. “São três dias de folia e brincadeira. Você pra lá e eu pra cá, até quarta-feira”.  E depois o mundo tornava a começar. “Mas quarta-feira tem um ano inteiro é todo assim, por isso quando eu passar batam palmas pra mim…”. E faltar água não é nenhuma novidade. Mas o povo pedia: “tomara que chova três dias sem parar”. O brasileiro sempre foi assim. Riu e ri da própria desgraça. Mas com “chuva, suor e cerveja” resolve seus males.

Alegorias, adereços, harmonia…  Tudo era, literalmente, fantasia e, se surgia uma bela mascarada, havia repertório para abordá-la: “linda pastora, morena da cor de Madalena. Tu não tens pena de mim que vivo tonto com o seu olhar…”, “…Morena que me faz penar a lua cheia que tanto brilha, não brilha tanto quanto o seu olhar”. E a lourinha? “Lourinha dos olhos claros de cristal, desta vez em vez da moreninha serás a rainha do meu carnaval”. Mas estamos no Brasil e “a mulata é a tal… e só dá ela, eie, eie eie, eie eie, eie, na passarela…” .Salve! Braguinha!

Fora dos clubes havia os blocos organizados, e “lá vai meu bloco vai, só desse jeito é que ela sai…”, “…e o sereno vem caindo. Cai, cai sereno devagar, que o meu amor está dormindo...”. E tudo podia naqueles dias. Ainda pode. “Olha o bloco do sujo que não tem fantasia, mas que traz alegria para o povo sambar…”.

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Bloco de rua em BH no carnaval de 2014. / Foto: Marina Borges

E aí, meu caro leitor, sentiu saudades dos antigos Carnavais? Nada de tristeza! “Tristeza, por favor vá embora.. .”, “…Vê, estão voltando as flores. Vê, nessa manhã tão linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança ainda”. Então, o que está esperando? Ponha seu bloco na rua, “bote para quebrar e gemer”. Dê uma chance para sua endorfina.  Ah! Você quer paz? Então usufrua da energia dos dias de folia da maneira que lhe convier.  “Na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê…”.

Deixo, como reflexão para os foliões, uma homenagem ao maravilhoso samba enredo da Beija Flor de Nilópolis, em 2003. “Chega de ganhar tão pouco /tô no sufoco: vou desabafar/ pare com essa ganância, pois a tolerância /pode se acabar…”.

Assim seja!

Sérgio Marchetti é educador, palestrante e professor. Possui Licenciatura em Letras, é pós-graduado em Educação Tecnológica e em Administração de Recursos Humanos. Atua em cursos de MBA e Pós-Graduação na Fundação Dom Cabral, B.I. International e Rehagro. Realiza treinamentos para empresas de grande porte no Brasil e no exterior. www.sergiomarchetti.com.br 

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